Acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho
Antônio Silvino regenerado aos 72 anos de idade
e condenando os crimes de “Lampião”
Como o famoso facínora alude ao sentido humano de sua vida de vinganças e atrocidades.
Em visita que fez à Cadeia Pública de Recife, onde se acha
recolhido, em cumprimento da pena de 30 anos, o famoso Antônio Silvino, teve o
Dr. Washington Garcia, nosso antigo colaborador, oportunidade de entreter larga
entrevista com aquele sentenciado, que trocou mui curiosas impressões acerca de
sua atual situação e procurou mesmo estabelecer um confronto entre as suas atitudes
quando cangaceiro e as de outros que, atualmente, infestam os sertões do
nordeste do Brasil.
Observando no presídio conduta irreprimível, a par da revelação de sentimentos
nobres e exemplares, são os serviços de Antônio Silvino aproveitados como auxiliar
de chaveiro da cadeia, prestando aos visitantes toda a sorte de esclarecimentos
e informações de que careçam.
Recebido à porta da Cadeia Pública por Antônio Silvino, e na insciência de a
quem falava, pediu-lhe o Dr. Washington Garcia a fineza de leva-lo à presença
do diretor da Cadeia Pública, a fim de obter a necessária permissão para a
visita almejada.
Satisfeita a pretensão, não foi sem surpresa que, ao pedir o visitante lhe
fosse indicada a cela de Antônio Silvino, pelo chefe dos guardas lhe foi dito
que tal sentenciado era justamente o introdutor do visitante, que gozava das
regalias de tal natureza em face do seu irrepreensível procedimento.
Interpelado sobre a sua vida no cárcere, declarou que hoje se entrega a
prazeres de ordem espiritual e apontou a sua pequena biblioteca, constituída de
livros de espiritismo, os quais jaziam sobre uma pequena mesa ali existente. Ao
ser interrogado sobre os desejos de liberdade, de que certamente estaria
animado, disse que de tal não cogita e que, ao contrário, considerando dupla a
sua prisão, isto é, a do espírito à matéria e a desta ao ergástulo, anseia
apenas pela liberdade do espírito. E, completando o seu raciocínio meio
filosófico, acrescentou que os seus 72 anos de idade já lhe não permitiam
alimentar a esperança de suportar o cumprimento total da pena imposta e para
cujo termo ainda lhe faltam 17 anos. Declarara mais que não o magoava a
reclusão, pois já se identificava com a prisão, mas não podia perdoar a
justiça, que, a seu ver, lhe não concedera o uso dos recursos a que se julgava
com direito. Manifestou mesmo Antônio Silvino o seu menosprezo pelos atos e
sentenças do poder judiciário.
Abordado no sentido de emitir opinião acerca dos atos cometidos pelo já célebre
cangaceiro “Lampião”, declarou que os intuitos que, em tempo, o animaram a ele
Silvino, em sua atividade no interior dos estados de Pernambuco, Paraíba, Piauí
e Ceará, eram bem diversos dos daquele que, sem poder justificar o seu
procedimento ao contrário, comete atrocidades e desatinos que bem definem os
seus desígnios e sentimentos.
Afirmou Antônio Silvino que, a princípio, agiu no exercício de um direito, a
seu ver, muito nobre, o da vindita privada, pois seu pai fora morto e ele
jurara vingança, o que levou a efeito em membros da família do mandante da
morte de seu pai. Posteriormente, perseguido por tal procedimento, se viu na
contingência de organizar a sua defesa, e assim, de dificuldade em dificuldade,
foi obrigado pelas circunstâncias criadas a tomar a atitude que durante muitos
anos teve de assumir no sertão do Brasil, não podendo calar que o seu proceder
não era devidamente interpretado, pois nunca tivera como objetivo o morticínio
e outros atos reprováveis. Se, por vezes, a tal foi forçado, assim fizera ou em
legítima defesa, quando atacado, ou para estabelecer uma norma de moral entre
os seus “cabras”, que, constituindo seu séquito, deveriam observar conduta
regular, sendo castigados sempre que se afastavam dos princípios pregados por
Antônio Silvino.
