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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

CABELEIREIRO RECONTA A HISTÓRIA DE LAMPIÃO

Por Antonio Corrêa Sobrinho

Trago a matéria abaixo, publicada no dia 20 de abril de 1997, pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, sobretudo para mostrar aos amigos como, em boa parte, se constroem muitas das histórias que conhecemos, como, por exemplo, a do cangaço: ‘por ouvir dizer’. E, por oportuno, refletirmos o quanto, no que diz respeito à revelação do passado, versões terminam por se constituírem nos acontecimentos que não presenciamos. Imaginem se a versão abaixo fosse a única do que ocorrera no dia 28 de julho de 1938, em Angicos. Esta seria, sem dúvida, a história oficial, a de que Lampião e Maria Bonita não morreram em Angicos.

Quanto à matéria em si, e, preliminarmente, dizendo o quanto eu procuro compreender, respeitar e questionar toda e qualquer informação a qual eu tenho acesso, observo que o citado cangaceiro Moita Brava, dito como o autor desta versão, de nome Manuel Franco da Rocha, não aparece como tal, pelo menos nos dicionários de ‘nomes de cangaceiros’, o de Bismarck Martins de Oliveira e o de Renato Luís Bandeiras, que nos apresentam dois alcunhados de Moita Brava, os de nomes Diolino Ferreira e Antonio da Silva. 

Outrossim, que o cangaceiro Paturi, mencionado nesta versão como o único, junto com Moita Brava, a saber da trama urdida por Lampião e Maria Bonita, além de incumbido de fugir com estes para fora da região, Bismarck o tem como o cangaceiro que sempre defendeu a tese de que Lampião e Maria Bonita foram mortos envenenados, porém em 38, o que contraria substancialmente o que a este Paturi é atribuído nesta versão.

CABELEIREIRO RECONTA A HISTÓRIA DE LAMPIÃO. CASADO COM A NETA DE UM DOS BANDOLEIROS DO GRUPO, LEITE DIZ QUE O REI DO CANGAÇO VIROU FAZENDEIRO
Por Tarcísio Alves

Uma dupla de “clones” morreu no lugar de Lampião e Maria Bonita, rei e rainha do cangaço, na ação policial realizada no dia 28 de julho de 1938, em Sergipe. Manuel Franco da Rocha, conhecido como “Moita Brava” entre os bandoleiros do capitão Virgulino Ferreira da Silva, sustentou essa versão até morrer, em 1983, aos 114 anos, em São Paulo.

A história é repetida pelo cabeleireiro e comerciante José Bonifácio Leite, dono de um salão de cabeleireiros e também de um bar e restaurante na avenida Professor Francisco Morato, na Vila Sônia, na zona sul.

Leite, de 42 anos, é casado há 18 com Maria Nilda Rodrigues, neta de Moita Brava, e afirma que a rápida convivência com o ex-cangaceiro foi suficiente para que este lhe narrasse muitas de suas aventuras no sertão nordestino, entre os anos 20 e 40.

CERCO – Um dos casos mais recorrentes no repertório de seu Manuel, como era chamado pelos familiares, conflita com a versão oficial da história – Lampião sobreviveu ao cerco policial na Grota do Angico, um vale localizado em Poço Redondo, Sergipe, próximo do rio São Francisco.

Mais: para escapar da enrascada, que, de acordo com a história, causou a morte da dupla real do cangaço e de outros nove bandoleiros, Virgulino Ferreira da Silva traiu Corisco, um de seus homens de confiança. Ele comandava parte do bando do capitão, que se dividira justamente para confundir os “macacos’, policiais que perseguiam cangaceiros.

A traição a que se refere o cabeleireiro envolve o episódio de morte do rei do cangaço. Ancorado na versão de Moita Brava, ele diz que Lampião fez correr na região a notícia da reunião de seu bando na grota do Angico, no dia 28 de julho, que teria ocorrido pela manhã.

Na investida comandada pelo tenente João Bezerra, os cangaceiros mortos foram decapitados e tiveram suas cabeças exibidas pelo Nordeste. Na madrugada anterior, porém, os verdadeiros Lampião e Maria Bonita teriam tomado uma balsa rumo a Penedo, em Alagoas. Dias depois, eles fariam o caminho inverso, desembarcando na região do rio Araguaia, na região Centro-Oeste.

Um casal de sósias de Lampião e Maria Bonita teria sido escoltado para a grota do Angico pelo próprio Moita Brava, na noite de 27 de julho. Os personagens reais da ação aguardavam no local para serem substituídos tão logo os homens do bando dormissem.

ESCOLTA – De acordo com Leite, seu Manuel era “homem de confiança do capitão Virgulino”. Assim, ele fora incumbido pelo chefe não só para escoltar os “clones” para o vale, como também para acompanhar o rei do cangaço e a sua mulher na fuga.

Somente Moita Brava e Paturi, cangaceiro que estava de sentinela naquela noite, teriam conhecimento do plano, segundo o comerciante. Seu Manuel foi afastado do bando de Lampião em 1931, e passou a atuar como jagunço de coronéis, além de fazer serviços estratégicos para o ex-chefe, comenta.

A história aponta ainda que Lampião e Maria Bonita estabeleceram-se no interior de Minas, como fazendeiros. Os dois teriam assumido diversos nomes e mudado constantemente de endereço para não serem reconhecidos.

HISTÓRIA – “No Brasil, não se costuma dar valor à cultura, e o cangaço faz parte disso”, diz o cabeleireiro, empenhado em difundir a versão sobre a morte de Lampião e Maria Bonita. “É uma parte da história que poucos conhecem.”

Segundo Leite, Moita Brava não teria revelado, em vida, a suposta fuga de Lampião por temer um “resgate” do espírito do cangaço em plena São Paulo de hoje. “Se os cangaceiros ou parentes deles descobrissem que Lampião traiu seu bando, eles provavelmente perseguiriam seu Manuel para se vingar, acredita.

No último contato com o ex-chefe, na década de 40, seu Manuel teria recebido dele uma gratificação, em reconhecimento aos serviços prestados durante anos. Teve, então, a ideia de trocar a vida de aventureiro no sertão pelo anonimato em São Paulo.

Imagem de José Bonifácio Leite,
com chapéu e punhal de Moita Brava.

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