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domingo, 18 de outubro de 2015

MARIA DA DÉA OU MARIA BONITA OU MARIA DE LAMPIÃO


“Acorda, Maria Bonita / levanta,  vai fazer o café / que o dia já vem raiando / e a polícia já está de pé / se eu soubesse que chorando / empato a tua viagem / meus olhos eram dois rios / que não te davam passagem /  cabelos pretos anelados / olhos castanhos delicados / quem não ama a cor morena / morre cego e não vê nada /“.

Galopava no lombo do tempo o ano da graça de 1930, tendo como  cenário o vetusto  sertão do nordeste brasileiro , região onde a miséria coabita  com a abundância, um  lugar de  pouca  chuva,  com  uma fauna e flora que  buscam heroicamente a sobrevivência   neste adusto chão prenhe de cabras valentes e destemidos do tipo,    Virgolino Ferreira da Silva (1897–1938) nascido em Serra Talhada (antiga Vila Velha) no interior de Pernambuco no dia 07 de julho, apelidado de  Lampião, ou, Governador do Nordeste  , o  maior ícone do cangaço.

Na Fazenda  Malhada do Caiçara , próximo a Santa Brígida na Bahia ,no dia 08 de março de 1911, nasceu  Maria Gomes de Oliveira, filha de José Gomes de Oliveira e de Maria Joaquina Conceição Oliveira (Maria Déa).  Aos 15 anos de idade, Maria Gomes, conhecida também como Maria de Déa foi dada em casamento a um simplório sapateiro de nome José Miguel da Silva (Zé de Neném). Ela era uma morena rechonchuda, estatura média, olhos claros e pernas bem torneadas. O casamento de Zé do Neném com Maria de Déa mostrou-se desde sempre tempestuoso e ainda mais, infértil. Em meio aos arranca – rabos do casal, Maria de Déa buscava o ninho materno como um refúgio para aplacar as dores de amores. Numa destas ocasiões, Maria cruzou o olhar com Lampião, tirando aquela mágica faísca que iria evoluir para um amor roxo.

Certa feita fora deixado por Virgolino uma dúzia de lenços para serem bordados   pelas sedosas mãos de Déa. Tempos depois Lampião resgatou suas prendas na garupa do seu cavalo:  os ditos lenços junto com a dama bordadeira. Era o ponta – pé inicial duma aventura marcada com sangue e barbárie, que perdurou por oito anos e que findou de maneira trágica e cruel. Maria da Déa, agora Maria do Capitão Virgolino foi a primeira mulher a ser permitida junto a um bando de cangaceiros. Logo a seguir, Mariquinha, irmã de Zé de Neném, sua cunhada, portanto, arrumou as tralhas e seguiu na companhia do cangaceiro Ângelo Roque, conhecido como Labaredas, chefe de um dos sub- grupos dos cangaceiros de Lampião. Ao longo do tempo outras mulheres passaram a integrar o bando, por vontade própria fugindo da opressão familiar ou sob forte coação em decorrência de um simples rapto. Normalmente as mulheres cangaceiras não participavam dos duros embates e não portavam armas de grosso calibre. Adestravam–se, contudo, no manuseio de armas brancas para os combates de corpo a corpo. Elas usavam caros vestidos de seda, carregavam vistosas joias e muito ouro.  Dá – se como certo que Lampião e outros facínoras do grupo confeccionavam com brilho as indumentárias incluindo os chapéus e os embornais. Tudo muito esquisito num mundo grotesco de bestas – feras humanas a praticarem um ofício relegado quase sempre às mulheres.

Uma gravidez naquelas circunstâncias gerava enormes problemas a serem contornados naquele ambiente inóspito. O próprio Lampião praticava o ofício de parteiro em certas ocasiões.  Logo que nasciam, as pobres crianças seguiam de imediato   para adoção, e entregues a padres, fazendeiros, vaqueiros ou juízes.

Expedita Ferreira, filha de Lampião e Maria de Déa, veio ao mundo nas mãos de uma parteira de nome Rosinha no dia 13 de dezembro de 1932 sendo de imediato entregue a um casal de vaqueiros da região. Ela teve contato com os pais verdadeiros em apenas poucas ocasiões em encontros fortuitos.  Aquela vida nômade, animalesca, de constante perigo fugindo das volantes implacáveis não combinava com a inocente e frágil presença de crianças.

Na madrugada do dia 28 de julho de 1938, uma quinta – feira numa fazenda conhecida como Angico, no Município de Porto da Folha, em Sergipe, o grupo de Lampião foi atacado de surpresa por uma volante sob o comando do Tenente João Bezerra da Silva, com o auxílio do Sargento Aniceto e do Aspirante Ferreira, composta ao todo de quarenta e oito homens fortemente armados, inclusive com metralhadoras. O grupo de Lampião era naquela ocasião composto de trinta cangaceiros e cinco mulheres:  Maria de Déa, Maria de Juriti, Eneida de Cajazeira, Dulce de Criança e Sila de Zé Sereno. O tiroteio desigual durou cerca de quinze minutos.   Morreram na ocasião duas mulheres: Maria de Déa, degolada enquanto viva e Enedina com um tiro na cabeça. Foram chacinados nove  cangaceiros, incluindo, Lampião, Luiz Pedro, Mergulhão, Quinta – feira  e Elétrico .

Do lado da volante houve a perda de apenas um soldado, Adrião Pedro de Souza. O Tenente João Bezerra foi ferido levemente na coxa e na mão. Todos os cangaceiros mortos foram decapitados e levados como troféus em triunfal cortejo.  As cabeças de Lampião e Maria de Déa foram transferidas para o Instituto Nina Rodrigues em Salvador, onde permaneceram até 1969, quando enfim foram sepultadas no Cemitério das Quintas na Bahia.

Com o aniquilamento do grupo de Lampião findou o ciclo do cangaço no nordeste brasileiro.

Em pleno século XXI assistimos petrificados, fanáticos ligados as Estado Islâmico (E.I.) martirizando inocentes cristãos através da decapitação, fomentando o medo e a barbárie. Nada mais atual do que Plauto (254 – 184 a. C) ao afirmar que “o homem é lobo, e não homem, para outro homem “, bem diferente de outros animais que não provocam mal aos da mesma espécie.

O nome de Maria Bonita foi dado pela imprensa da época para Maria de Déa, Maria do Capitão ou Maria de Lampião. Nas feiras das cidades do interior, no reino dos cordéis e no imaginário popular, Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, continua sua saga de valente, vingador, protetor dos pobres e Governador do Sertão. Quem sabe um dia ele retorne para pôr ordem nesta sofrida região esquecida eternamente dos poderes públicos e aí sim, o sertão vai virar um mar de abundância.

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