Por: Rubens Antonio
1929
"Lampião passou pelas cercanias duas vezes... Nesse tempo, Itiúba era um arraial e quem administrava era o capitão Aristides e senhor Belarmino, posteriormente o primeiro prefeito de Itiúba, que eram os encarregados por recomendação de Queimadas, município pelo qual Itiúba dependia.
Em 1929, Lampião chegou até a Fazenda Desterro, do outro lado do Rio Jacurici... fronteira com o Município de Monte Santo, ao lado nordeste de Itiúba.
Ele se aproximou no tanque para dar água aos animais e encontrou um vaqueiro do capitão Aristides conhecido Zezinho do Licuri Torto. Aí, perguntou quem era ele e o mesmo lhe falou que era vaqueiro do capitão Aristides. Conheço bem esta história, pois eu, já maduro e pesquisando sobre o ocorrido, conversei com Zezinho...
Lampião disse que tinha uma carta para mandar por ele e redigiu-a ligeiramente para ele trazer aqui, para Itiúba, no mesmo dia, pedindo na mesma:
“Capitão Aristides. Mande-me três contos de réis de que preciso pagar meus coiteiros. Necessito desse dinheiro. Não bulo com seus animais, nem com suas fazendas. Mande hoje mesmo.”
E assinou: “Capitão Virgulino, o Lampião”
Eu era bem menino, nos meus dez anos de idade... e vi muito bem a hora que chegou o portador na casa do Capitão Aristides... Não dá para não lembrar, pois foi uma comoção geral.
Aqui era assim... Tinha soldados e contratados. Era mais ou menos, no normal, a proporção de noventa por cento de contratados...
O capitão Aristides era um homem grande, com dois metros de altura, muito disposto, um homem bom, o verdadeiro herói... Determinou a seu vaqueiro que ele não voltasse lá, que ele poderia trucidá-lo... Ele, então, convocou as autoridades e resolveu armar o povo, inclusive, os negociantes daquela época.
Diziam:
- Lampião vai passando ou tá próximo em tal lugar... Ribeirão do Pombal... Jaguarari... Cansanção...
Os soldados não eram suficientes.
Contratou mais meia dúzia de soldados e chamou mais gente valente de outros lugares... Tinha gente braba de Patamuté... de Chorrochó... Mandavam buscar homens bravos e destemidos na região de Paulo Afonso... Campo Formoso... Canudos... Eu mesmo via eles aqui na rua, pra para cima e pra baixo...
E esses cento e tantos homens armados ficaram em piquetes, nas trincheiras, e sobre aviso, esperando a invasão... Armaram-se cento e tantos soldados e contratados e foram para uma trincheira na Calçada de Pedra, e outra na saída da cidade que vai para Senhor do Bonfim e Filadélfia... Era onde atualmente está a Rua das Piabas... que era a antiga Cambecas...
A trincheira na Calçada de Pedras era assim... Usava as grandes pedras que tem lá, e ainda cavavam por trás delas, para dar mais segurança...
Os negociantes e os mais importantes, também os operários, os camponeses, os pequenos comerciantes como Elísio Ferreira, o próprio Aristides, Manoel Pinto, irmão de Belarmino, foram convocados... Os negociantes se armaram com fuzis, rifles, mosquetão... papo amarelo... e outras armas. A gente via todo mundo armado o tempo todo pela cidade.
Destaco, além de Aristides, Belarmino Pinto, também chamado seu Belau, o coronel João Antonio da Silva Neto e, como um dos valentes, Benedito Pinto, o Bino Pinto.
O pai do Joãozinho do Bel foi um dos que se armaram... Suplicio, pai do seu Virgílio, era contratado... O comércio local era quem contratava e pagava por mês... Fez assim por muitos anos... E os contratados ficavam todos os dias... sábado... domingo... na expectativa de esperar Lampião...
Lampião ficou esperando lá e ele não mandou o dinheiro. E o mesmo não veio, nem atacou a cidade... Lampião desviou a passagem dele... e foi para Queimadas..."