Aludindo à pilhagem que se lhe imputava, declarou ser falsidade, pois dos
abastados e fazendeiros só exigia o necessário e suficiente para sua manutenção
e dos seus “cabras”, em um verdadeiro regime de igualdade; disse mais que,
quando tal as dava em localidades de gente pobre, obrigava os comerciantes a
partilharem víveres e vestuário com a população que não dispunha de recursos
pecuniários. Fez referências também a certos fatos, talvez inéditos, nos quais
Antônio Silvino teve de agir violentamente, já em defesa alheia, já para
corrigir excessos dos seus “cabras” e dar o exemplo necessário para evitar a
repetição de cenas desagradáveis. Contou a morte trágica e impressionante de
“Negrão”, indivíduo façanhudo e ladrão-homicida, que, em suas ações no sertão,
fazia constar ser autor das mesmas Antonio Silvino. Disse que, de uma feita, o
“Negrão”, tendo invadido um lar, cujo chefe estava ausente, fez exigências de
toda a ordem e recolheu-se aos aposentos particulares, onde se acomodara. Eis
que, por acaso, surge Antônio Silvino, que, informado, à porta, da presença do
referido individuo no interior do lar, ali penetrou, tendo descarregado o seu
rifle em pleno peito do famigerado bandido.
Referindo-se à sorte de vários companheiros de cárcere, Antonio Silvino diz que
se apieda dos mesmos, por ver que aspiram à liberdade e, fazendo considerações
sobre a organização da sociedade, diz que prefere o isolamento ao convívio
social sem se lhe fazer a devida justiça. Disse mais que só fora preso, em
tempo, por haver sido ferido e que os seus planos de evitar a captura são
infalíveis e que, com prazer, só revelaria a um patrício em quem reconhecesse
qualidades excepcionais. Acrescentou que, por ocasião de visitas de curiosos,
tem falado a pessoas que lhe pareceriam argutas e capazes de assenhorar-se dos
seus planos, mas que, infelizmente, tem depois reconhecido serem as mesmas
incapazes de agir como ele. Nessa asserção como que se lhe descobre a pretensão
de ter sido grande estrategista e tático, não tendo ainda, segundo pensa,
encontrado um êmulo.
Do ponto de vista afetivo, não é demais aqui referir que Antonio Silvino muito
se preocupa com os filhos, principalmente com dois menores, recolhidos à Escola
Correcional de Recife, contígua cadeia, aos quais carinhosamente ele leva todos
os duas uma parte de suas refeições melhoradas.
Um fato também digno de menção é o que diz respeito à tristeza que durante
muitos dias lhe causou a súbita morte de uma pombinha, companheira do
sentenciado, a que, por extravagância chamava “Cascavel” no jardim da Cadeia
Pública, o que lhe foi ferido.
E, para encerrar a visita o Dr. Washington Garcia percorrera com a vista as
paredes da cela, havendo observado ali várias gaiolas de pássaros e chicotes de
crina de cavalo. É esta a matéria-prima de que lança mão Antônio Silvino para,
em horas de labor, fazer interessantes abotoaduras para punhos e cadeias de
relógio, que vendo aos visitantes, a preço módico e mediante uma declaração
autografa. Em suma, Antônio Silvino se afigura um regenerado e procura fazer a
prova de que a sua ação de delinquente foi menos dolosa do que culposa.
Jornal O GLOBO – 30/09/1927
Imagens ilustrativas da matéria.
O rio Capiberibe, vendo-se ao fundo, à margem esquerda do mesmo, o amplo
edifício da Detenção, onde está Antônio Silvino; e Dr. Washington Garcia.
Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa
Sobrinho
Grupo: Lampião,
Cangaço e Nordeste
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