Por Sálvio Siqueira
Quando da
manhã do dia 28 de julho de 1938, uma quinta-feira, um cangaceiro desce pelo
leito seco do riacho Angico para ir encher alguns cantis com a água que estava
empoçada no poço do Tamanduá.
Aproximando-se
da poça d’água, “Amoroso” agacha-se para colocar água nos recipientes, nesse
momento escuta um estouro que quase lhe estoura os tímpanos. Procura
imediatamente um abrigo, pois em seguida a esse estouro vieram muitos e muitos
outros.
Aspirante Ferreira de Melo ao lado do comandante do 2º batalhão, coronel José Lucena, na
cidade de Santana do Ipanema, AL, na época do cangaço, um ou dois dias após as
mortes dos cangaceiros.
Recebendo a
ordem de seguir para a margem esquerda do riacho, o Aspirante Ferreira de Melo
leva sua tropa para o lugar determinado. Chegando nele, desce a barreira, com
parte dos homens e começa a subir o leito seco do riacho. Às vezes, devido o
tortuoso ‘caminho’ que fizera as águas escavacando o terreno, eles ficam na margem
direita, voltam ao leito do riacho novamente e, assim, seguem em direção sul. O
cabo Bertoldo, que fazia parte da tropa do Aspirante, com a outra parte da
tropa, segue por sobre a margem esquerda, dando cobertura ao comandante que
avançava pela parte baixa, sempre subindo no sentido sul. Como era para dar
cobertura, não procuraram fazer vanguarda. Em determinados momentos estavam na
retaguarda e logo em seguida, dependendo do terreno, na mesma linha em que
estavam seus companheiros de farda.
Comandante
geral da PM das Alagoas, na época do cangaço, coronel Theodureto Camargo,
abraçando o aspirante Ferreira de Melo, quando este chega em Santana do Ipanema,ALl, após a morte dos cangaceiros no Riacho Angico.
Os homens que
estavam com o Aspirante, alguns ligeiramente adiantados, notam a vinda de um
cangaceiro no sentido contrário em que iam. Não tendo mais alternativas,
escondem-se por trás das pedras que existem ao longo do leito do riacho. O
cangaceiro chega muito perto deles. Escora sua arma numa moita, ou numa pedra,
e abaixando-se está com um cantil na mão. Um dos três militares, não espera
mais. Aponta seu fuzil e faz fogo no cangaceiro. À distância em que estava o
cangaceiro não passa de 10 (dez) metros, e mesmo assim, não sabemos se por falta
de tempo, calma ou mesmo nervosismo do soldado, esse erra o tiro.
Tropa comandada pelo
tenente João Bezerra quando do retorno do ataque aos cangaceiros na Grota do Riacho Angico. Este registro é citado por alguns autores como fora feito em
frente à sede da Prefeitura na cidade de Piranhas, AL. Detalhe: essa tropa está desfalcada. No ataque aos cangaceiros, no coito do Riacho Angico, a força tivera uma baixa. Morreu o soldado Adrião. Alguns
autores citam que fora vítima de 'fogo amigo'.
Um pouco atrás do cangaceiro que vinha encher os cantis, vinha a ‘Rainha do
Cangaço’, Maria Gomes de Oliveira, a Maria de Déa. Ela estava com uma vasilha
na mão. Era uma ‘banda’ da embalagem de queijo do reino. Com certeza vinha para
pegar água e, talvez lavar-se, ou levar água para a tenda onde tinha passado a
noite.
Tolda
do 'rei dos cangaceiros' entre as pedras do Riacho Angico.