1931
“Depois de dois anos da primeira passagem, já em 1931, Lampião voltou a passar pelas cercanias da cidade de Itiúba... A cidade ainda permanecia em alerta desde a primeira visita... As trincheiras e os homens ainda estavam lá... Só diminuiam um pouco quando Lampião estava longe, mas, quando ele se aproximava, reforçavam tudo de novo.
Quem chegasse à cidade veria as trinheiras dos dois lados... com os homens armados.
E o Lampião chegou, precisamente, na Fazenda Campinhos...
Lá, ele entrou na casa de Edístio Celestino e viu uma mesa com uma gaveta fechada. Se aproximou e com uma faca começou a forçá–la. Então, a dona da casa disse:
– Não precisa isso, não.
E chamou o marido, o Edístio. Este foi, pegou a chave e abriu a gaveta.
Lampeão pegou então um broche de ouro, umas coisinhas mais e o dinheiro, e saiu sem fazer mal ao pessoal... E eu sei muito bem a história porque conversei com a Maria de Edístio Celestino, filha do velho, que era ainda menininha de sete anos de idade, estava no quarto e assistiu a cena toda... Nunca esqueceu...
Ele entrou na área do Município de Itiúba, pelas cercanias de Pintadas, Campinhos, Ariri, até aqui no Umbuzeiro, na Varzinha e Poço do Cachorro.
Como já tinha notícias de que na cidade havia trincheiras à sua espera, aos sábados, ele mandava cabras de seu bando à feira de Itiúba, para sondar se tinha gente armada e se a cidade estava prevenida ou não, para que ele e o seu bando pudessem entrar. Pois o medo dele era encontrar moradores, contratados e os soldados armados esperando por ele e sua corja.
Sabendo que ele tinha vindo por lá, o coronel Aristides tinha dado a instrução certa... A ordem era não dar combate quando eles chegassem... Que procurassem ficar escondidos, quietos... e deixassem eles entrar... Ou que, se fossem vistos, alguns deles entrarem em luta e perderem, deixando ele entrar... Quando Lampião estivesse dentro, o grosso dos homens iria descer e fechar aquela saída... E, aqui dentro, já estava apinhado de gente armada... Já viu, né? Ele estaria dentro de uma arapuca... Então, a ordem era deixar passar... Não atirar ou não lutar de verdade... até fechar o cerco...
Lampião encontrou um casamento no caminho. Isso na Varzinha, indo para Poço do Cachorro... Era um pessoal de Caraíba...
Parou o cortejo do casamento e perguntou:
- Vocês vêm de Itiúba?
E o pessoal respondia:
- Venho.
-Você me diga... Tem gente armada lá?
- Sim, tem muita gente armada, o pessoal do Belarmino, muita gente contratada, muita gente armada até os dentes, capitão... Os comerciantes também estão armados...
Ele olhou a topografia, as montanhas e viu que eram fechadas. Porque a ordem era a seguinte... Combater aqui, dentro no arraial.
Ele parou, conversou ali com os cabras dele, e disse, que o pessoal do casamento ouviu:
- Eu não meto a mão em cumbuca... Nós não vamos entrar não em Itiúba. Itiubinha... Dessa vez você escapa... Itiubinha...
Aqueles do seu bando que esperavam à sua volta, nas pedreiras das montanhas, espancaram uma velha, saquearam o capitão Antonio Joaquim, avô daquele Mundinho dos Carvalhal. Tomaram dinheiro deles. Mais ou menos uns três ou quatro contos de reis. Mas aqui no arraial ele não entrou. Ficou com medo dos cabras machos que aqui os esperavam...
A gente soube, depois, de algo muito interessante... sabido lá em Cariacá... Aqui, na feira, disfarçado, entrou Corisco, todo vestido direito... sondando as defesas... E entraram outros cangaceiros também, bem disfarçados...
A residência do Aristides está ali, ainda como era na época... Dizem que aqueles buracos na parte de baixo eram para os defensores dispararem... Sou da época e não lembro nada disso... Acho que era uma espécie de respiradouro somente. E eu não vejo como alguém poderia se utilizar bem daquilo ali para se defender... Não dá jeito... Não tinha altura para isso..."
