*Rangel Alves da Costa
Eles surgem silenciosos, noturnos, soturnos, aparecendo nas esquinas, surgindo dos muros, das residências, vindos de todo lugar. Negros, pardos, esbranquiçados, amarelados, de cores mistas ou indefinidas, assim vão surgindo os gatos na noite.
Vão lentamente se achegando aos beirais das calçadas, aos cantos mais escurecidos, aos pés de muros. Confabulam, se roçam, se aproximam, se afastam, de vez em quando parece haver até desavenças e ameaças mútuas. Surgem os primeiros miados.
Os gatos sempre agem assim. São reconhecíveis seus procedimentos de cada noite. Gostam de se reunir em grupos, porém logo vão se dispersando. Os diálogos iniciais entre os bichanos parecem uma distribuição das tarefas noturnas – e madrugada adentro – de cada um.
Ora chegam em maior número, ora apenas uns quatro ou cinco. Mas se avista muito mais dispersos pela escuridão das ruas. Após os encontros iniciais, alguns vão sumindo pelos escondidos enquanto outros permanecem no local ou arredores. Não demora muito e a gataiada já está em plena função noturna.
Coisa estranha acontece nesse bicho caseiro. O gato parece ter duas faces, duas feições, modos distintos de agir se durante o dia ou durante a noite e nas altas madrugadas. Seu comportamento é totalmente oposto se numa ou noutra situação. Ao dia, sempre dócil, fagueiro, amistoso. Mas estranho demais depois do anoitecer.
Quando a noite cai, então o gato se mostra na plenitude de seus segredos, mistérios, desconhecidos. Os gatos da noite são como ébrio apaixonados, são como vagantes solitários, são como seres lascivos e permissivos, são como enfermos cujas moléstias se acentuam quando a lua chega.
Por isso mesmo que a noite dos gatos é tão soturna, tão noturna, tão embriagada, tão insana, tão ávida por estranhezas. Por isso mesmo os gemidos, os miados roucos, os miados aflitivos, os miados de fúria e de incontido prazer. O amor e a insanidade noturna dos gatos.
Gatos de gemidos lúgubres, apavorantes, terríveis, alucinantes. Gatos de canções funestas, medonhas, insuportáveis ao ouvido humano. Gatos que gritam seus prazeres e sofrimentos de forma repetida, incontida, quase mecanicamente. Não são avistados, sentidos, presenciados, apenas ouvidos nos seus gemidos fúnebres ou luxuriosos.
As pessoas gemem ao amar, ao fazer sexo, ao sentir prazer. Mas os gatos gemem incontidamente, sem pudor, nas alturas, como em gritos ensandecidos. As pessoas murmuram e sussurram gozos carnais, mas os gatos gemem o prazer como se os sentidos estivessem transformados em agonias. Por isso que os gatos tanto agonizam nos telhados.
De qualquer modo, noite adentro, madrugada afora, e os bichanos fazendo sua festa noctívaga ou vivendo suas dores noturnas. Já não são aqueles gatos do dia, apenas seres que vorazes se entregam ao que os mistérios debaixo da lua ou no breu da hora permitem fazer.
Triste e lancinante deve ser a solidão dos gatos. Os lamentos, os gemidos, os prantos gritados, não deixam dúvidas do tamanho sofrimento que lhes é impingido. Um luto, uma terrível perda, uma saudade sem fim, um desejo impossível sem fim. Vagam pelos telhados, uivam seus lados lobos, atestam que os sofrimentos noturnos não são apenas de humanos.
Pelos telhados a noite se alonga. Quando a madrugada abre seus braços misteriosamente secretos, os gatos ainda permanecem em sentinelas e ladainhas. Suas vigílias são de suas próprias mortes, de suas próprias ausências, de seus sofrimentos. Ora, se são completamente diferentes durante o dia, então por que não se imaginar as insanas transformações?
De repente os telhados silenciam. O breu da noite já se foi, a madrugada já chama o primeiro clarão do dia. Apenas um ou outro gemido de gato. E pelas esquinas vão novamente sumindo. Dali até o anoitecer apenas os gatos caseiros. Até que novamente transbordem seus instintos felinos.
Escritor
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