Um instante
após se ouvir o disparo que o soldado Abdon Cosme dos Santos disparou no
cangaceiro Amoroso, sem dar tempo de Maria de Déa entender nem saber de onde
partira, é atingida por um projétil disparado pelo soldado José Panta de Godoy,
em seu abdômen, com o impacto em seu corpo cai no chão pedregoso do leito do
riacho. Com muita dor, porém, o instinto de sobrevivência a faz esquecer-se da
dor, ergue-se rapidamente e, virando-se, inicia uma ‘fuga’ em direção onde
achava estar à salvação, sua tolda, onde estava seu companheiro, o cangaceiro
Lampião, o “Rei dos Cangaceiros”. No entanto, ao virar-se, recebe outro balaço
nas costas vinda da mesma arma do soldado Panta. Estatela-se de bruços por
sobre os pedregulhos, e dessa vez não tem condições físicas de erguesse para
continuar tentando salvar sua vida.
Soldados da tropa do
aspirante Ferreira de Melo. Detalhe: Vemos o cabo Antônio Bertoldo, o soldado Santo e o soldado
'Noratinho'. faltando para nós a identificação do quarto soldado.
O soldado da
tropa do Aspirante Ferreira de Melo, Antônio Honorato da Silva, por todos
conhecido pela alcunha de ‘Noratinho’, após as mortes dos cangaceiros no leito
do riacho Angico, não sabemos se por uma simples vaidade, por um momento de
distração ou mesmo por mais uma mentira, pois, daquelas mortes e daquele ataque
temos milhares de mentiras, tomou para si a morte do ‘Rei dos Cangaceiros’.
Neblina
ao romper da aurora na Grota do Riacho Angico. - Foto Sálvio Siqueira
Vejamos o que
diz o soldado sobre quem matou Lampião:
“Eu e mais
cinco soldados teríamos que ultrapassar a gruta para dar início ao ataque.
Quando encontramos um local propício à escalada, subimos ao alto e logo
avistei, à frente de uma barraca, um sujeito alto, trazendo uma faca presa no
peitoral e, em volta dos ombros, um laço (lenço), à moda sertaneja. Não tive
dúvidas: apontei meu mosquetão e varei o tipo com uma bala. A esse primeiro
tiro, sucederam outros, de fogo cruzado. Depois vi uma mulher correndo de um
lado para outro, até que se debruçou sobre o corpo, indiferente às balas que
silvavam de todos os lados. Parecia desesperada. Mirei e fiz fogo: ela tombou
mais adiante. Era Maria Bonita a bela mulher do bandoleiro.” (Revista Edição
Extra – 1962)
Noratinho
passou muito tempo contando como teria dado fim ao ‘Rei do Cangaço’ e sua
‘Rainha’. Confrontando os depoimentos de sobreviventes que sofreram o ataque, e
daqueles que também fizeram parte do ataque, principalmente da tropa do
Aspirante Ferreira de Melo, pois foi essa tropa quem matou os cangaceiros, essa
versão não encaixa. Todos citam como sendo os três primeiros disparos, o
primeiro do soldado Abdon no cangaceiro Amoroso, o qual erra, e os outros dois,
disparados por Panta de Godoy, justamente na companheira de Lampião. Após esses
disparos, o mundo se fechou e a tropa atirou muito. Como o chefe Lampião, o
restante dos cangaceiros não faz nenhuma resistência. Ninguém do bando
contra-ataca.
O soldado Antônio Honorato da Silva, o 'Noratinho', mostrando sua arma ao
jornalista Melchiades da Rocha.
Pode até ter
saído da boca do mosquetão do soldado ‘Noratinho’ a bala que atingiu Lampião,
mas, sem ser como ele contou. Assim como, pode ter saído da arma de qualquer
outro da tropa do Aspirante Ferreira de Melo. Como ninguém se atreveu,
‘Noratinho’ toma para si a autoria de ser o homem que matou Virgolino Ferreira,
levando para o túmulo essa versão quando fora assassinado.
Hoje, com as novas pesquisas, fica mais que esclarecido que não fora como ele narrou ter sido.
