*Rangel Alves da Costa
É sempre um erro imaginar que os retalhos da estrada não servem para mais tarde se ter a grande colcha protetora das noites daqueles simbólicos frios que acometem inesperadamente. Igualmente erro imaginar que as lições passadas não formarão um grande livro onde a experiência e os ensinamentos estarão assentados como lições para os percursos restantes.
Não há outro livro que ensine mais que a vida. Não há aprendizagem maior que a capacidade de reconhecer-se nos erros e acertos e procurar mudar ou melhorar. E aprender significa não só compreender como praticar a humildade, a simplicidade, a generosidade, o amor ao próximo.
E na vida, o tempo, o percurso, a aprendizagem também em cada passo. Quanto mais se alonga a caminhada mais o ser humano vai aprendendo a conhecer aquilo que por muito tempo tratou com menosprezo ou futilidade. E igualmente a valorizar pequenas coisas que jamais imaginou tão significativas na existência.
Confesso que quando jovem eu quis ser além de minhas possibilidades. Mas tudo era possível. Parafraseando Fernando Pessoa, porque eu era do tamanho do que desejava avistar e não do tamanho da minha altura... E assim porque sempre fui sonhador e achava que poderia transformar todos os planos em realidade.
Sorte minha que não sonhei demais. Minha vida no sertão me fez pisar no seu chão e sentir no calor de sua terra a importância de primeiro ser o lugar e somente depois o mundo. E foi a vivência do lugar, em meio ao meu povo, que muito modificou meu olhar sobre o mundo.
Relembrando Drummond, fui menino rico. Tive ouro, tive prata, tive diamante. Ter o que eu tive num sertão empobrecido é possuir uma riqueza descomunal. Nunca me faltou brinquedo, comida, roupa, sapato, brilhantina, perfume, tudo tive ao meu alcance. E poucos dos meus amigos tinham sequer a metade do que eu possuía.
Mas caminhei sem querer levar comigo todo o ouro e toda a prata. Segui na estrada sem estar acompanhado da roupa nova, do brinquedo, do presente. Eu sabia que dali em diante tudo teria que ser conseguido pelo esforço, por conta própria. Ou o suor e a sabedoria me dariam a sobrevivência ou nenhuma valia teria o que aprendi no passado.
Tais lições se impuseram em mim como norte e destino. O mundo passa a ser visto de outra forma quando se conhece os seus horizontes e se tem a certeza de que além das montanhas e montes muito desconhecido ainda existirá. Mas nada como ter consciência que a sabedoria serve apenas como passo e não como certeza de chegada.
Pessoas existem que vivem somente o momento. Outros existem que vão moldando seus destinos segundo as oportunidades surgidas. Talvez isso provoque algum bom resultado, mas nada como a noção de se conhecer aonde se quer chegar. É válido arriscar, ter encorajamento para transformar realidades, mas nada como saber que pisa em solo firme e a caminhada é por uma estrada não totalmente desconhecida.
Daí que trago das raízes primeiras a força e as lições da caminhada. Aprendi o comedimento como impulso de ação. Sei que não preciso nem posso ir além do que posso nem ultrapassar fronteiras totalmente desconhecidas. Se adiante há um horizonte e uma vastidão, sempre preciso muito cuidado em avançar pelo hostil e desconhecido.
Talvez tudo isso servisse como livro aberto perante os olhos de todos. Porém, sempre difícil de assim acontecer. Ainda negam as boas lições, deixam de dar ouvidos às sabedorias, fogem dos caminhos seguros ensinados, sempre procuram arriscar na escuridão. Por isso mesmo que de repente o penhasco se mostra em abismo e o passo já não sabe nem pode retornar.
Palavras vãs, diriam. Ora, o vento é professor, a ventania ensina muito, até a brisa sopra sabedoria. Será preciso deixar que os silêncios falem, que tenham voz, que sejam ouvidos. É no silêncio da consciência que está o grande mistério da vida: sou o que quero ser ou sou apenas o que o mundo me deixa ser?
Escritor
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