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segunda-feira, 24 de julho de 2017

A PRISÃO DE LUCAS



Por Adilson Simas
O nosso blog não tem certeza que esta foto é do cangaceiro Lucas da Feira

O jornalista e historiador Helder Alencar brindou os leitores de sua coluna ‘Pois é’, publicada em dezembro de 1976, no jornal Feira Hoje, com o tema “A prisão de Lucas”. Vale a pena recordar:

- Alguma coisa estava por acontecer naquele janeiro de 1848. O movimento era um pouco maior no pacato e sem vida Arraial de Santana da Feira. Há dias que as conversas das portas das casas comerciais deixaram de reportar-se à vida alheia (coisa tão comum até hoje), para referir-se integralmente ao escravo Lucas, assunto que, aliás, desde que por aqui passaram a ser contadas as estórias do bravo negro.

A época era de trevas. A escravidão imperava. As leis beneficiárias dos escravos ainda viviam em sonho na mente clarividente de alguns abnegados. Os negros eram vítimas, então, da vingança e do ódio.

Filhos de escravos, escravo seria, também, Lucas, quando veio ao mundo no Saco do Limão, nascido de Inácio e Maria. Seus pais, escravos do Padre Franco, dele seria Lucas escravo até o dia em que resolveu se libertar. Sair pelo mundo. Lutando por uma raça. Ajudando seus irmãos de raça. Protegendo os pobres. Amparando os miseráveis.

A caçada era intensa naqueles dias de janeiro. Policiais e figuras outras da cidade, guiados por Cazumbá, companheiro e compadre, mais tarde seu traidor, buscavam Lucas nas matas de Santana da Feira.

Atiravam por todos os lados e em todas as direções. Lucas resistia bravamente escondido no fundo da fazenda Tapera, junto ao Poço da Gurunga. Enfrentava centenas. Era a luta de um contra todos.

Uma bala quebra seu braço, minando-lhe as forças. Lucas, porém, prossegue na sua fuga desesperada. Embrenha-se nas matas. Corre, luta, resiste. Tenta sobreviver. É a luta solitária. Traído pelo melhor amigo.

Roubara, é bem verdade. Roubara muito. Mas nunca para si. Famílias inteiras, pobres e desemparadas, foram sustentadas por ele. Facínora para uns, herói para outros, Lucas vivia seus derradeiros momentos.

A prisão estava eminente. Lucas já não tinha forças. Sangrava. Estava ferido. Braço quebrado. Escoriações generalizadas.

A noite chegava. Os policiais, comandados por Cazumbá e Benedito (outro amigo de Lucas) prosseguiam a busca. Continuou madrugada a dentro, até as primeiras horas da manhã de 25 de janeiro. Lucas é finalmente  preso e conduzido ao centro da cidade.

Bailes foram organizados. Os sinos das igrejas repicaram festivamente. Fogos de artifícios cruzavam os céus. Passeatas saíram às ruas. Eram os escravocratas comemorando a prisão de um grande negro.

Do outro lado, entretanto, lágrimas eram derramadas. Choravam copiosamente os que tinham sido protegidos por Lucas. E quanta gente ele protegeu.

Cazumbá que com um tiro quebrou-lhe um braço, alcançara o perdão e ainda recebeu dinheiro e presentes. Lucas seguia para a prisão, depois de ouvido e submetido a exames médicos. O laudo, pouco revelado, mostraria todos os ferimentos, todos os tiros, todas as escoriações de que fora vítima Lucas.

Um ano e meio depois, com o braço amputado, é julgado e condenado a forca.

25 de setembro de 1849; o patíbulo armado no fim da hoje avenida Senhor dos Passos, espera Lucas. Ele vai cumprir a última etapa de sua vida, vida em defesa dos negros e dos escravos, dos desprotegidos e dos desamparados. Fala ao povo. Pede perdão. Mas diz também que roubou para ajudar os pobres.

Enforcava-se Lucas. Uma nuvem de gafanhotos caia sobre a Feira de Santana, sobre esta Feira de tantas coisas. (Adilson Simas).


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