Por Reinaldo Lopes
Ninguém sabe
detalhes da vida do último e mais importante líder do Quilombo dos Palmares
O nome dele
era Zumbi, mas talvez o certo fosse Zambi. Ele pode ter nascido na África e ter
sido trazido para cá à força, mas há quem diga que ele era brasileiro e livre.
Nem temos certeza de que ele era filho de africanos – se ele nasceu no Brasil,
é possível que seu pai fosse africano e sua mãe, índia. Sua morte também é
envolta em mistério. Só não existem dúvidas a respeito de uma coisa: até seus
adversários o definiam como um homem forte, orgulhoso, inconformado com sua
condição social, que resolveu enfrentar seus algozes e libertar seu povo. E ele
foi longe nesse objetivo. O Quilombo dos Palmares deu trabalho ao governo de
Portugal.
O quilombo foi
construído na serra da Barriga, uma área que hoje faz parte do estado de
Alagoas. O terreno era uma espécie de fortaleza natural: tinha barrancos que
dificultavam o acesso e palmeiras fazendo uma espécie de muralha. Palmares
surgiu por volta de 1580, quando escravos que fugiam de Pernambuco e da Bahia
construíram uma pequena vila fortificada, onde eles podiam ser livres e estavam
protegidos dos soldados que capturavam e matavam os fugitivos dos engenhos de
cana-de-açúcar do litoral. No auge da ocupação, em 1670, o quilombo teria
chegado a 30 mil moradores – talvez esse número seja um exagero. Mesmo depois
da morte de Ganga-Zumba e de Zumbi, seus dois maiores líderes, os escravos
ainda resistiram até o ano de 1710.
Se os
criadores do quilombo realmente vieram de um engenho, a grande maioria deveria
ser homem, pois as fazendas abrigavam poucas mulheres. Talvez por isso, já nos
primeiros anos de organização, o aglomerado de fugitivos virou uma pedra no
sapato dos portugueses. Volta e meia, os habitantes de Palmares invadiam
engenhos para libertar escravos, roubar comida e armas e, principalmente,
raptar mulheres. Em 1602, o governador-geral do Brasil, Diogo Botelho, mandou
uma expedição contra eles. Foi a primeira das mais de 40 missões de ataque. Era
difícil vencer os escravos porque, quando as tropas chegavam, eles abandonavam
a cidade e se escondiam no mato.
Quando os
holandeses invadiram o Nordeste, os engenhos de açúcar perderam o controle
sobre seus escravos e as fugas aumentaram. Palmares recebeu milhares de novos
moradores e, em 1654, quando os holandeses foram expulsos, a vila tinha virado
uma potência formada por vários aglomerados populacionais, que vendiam e
compravam produtos das cidades vizinhas. Nessa fase, pode ser que até brancos
tenham vivido dentro do quilombo. E com certeza havia índios morando lá dentro
ou por perto. Escavações arqueológicas têm encontrado cerâmica indígena,
provavelmente da mesma época de Zumbi.
Crescimento
Essa
confederação de povoados escolheu como chefe um guerreiro conhecido como
Ganga-Zumba, que morava em Macaco, a principal vila do refúgio. Não se sabe se
“Ganga-Zumba” seria nome próprio ou um título dado ao líder. “A palavra ganga
significava ‘poder’ ou ‘sacerdote’ em várias sociedades da África central”, diz
o historiador Flávio Gomes, professor do Departamento de História da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para a maioria dos especialistas, foi
nessa época de relativa calmaria que Zumbi teria crescido em Palmares. Um dos
motivos para sustentar que o líder nasceu ali mesmo e não chegou depois,
fugindo da escravidão, é o fato de que ele seria sobrinho de Ganga-Zumba. Mas o
parentesco também não é garantido, já que a palavra “sobrinho” podia ter um
sentido simbólico.
Não há relatos
confiáveis sobre a juventude de Zumbi. É em um relatório do comando militar da
capitania de Pernambuco, escrito por volta de 1670, que seu nome aparece citado
pela primeira vez. Ele seria o homem de confiança do chefe Ganga-Zumba, uma
espécie de general dos exércitos de Palmares. Outros documentos da mesma época
destacam a capacidade militar de Zumbi. Um deles diz que, ao enfrentar uma
expedição liderada por Manuel Lopes Galvão, Zumbi levou um tiro na perna que o
teria deixado manco, mas ele continuou lutando mesmo assim.
Missões de
ataque
Por volta de
1670, matar Ganga-Zumba e Zumbi virou questão de honra para o governo
português. Mas, em 1678, a raiva já tinha passado um pouco. Cansado das
derrotas seguidas, o governador-geral propôs um acordo de paz. Ganga-Zumba
aceitou, e deixou Palmares com algumas centenas de seguidores. Ele morreu pouco
tempo depois, e há quem diga que foi Zumbi que mandou envenená-lo por ter
abandonado seu povo. O novo líder do quilombo não quis saber de trégua. Em
1690, o governo enviou o bandeirante Domingos Jorge Velho para atacar a região.
Apanhou na primeira tentativa, mas voltou em 1692, com 9 mil homens e alguns
canhões. Depois de semanas de luta, os bandeirantes invadiram a capital de
Palmares. Zumbi fugiu. Ele só viveria mais um ano, até ser traído e morto por
um companheiro, Antônio Soares. Os bandeirantes deram ao corpo de Zumbi o
destino de várias outras pessoas que na época eram consideradas traidoras da
pátria. Seus olhos foram arrancados, sua mão direita foi cortada e seu pênis
foi decepado e enfiado em sua própria boca. Já a cabeça foi salgada e levada
para Recife, onde apodreceu em praça pública.
A lenda do suicídio
coletivo
Logo depois de
se aproximar de Zumbi e cumprimentá-lo, o traidor Antônio Soares o matou com
uma punhalada. É assim que os historiadores acreditam que o líder dos Palmares
foi assassinado. Mas, antigamente, existia uma outra explicação, bem mais
dramática. “Até o início dos anos 60, os historiadores diziam que Zumbi e seus
seguidores tinham cometido suicídio ao se atirar dos penhascos da serra da
Barriga”, diz o historiador Flávio Gomes. Não é verdade, mas essa lenda pode
ter surgido por causa de uma das últimas batalhas da guerra de resistência. O
bandeirante Jorge Velho construiu uma muralha de apoio, em diagonal, para levar
seus canhões para perto do quilombo. A única forma de atacá-la era subir por um
barranco. Alguns quilombolas tentaram usar essa estratégia para fazer um
ataque-surpresa contra o bandeirante. Quem era baleado rolava pelo barranco, o
que pode ter dado a falsa impressão de suicídio.
Saiba mais
• A Hidra e os
Pântanos, Flávio Gomes, Unesp, 2005. Compara os quilombos do Brasil com outros
grupos de rebeldes em outros países do continente
• Palmares,
Ontem e Hoje, Pedro Paulo Funari e Aline V. de Carvalho, Jorge Zahar, 2005.
Ótima introdução à história do quilombo. O professor Funari trabalhou nas
primeiras escavações feitas no local
http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/zumbi-esse-desconhecido-435264.shtml
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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