Por Clarice
Sá , iG São Paulo
Vera Ferreira neta de Lampião
Para
estudiosos, termo é impreciso para classificar quadrilhas que cercam cidades
pequenas e explodem caixas eletrônicos.
O uso da
expressão "novo
cangaço" para denominar uma modalidade de assalto caracterizada
pela invasão a pequenas cidades, ataques a bases da polícia e explosão de
caixas eletrônicos revela "ignorância e despreparo", na avaliação
da Vera Ferreira, neta de Lampião e Maria Bonita, jornalista, e diretora
financeira da Sociedade do Cangaço, entidade dedicada à preservação e difusão
da história do cangaço.
Kleidir
Costa/Divulgação/Governo da BA
Vera Ferreira,
neta de Lampião
Os cangaceiros
eram bandos de criminosos que invadiam pequenos povoados do sertão nordestino
entre o fim do século 19 e meados do século 20, motivados por vingança pessoal.
O mais famoso bando era liderado por Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião,
avô de Vera. Considerado o “Rei do Cangaço”, ele perdeu o pai brutalmente
assassinado pela polícia.
Para Vera, o
uso do termo revela "ignorância e falta de conhecimento da história"
por parte das forças policiais. "Primeiro que eles não agiam em cidades,
mas em micropovoados". Os cangaceiros eram vistos como justiceiros por
atacar autoridades e coronéis locais, vistos como intocáveis pelos moradores.
Cometiam atos de extrema crueldade. "O sertanejo apoiava a ação dos
cangaceiros porque sabia que eles não eram prejudicados, mas os grandes, os
coronéis, as autoridades", conta Vera.
Na invasão
atual a cidades pequenas, no entanto, moradores são usados como reféns. Em
Itamonte (MG), atacada no último sábado (22), um professor sequestrado
pelos criminosos compõe a lista de dez mortos durante a perseguição policial,
segundo familiares da vítima.
Armas
apreendidas durante perseguição à quadrilha que atacou Itamonte. Foto:
Divulgação/Polícia Civil de SP
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Os bandos
eventualmente beneficiavam a população mais humildes das localidades invadidas
distribuindo alimentos e outros materiais de armazéns saqueados. Uma série de
líderes destes bandos converteram-se em mitos locais. Por vezes, agiam como
justiceiros, mas também chegaram se associar a coronéis, prestando serviços. Há
casos, conta Vera, em que as próprias forças policiais vestiam-se de cangaceiros
para cometer crimes em série.
As invasões
atuais a pequenos municípios não se concentram apenas no Nordeste e as
quadrilhas nem sempre são formadas por integrantes de um mesmo Estado ou
região. No caso dos cangaceiros, a violência estava ligada ao contexto das
duras condições de vida no semi-árido nordestino e à sujeição da população aos
coronéis e autoridades locais. Vera aponta ainda que a motivação dos grupos é
outro ponto de divergência, já que os cangaceiros eram movidos por vingança
pessoal.
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Outros
estudiosos também contestam o uso da expressão "novo cangaço" para
classificar este tipo de ação. Trata-se de uma categoria policial e não uma
classificação sociológica, diz o sociólogo José Luiz de Amorin Ratton Junior,
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Segundo ele, ainda faltam evidências sobre a ocorrência
desta modalidade de crime pelo País.
A
classificação "deturpa a real situação do assalto", diz o professor
César Barreira, do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal
do Ceará (LEV-UFC) . Ele afirma que, ao contrário do cangaço, as ações de hoje
são especializadas e exigem planejamento das quadrilhas. A ação policial também
se sofisticou em relação à precariedade observada no combate aos cangaceiros.
Barreira aponta três pontos de convergência entre as ações antigas e as atuais:
a ocorrência em cidades pequenas, com efetivo policial reduzido, o cerco às
cidades atacadas e a tocaia.
As ações do
cangaço chegaram ao auge nos anos 1920, e entraram em declínio no início da
década de 1940. Lampião morreu decapitado em uma emboscada em julho de
1938, em Sergipe.
Para Vera, o
que aproxima a ação dos bandidos de hoje dos antigos é a falta de autoridade e
de aplicação rigorosa das leis sem privilégio a qualquer cidadão. "Faltava
autoridade, como vemos até hoje. Não tinha Justiça, como não temos até hoje.
Foi o que levou os garotos que entravam no cangaço a pegar em armas, por
vingança."
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