Zé Sereno com seu grupo, ou subgrupo, como queiram, que estava acampado na parte alta, em cima da barreira, distando uns sessenta metros de onde se encontrava a tolda de Lampião, e daqueles que estavam acampados dentro da grota, essa distância é no sentido diagonal, pois se tirarmos uma ponto reto, traçando uma linha reta, para cima da barreira, e daí outra linha para onde estavam Sereno e seus ‘cabras’, essa distância diminui, se arranca, a muito, contrário à direção tomada pela volante, no sentido contra a correnteza do riacho, ou seja, na direção sul, contrário a margem direta do “Velho Chico”.
O Aspirante
Ferreira de Melo, em entrevista ao Jornal Gazeta de Alagoas, em 1965, falando
ao jornalista sobre a morte do “Capitão Lampião”, disse:
Um delegado,
um jornalista, Pedro de Cândido e Durval seu irmão, mais outras pessoa e
soldados na Grota do Riacho Angico, próximos a um corpo sem cabeça, no chão
pedregoso. Citam alguns autores que esse é o corpo de Maria de Déa, a Maria Bonita, 'rainha dos cangaceiros'. Detalhe: tem uma pessoa que está com um balde nas mãos. Provavelmente este
recipiente foi para transportar a cal para ser colocada sobre os corpos que já
estavam em estado de putrefação.
“Lampião já
estava de pé e recebeu apenas uma bala, conforme eu já disse, cuja bala ninguém
pode afirmar com segurança de que arma partiu. Na época, foi muito comentado
que o projétil que atingiu o companheiro de Maria Bonita, teria partido da arma
empunhada pelo cabo Honorato, conhecido por Noratinho. Todavia, ninguém poderia
precisar, em meio ao fumaceiro, às apreensões e à balbúrdia do momento, que
esse ou aquele policial tivesse atingido o nosso terrível adversário. O
verdadeiro, no duro, é que foi a minha tropa que exterminou Lampião. Esta é a
verdade.”
Cabeças dos cangaceiros,
perfiladas. Provavelmente essa captura tenha sido em Pinhas - AL. Notemos as
condições em que se encontram as cabeças, ou seja, sem nenhuma
deterioração. Detalhe: na fileira de baixo, a última cabeça da direita, na captura, é tida
como 'desconhecido'. no entanto, hoje, já sabe-se que trata-se do cangaceiro
'Luiz de Thereza'.
No pandemônio
que tomou conta do acampamento, um soldado vai seguindo os companheiros e de
repente ver um cangaceiro contorcendo-se pelo chão. Esse soldado aponta sua
arma e atira, acertando a cabeça daquele cangaceiro que estava a
‘estrebuchar-se’ no pedregoso solo daquele riacho. Essa narração é feita pelo
militar José Panta de Godoy.
A lua, vista da Grota do Riacho angico, no mesmo local onde estava a tolda do
"rei dos cangaceiros". foto Sálvio Siqueira
“(...) Foi
neste momento que o soldado José Panta de Godoy ao aproximar-se, embora sem
saber a sua identidade e, parcialmente obstado pelo soldado Sebastião Vieira
Sandes, o Santo, desferiu o tiro de misericórdia na cabeça de Lampião (...).”
(“Lampião – Sua morte passada a limpo” – BASSETTI, José Sabino e
MEGALE, Carlos César de Miranda. 1ª Edição. Janeiro 2011).
Multidão
veio recepcionar a chegada do caminhão com a tropa, ou parte dela, à cidade
alagoana de Santana do Ipanema, transportando os troféus funestos, as cabeças
dos onze cangaceiros mortos na Grota do Riacho Angico.
Como o soldado
Antônio Honorato da Silva, o ‘Noratinho’, muitos disseram suas mentiras, tanto
aqueles que sobreviveram como aqueles que fizeram parte da tropa que atacou o
coito no riacho da fazenda Forquilha. Mas, na medida do possível, vamos levando
aos amigos as revelações das mentiras. Tanto dos ex cangaceiros, e ex
cangaceiras, como dos ex volantes e comandantes destes. Porém, mesmo estando em
busca, sabemos que não somos dono da verdade... Deixamos para os amigos tirarem
suas conclusões.
Foto Sálvio Siqueira
A Noite
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