"Lampião passou pelas cercanias duas vezes... Nesse tempo, Itiúba era um arraial e quem administrava era o capitão Aristides e senhor Belarmino, posteriormente o primeiro prefeito de Itiúba, que eram os encarregados por recomendação de Queimadas, município pelo qual Itiúba dependia.
Em 1929, Lampião chegou até a Fazenda Desterro, do outro lado do Rio Jacurici... fronteira com o Município de Monte Santo, ao lado nordeste de Itiúba.
Ele se aproximou no tanque para dar água aos animais e encontrou um vaqueiro do capitão Aristides conhecido Zezinho do Licuri Torto. Aí, perguntou quem era ele e o mesmo lhe falou que era vaqueiro do capitão Aristides. Conheço bem esta história, pois eu, já maduro e pesquisando sobre o ocorrido, conversei com Zezinho...
Lampião disse que tinha uma carta para mandar por ele e redigiu-a ligeiramente para ele trazer aqui, para Itiúba, no mesmo dia, pedindo na mesma:
“Capitão Aristides. Mande-me três contos de réis de que preciso pagar meus coiteiros. Necessito desse dinheiro. Não bulo com seus animais, nem com suas fazendas. Mande hoje mesmo.”
E assinou: “Capitão Virgulino, o Lampião”
Eu era bem menino, nos meus dez anos de idade... e vi muito bem a hora que chegou o portador na casa do Capitão Aristides... Não dá para não lembrar, pois foi uma comoção geral.
Aqui era assim... Tinha soldados e contratados. Era mais ou menos, no normal, a proporção de noventa por cento de contratados...
O capitão Aristides era um homem grande, com dois metros de altura, muito disposto, um homem bom, o verdadeiro herói... Determinou a seu vaqueiro que ele não voltasse lá, que ele poderia trucidá-lo... Ele, então, convocou as autoridades e resolveu armar o povo, inclusive, os negociantes daquela época.
Diziam:
- Lampião vai passando ou tá próximo em tal lugar... Ribeirão do Pombal... Jaguarari... Cansanção...
Os soldados não eram suficientes.
Contratou mais meia dúzia de soldados e chamou mais gente valente de outros lugares... Tinha gente braba de Patamuté... de Chorrochó... Mandavam buscar homens bravos e destemidos na região de Paulo Afonso... Campo Formoso... Canudos... Eu mesmo via eles aqui na rua, pra para cima e pra baixo...
E esses cento e tantos homens armados ficaram em piquetes, nas trincheiras, e sobre aviso, esperando a invasão... Armaram-se cento e tantos soldados e contratados e foram para uma trincheira na Calçada de Pedra, e outra na saída da cidade que vai para Senhor do Bonfim e Filadélfia... Era onde atualmente está a Rua das Piabas... que era a antiga Cambecas...
A trincheira na Calçada de Pedras era assim... Usava as grandes pedras que tem lá, e ainda cavavam por trás delas, para dar mais segurança...
Os negociantes e os mais importantes, também os operários, os camponeses, os pequenos comerciantes como Elísio Ferreira, o próprio Aristides, Manoel Pinto, irmão de Belarmino, foram convocados... Os negociantes se armaram com fuzis, rifles, mosquetão... papo amarelo... e outras armas. A gente via todo mundo armado o tempo todo pela cidade.
Destaco, além de Aristides, Belarmino Pinto, também chamado seu Belau, o coronel João Antonio da Silva Neto e, como um dos valentes, Benedito Pinto, o Bino Pinto.
O pai do Joãozinho do Bel foi um dos que se armaram... Suplicio, pai do seu Virgílio, era contratado... O comércio local era quem contratava e pagava por mês... Fez assim por muitos anos... E os contratados ficavam todos os dias... sábado... domingo... na expectativa de esperar Lampião...
Lampião ficou esperando lá e ele não mandou o dinheiro. E o mesmo não veio, nem atacou a cidade... Lampião desviou a passagem dele... e foi para Queimadas..."
1931
“Depois de dois anos da primeira passagem, já em 1931, Lampião voltou a passar pelas cercanias da cidade de Itiúba... A cidade ainda permanecia em alerta desde a primeira visita... As trincheiras e os homens ainda estavam lá... Só diminuiam um pouco quando Lampião estava longe, mas, quando ele se aproximava, reforçavam tudo de novo.
Quem chegasse à cidade veria as trinheiras dos dois lados... com os homens armados.
E o Lampião chegou, precisamente, na Fazenda Campinhos...
Lá, ele entrou na casa de Edístio Celestino e viu uma mesa com uma gaveta fechada. Se aproximou e com uma faca começou a forçá–la. Então, a dona da casa disse:
– Não precisa isso, não.
E chamou o marido, o Edístio. Este foi, pegou a chave e abriu a gaveta.
Lampeão pegou então um broche de ouro, umas coisinhas mais e o dinheiro, e saiu sem fazer mal ao pessoal... E eu sei muito bem a história porque conversei com a Maria de Edístio Celestino, filha do velho, que era ainda menininha de sete anos de idade, estava no quarto e assistiu a cena toda... Nunca esqueceu...
Ele entrou na área do Município de Itiúba, pelas cercanias de Pintadas, Campinhos, Ariri, até aqui no Umbuzeiro, na Varzinha e Poço do Cachorro.
Como já tinha notícias de que na cidade havia trincheiras à sua espera, aos sábados, ele mandava cabras de seu bando à feira de Itiúba, para sondar se tinha gente armada e se a cidade estava prevenida ou não, para que ele e o seu bando pudessem entrar. Pois o medo dele era encontrar moradores, contratados e os soldados armados esperando por ele e sua corja.
Sabendo que ele tinha vindo por lá, o coronel Aristides tinha dado a instrução certa... A ordem era não dar combate quando eles chegassem... Que procurassem ficar escondidos, quietos... e deixassem eles entrar... Ou que, se fossem vistos, alguns deles entrarem em luta e perderem, deixando ele entrar... Quando Lampião estivesse dentro, o grosso dos homens iria descer e fechar aquela saída... E, aqui dentro, já estava apinhado de gente armada... Já viu, né? Ele estaria dentro de uma arapuca... Então, a ordem era deixar passar... Não atirar ou não lutar de verdade... até fechar o cerco...
Lampião encontrou um casamento no caminho. Isso na Varzinha, indo para Poço do Cachorro... Era um pessoal de Caraíba...
Parou o cortejo do casamento e perguntou:
- Vocês vêm de Itiúba?
E o pessoal respondia:
- Venho.
-Você me diga... Tem gente armada lá?
- Sim, tem muita gente armada, o pessoal do Belarmino, muita gente contratada, muita gente armada até os dentes, capitão... Os comerciantes também estão armados...
Ele olhou a topografia, as montanhas e viu que eram fechadas. Porque a ordem era a seguinte... Combater aqui, dentro no arraial.
Ele parou, conversou ali com os cabras dele, e disse, que o pessoal do casamento ouviu:
- Eu não meto a mão em cumbuca... Nós não vamos entrar não em Itiúba. Itiubinha... Dessa vez você escapa... Itiubinha...
Aqueles do seu bando que esperavam à sua volta, nas pedreiras das montanhas, espancaram uma velha, saquearam o capitão Antonio Joaquim, avô daquele Mundinho dos Carvalhal. Tomaram dinheiro deles. Mais ou menos uns três ou quatro contos de reis. Mas aqui no arraial ele não entrou. Ficou com medo dos cabras machos que aqui os esperavam...
A gente soube, depois, de algo muito interessante... sabido lá em Cariacá... Aqui, na feira, disfarçado, entrou Corisco, todo vestido direito... sondando as defesas... E entraram outros cangaceiros também, bem disfarçados...
A residência do Aristides está ali, ainda como era na época... Dizem que aqueles buracos na parte de baixo eram para os defensores dispararem... Sou da época e não lembro nada disso... Acho que era uma espécie de respiradouro somente. E eu não vejo como alguém poderia se utilizar bem daquilo ali para se defender... Não dá jeito... Não tinha altura para isso..."
Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço:
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