*Rangel Alves da Costa
A situação economicamente caótica em que vive o Brasil acaba fazendo surgir verdadeiras mirabolâncias no intuito da sobrevivência. O crescimento da pobreza, a miséria que se alastra por todo lugar, o desemprego, a falta de qualquer oportunidade de ganha-pão, são aspectos negativos que transformam pessoas em verdadeiros artistas da sobrevivência. Daí se ter pelas ruas, esquinas, semáforos e calçadas, a contínua exposição da arte da pobreza e da necessidade.
Não é fácil ser artista sem o dom ou a propensão à criatividade espontânea. Nada fácil ser artista do próprio estômago, do bolso vazio, da mesa nua e da fatura atrasada. Mas, como diz o ditado, na hora da precisão, da necessidade, da carência mais veemente, a pessoa se vira como pode. Então se torna artista daquilo que nunca fez ou jamais pensou em fazer. Um artista que surge sem pincel ou tela, sem caderno e lápis, sem molde ou cinzel, sem qualquer transformação do nada em beleza.
A arte das ruas já não está mais no esmero arquitetônico do luxo, na parede grafitada, na escultura das praças, nos monumentos, nos modernos equipamentos urbanos ou nas fachadas das lojas grã-finas. A arte das ruas agora está na estátua humana, no ilusionista da calçada, na novidade repentinamente surgida e que vai aglomerando pessoas incrédulas no que acabam vendo. Palhaços sem circo, trapezistas sem palco, mambembes sem picadeiro. Ou apenas a postura de um envelhecido senhor carregando uma placa dizendo que compra ouro.
A capital sergipana nunca teve tantos artistas assim. Agora eles estão por todos os lugares. As calçadas, logradouros, marquises, meio de rua, tudo está tomado de arte, da arte da pobreza e da necessidade. Flores de plástico, arames transformados em brinquedos, carrinhos de madeira, cuscuz de coco, laços de fita enfeitados, diademas floridos, bombons e doces caseiros de todos os tipos, tortas e salgados igualmente caseiros, enfeites e objetos do lar feitos à mão, uma infinidade de produtos dessa arte crescente das ruas.
O comércio ambulante deixou de ter o cafezinho, o chá, o suco e o pão de queijo ou sanduíche, para ofertar o inesperado. Passa o carro de frutas, de amendoim, de legumes e verduras, de milho verde e canjica, de meias e cuecas, de cds e filmes, de pipoca e algodão doce, de bebidas e refrigerantes, mas também os produtos e objetos até mesmo desconhecidos à maioria da população. É uma reinvenção ambulante na tentativa de atrair clientes e garantir a sobrevivência. E os ambulantes não recriam seus comércios para auxiliar outros ganhos, mas como única forma de sustentar a si mesmos e até a família inteira.
Pelo centro comercial, principalmente na região central do principal calçadão, a cada dia vai surgindo uma nova forma de arte da pobreza e da necessidade. A pessoa pode tirar um retrato ao lado de uma monstruosidade qualquer, de uma pessoa vestida em fantasma aterrorizante. Logo abaixo está a caixinha para o vintém, para o trocado tão útil e necessário. A pessoa pode admirar estátuas humanas, e tão perfeitas que mais parecem de cobre reluzente. Logo abaixo a caixinha da moeda ávida por uma compra qualquer. A pessoa pode se encantar com a mágica do dia, com a cobra que dança, com o objeto que some, com o cãozinho de máxima ou obediência ou com o transformista que vai se enrolando em si mesmo. E logo ao lado a caixinha para a moeda ser lançada como uma esmola.
Verdade que aumentou o número de vendedoras de acarajé, de bolsas e relógios pelas esquinas, de óculos e chapéus, de sandálias e bolsas. Há um comércio paralelo tão forte que passa a assustar os comerciantes estabelecidos em lojas. Mas nem o preço se diferencia muito como antigamente. O que diferencia do grande ou pequeno comércio é a possibilidade da pechincha e a aquisição de objetos por preços muito mais justos. Mas até no comércio de meio de rua há uma invencionice para atrair e cativar os passantes. Os ambulantes se reinventam de tal forma nos seus jeitos de vender que mais parece estar diante de um artista da voz, do humor, da alegria. Tudo uma questão de necessidade.
Ora, mas que tristeza avistar aqueles senhores, muitos já envelhecidos, em pé nos calçadões e carregando à frente e nas costas aqueles anúncios de “compro ouro”. Quanto estes idosos ganham por dia? Uma insignificância, mas com a ilusão da soma à mísera aposentadoria. Também são artistas do silêncio, da simulação da dor e do sofrimento, do fingimento de que estão ali por vontade e satisfação. E mais adiante a jovem grita “olha o chip, olha o chip”, enquanto outra vai puxando pelo braço qualquer um para dizer que pode fazer seu cartão de crédito na hora ou que dinheiro não é mais problema, pois logo adiante há empréstimo a juros baixos.
É preciso ser artista para sobreviver. Será a resposta dada por qualquer um que a cada dia se esforça como pode para garantir seu tostão. Seja como estátua humana ou como tagarela gritante, o objetivo da arte é a própria vida.
Escritor
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