Por Antonio Corrêa Sobrinho
Um tempo que
já vai longe, mais de um século, nas adustas terras nordestinas, sertão
pernambucano, do Cariri, do rio Pajeú, região onde o sol castiga sem dó, dizima
a terra e desanima a alma; terra que água é coisa escassa, nem em sonho ela é
farta, enfraquece o corpo e mata a vida. Sertão, o daquele tempo remoto, onde a
violência, quase que naturalizada, quase que culturalmente aceita, imperava de
modo sistêmico. Sertão dos esquecidos, dos excluídos, dos da margem da
sociedade. Sertão de extremos, de homens extremos. Pois, neste tempo e lugar
acima referidos, de uma das muitas Marias e de um dos muitos Josés, nasceu na
hoje Serra Talhada, Virgulino Ferreira da Silva, o sertanejo que virou
cangaceiro, que ganhou o vulgo de “Lampião”, que chefiou pistoleiros, muitos,
conterrâneos seus, seus irmãos, cuja contumaz, feroz e excessiva prática
criminosa, concomitante à sua luta renhida e sem trégua contra os seus
perseguidores, mormente o Estado, terminou por levá-lo à cadeira de rei, de
“rei do cangaço”.
Igualmente a milhões de outros filhos do sertão, descontando os problemas e as carências naturais das famílias pobres da zona sertaneja, Lampião foi batizado, registrado, teve um lar, infância, escola, bons costumes e princípios morais, religião, porém, Deus é quem sabe e é quem determina, seguindo Lampião a uma já quase tradição do lugar, do seu meio, tornou-se um cangaceiro, um chefe de bandoleiros, um famanaz pistoleiro.
Lampião que, após quase duas décadas fugindo das garras da Lei e da Justiça, remanescendo em meio a lutas, ataques e fugas, escondendo-se, protegidos por coiteiros, livrando-se, mais das vezes, por sorte ou competência, aqui e ali heroicamente, diga-se, de intrépidos, determinados e ferozes inimigos, homens corajosos, de fibra, civis e militares, entretanto, sem jamais abdicar da prática do que ele sabia magistralmente fazer, que era saquear, destruir, matar, ou seja, desrespeitar e violentar, sobretudo seus desafetos, inveterado cometedor de crimes que foi este homem Lampião, contra a vida e contra a propriedade. Consequentemente, um dia veio a sucumbir, ainda na plenitude da idade, perdido em si mesmo, pelas armas da polícia alagoana. Virou mito, lenda viva que já era, analisado e reinterpretado a todo momento, reinventado a cada geração. Enfim, tornou-se este cangaceiro um dos personagens mais conhecidos da história.
A indagação que eu faço aos amigos, porque este é motivo que me traz aqui: Por que outros cangaceiros, extraordinários delinquentes, perigosos foras da lei, criminosos de escol, cujas vidas na marginalidade em muito se assemelharam à de Lampião, não alcançaram a notoriedade deste?
Alguns poderão afirmar que a fama de Lampião se deve ao fato de ele ter sido o cangaceiro que, pessoalmente, mais matou, mesmo sem levar em conta as pessoas que ele alvejou mortalmente em combates. Ou, por ter sido ele o mais valente, intrépido e destemido dos cangaceiros. Ou o mais inteligente, sagaz, prudente, perspicaz e estrategista. Dizerem que Lampião exerceu a difícil tarefa de chefiar, durante toda a sua vida guerreira, verdadeiras feras humanas, seres de maus instintos, máquinas de matar, e que isto não é para qualquer um. Enfim, que foi o maioral dos maiorais, o maior bandido das Américas, quiçá do Mundo.
Ainda assim desconfio que todos estes predicados, alguns até controversos, e o vasto currículo de malfazeres, não seriam suficientes para tornar Lampião este ente perenemente afamado, falado e comentado depois de tantos anos de sua passagem; não faria, o conjunto de suas tantas delinquências, a contemporaneidade tê-lo ainda hoje tão presente, parte constitutiva do nosso imaginário.
Ora, houveram outros bandidos, facínoras, foras da lei, e não foram poucos, que praticaram, nestes séculos desde o período colonial, para ficarmos apenas com os filhos desta pátria sofrida, crimes e perversidades tanto quanto ou mais que Lampião, no entanto, embora, de alguns, saibamos da sua existência e dos feitos maléficos que tomamos conhecimento, eles não conseguiram concorrer com Lampião no quesito fama.
O que explica, então?
Penso que uma associação de fatores levou Lampião a tornar-se mundialmente conhecido, e jamais esquecido. Ei-los:
Ao contrário da época de bandidos como Lucas da Feira, Jesuíno Brilhante, Calandro, Cabeleira, Senhor Pereira, Antonio Silvino, nos idos de Lampião os meios de comunicação visibilizaram mais os acontecimentos ocorridos no sertão nordestino, especialmente os que se referiam ao banditismo expresso no cangaço.
O marketing que Lampião fez de si mesmo e de seus malfeitos, consubstanciado nas muitas fotografias que tirou ao longo de sua vida bandoleira, geralmente ao lado dos seus comandados, sempre em postura marcial, chegando ao clímax da sua autopromoção, exibindo-se com seu bando e ainda fazendo papel de garoto propaganda, na produção cinematográfica do libanês, amigo do Padre Cícero, Abraão Boto. Consta que Lampião era vaidoso, grandiloquente, fanfarrão, e com estes seus traços de personalidade, terminou por fazer seu próprio desenho, deixando, por outro lado, conscientemente ou não, o seu lado misterioso, que nem nos seus famosos bilhetes se fez revelado, lacuna que continua sendo matéria-prima para especulação de pesquisadores e literatos.
Subsistir por tantos anos às forças militares de sete Estados, e com a agravante de, em momento algum, deixar de praticar de crimes, e de firmar alianças com poderosos além de tecer redes com o povo, para sua proteção.
Não ter sido capturado, ao contrário de outros, que se humilharam e cumpriram pena.
A sua misteriosa morte em Angicos.
O espetacular assalto à baronesa de Água Branca/AL.
Sua visita ao Padre Cícero e a patente que recebeu de capitão do Exército, fato que repercutiu amplamente na imprensa, no Congresso Nacional e em casas legislativas estaduais.
O ataque frustrado à cidade de Mossoró/RN.
A morte coletiva de policiais de Queimadas.
A sua relação amistosa com o fazendeiro Antônio Caixeiro, pai do homem forte da era Vargas em Sergipe, o interventor Eronides de Carvalho, autor, por sinal, de uma das clássicas fotografias de Lampião (a que tem escrito na imagem a palavra 'legítimo').
O modo afrontoso, ousado e cínico de tratar as autoridades constituídas.
Suas bravatas, pilhérias, chacotas e frases de efeito.
Espalhar o medo como estratégia de conquista.
E, finalmente, aquele que reputo ser o mais significativo dos fatores responsáveis pela grande fama que ostenta Lampião: Maria Bonita.
Nenhuma história se faz imortal sem um grande romance, e Lampião e Maria Bonita, acrescidos que foram pelos pinceis da ficção e da arte, fazem parte integrante da lista dos casais mais conhecidos e indeléveis de todos os tempos.
Lampião que fez Maria. Maria que perpetuou Lampião.
Fonte: facebook
Página: Antonio Corrêa Sobrinho
Link: https://www.facebook.com/antonio.correasobrinho/posts/1234421660020041?notif_t=tagged_with_story¬if_id=1497696932489113
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário