Por José
Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo
Em 23 de junho
de 1917 nascia em Mossoró, Amélia Gomes Reginaldo, a filha primogênita de
Raimundo Reginaldo da Rocha e de Luzia Gomes da Rocha. Amélia tinha recebido
inicialmente o nome de Rosa Luxemburgo em homenagem a militante comunista
polonesa[1]. Além dela, o casal
teve mais três filhos: Carlos Lenine Reginaldo, José Stalin Reginaldo e Jandi
Reginaldo.
Amélia cresceu
na efervescência e amadurecimento orgânico dos grupos comunistas no Brasil, das
greves generalizadas e dos movimentos sociais. Conduzida pelo pai, 1º pessoa a
divulgar ideias marxista-leninistas no interior do Rio Grande do Norte,
concentrava-se na leitura de autores como Victor Hugo, Euclides da Cunha, Jorge
Amado, Marx, Lênin, entre outros. A influência paterna parece ter estimulado a
filha do Professor Raimundinho, como era carinhosamente conhecido o seu pai. Em
razão disso, possivelmente, tornou-se líder estudantil na Escola Normal de
Mossoró[2] (1930-1933),
defendendo melhoria no ensino, igualdade e participação dos alunos e alunas.
A atividade de
liderança de Amélia já era realizada por Raimundo Reginaldo, professor da
Escola Paulo de Albuquerque, chegando a ocupar o cargo de diretor. Nessa época,
participou ativamente da criação da Liga Operária em Mossoró, no dia 10 de
abril de 1921, sociedade com fins beneficentes, que teve em Raimundo Reginaldo
um dos seus principais expoentes.
A sua
determinação, conhecimento e carisma, fizeram com que Amélia Reginaldo
exercesse cargo de direção da União Feminina do Brasil, sendo a filiada mais
atuante convocando amigas, esposas e filhas de militantes para se engajarem na
“luta” do Partido Comunista. A União Feminina do Brasil ocupava-se de assuntos
relativos à emancipação das mulheres, por isso era combatida pelos políticos
conservadores, que atacavam as filiadas considerando-as como pessoas de
comportamento imoral e espalhafatoso.
Aluizia do
Nascimento Freire e Maria Francinete de Oliveira em “Amélia Reginaldo: Uma
militante esquecida pela historiografia” conseguiram encontrar em
registros do acervo público do Rio Grande do Norte, a atuação destacada de
Amélia na insurreição comunista. Todas as mulheres que foram interrogadas
afirmaram que se filiaram a União Feminina do Brasil, órgão mantido pelo
Socorro Vermelho Internacional, através de Amélia Gomes Reginaldo.
Também atuou
como secretária do Comitê popular revolucionário e contribuiu na edição do
Jornal “A Liberdade” (Órgão Oficial do Governo Popular Revolucionário –
Natal, 27/11/1935), em única edição. Este jornal tinha o professor Raimundo
Reginaldo da Rocha, como diretor. O exemplo paterno volta a se manifestar. Em
1º de maio de 1922, foi criada a Associação de Normalistas de Mossoró[3], que, entre outras
atribuições, fundou uma revista ilustrada, de publicação mensal, denominada de
ABC. Raimundo Reginaldo integrava a comissão de normalistas responsável pela
elaboração do periódico. Outra publicação digna de registro foi a criação do
jornal “O Trabalho” em 7 de setembro de 1922[4]. Esse periódico era
um órgão dedicado aos interesses da Liga Operária de Mossoró, que tinha como
diretor-responsável Raimundo Reginaldo da Rocha e redatores, Manoel Assis,
Mário Cavalcanti e Lauro da Escóssia.
De todas as
mulheres que participaram da insurreição comunista, na cidade de Natal, Amélia
foi à única condenada, recebendo uma pena de cinco anos de reclusão. Sua prisão
foi decretada em 04 de setembro de 1936. No entanto não chegou a ser presa,
pois se tornou fugitiva da justiça. Já a sua mãe, Luzia Gomes da Rocha foi
presa várias vezes não sendo respeitada sua condição de nutriz.
Na condição de
fugitiva recebe a companhia inseparável de seu pai. Em carta enviada ao tio
Lauro Reginaldo, Amélia relata os dissabores enfrentados no interior do
nordeste. Escondendo da policia, passaram a vagar por cidades como São José de
Mipibu, no Rio Grande do Norte e Juazeiro do Norte, no Ceará.
Na cidade
potiguar, permaneceram pouco tempo. Amélia ficou na casa de um simpatizante do
partido. O seu pai, ficou no mato, mas sempre mantendo contato com a filha.
Rumaram novamente com destino a Natal. Lá chegando, Amélia se refugia na casa
de outro simpatizante do partido. Raimundo Reginaldo conheceu alguns
madeireiros e passou a trabalhar com eles, extraindo madeira. Com o dinheiro
arrecadado conseguiu comprar uma casa de palha. Algum tempo depois, foi
reconhecido e precisou mais uma vez fugir. Foi até a casa onde Amélia estava
escondida e resolveram tomar novo rumo, a cidade de Juazeiro do Norte.
Antes de
chegar à cidade cearense, aportaram em Mossoró. Foram logo reconhecidos. A
polícia ficou sabendo. Prenderam os seus parentes que não tinham nada a ver com
a história. Dentre os quais, Luzia, mãe e avó de Raimundo e Amélia,
respectivamente. A polícia queria saber do paradeiro dos revolucionários
mossoroenses, ameaçando-os de espancamento e torturas. Mesmo assim, seus
familiares disseram que não sabia onde eles se encontravam.
Comovidos com
o transtorno causado aos familiares, apressaram sua partida. Raimundo se
disfarça de cego e mendigo e Amélia de guia com roupa cheia de pano, simulando
mulher grávida. Dessa forma, eles chegaram sem sobressalto a Juazeiro do Norte,
fixando residência na rua Padre Cícero. Por acaso, Raimundo Reginaldo encontrou
o seu primo Zacarias Rocha, residente na cidade vizinha, Crato.
Raimundo Reginaldo
montou uma bodega e Amélia foi morar na casa do referido primo. Com saudades da
esposa, Raimundo viaja para Mossoró. Conseguiu ir e voltar aparentemente sem
problemas, tomando as devidas precauções. Mesmo assim, a policia foi informada
da sua presença na cidade. Pouco depois, um advogado amigo de Zacarias disse
que tinha chegado uma precatória de Mossoró pedindo a prisão de ambos.
Por essa
razão, a família refugia-se em Picos – PI. Foram morar numa fazenda pertencente
aos familiares de Francisco Alves Feitosa (Chiquinho), futuro esposo de Amélia.
Nessa época,
Raimundo Reginaldo estava com a saúde debilitada. Queixava-se de dor no peito,
achava que não veria mais os filhos no Rio Grande do Norte onde viu seu pai
falecer, no dia 31 de março de 1938. Em carta enviada ao seu tio Lauro
Reginaldo, ela narrou seus últimos momentos:
“Depois ele
pediu para eu cantar “A Internacional”, o hino de sua paixão. O hino relembrava
as suas lutas passadas, os seus ideais de redenção do povo brasileiro. Notando
que ele estava muito comovido, eu não quis cantar. Ele insistiu e eu não pude
continuar me esquivando. Comecei a cantar. Aí as lágrimas começaram a cair
dos seus olhos. Eu parei de cantar e procurei mais uma vez reanimá-lo”. [5]
Passado algum
tempo ele começa a passar mal. Chiquinho, noivo de Amélia consegue chamar um
médico, que aplica uma injeção na tentativa de salvá-lo. Não deu tempo. O
coração do revolucionário educador Raimundo Reginaldo parou de pulsar, em 31 de
março de 1938, na cidade de Picos.
Chiquinho e
Amélia. Acervo de família, cedida pelo sobrinho Carlson Reginaldo.
No mês
seguinte ela casou com Francisco Alves Feitosa (Chiquinho), nascido em 19
de maio de 1917, falecido em 25 de maio de 1989. Desse enlace, nasceram os
filhos: Reginaldo Nogueira Feitosa nascido em 20 de fevereiro de 1939 e Agnaldo
Nogueira Feitosa nascido em 22 de setembro de 1941.
Depois de
casada, passa a se chamar Amélia Nogueira Feitosa. Mesmo não exercendo
atividade política ideológica nesta cidade e vivendo como uma pessoa simples e
recatada, não ficou invisível aos olhos do escritor Renato Duarte. Este, no
livro intitulado “Picos: os verdes anos cinquenta”[6] em determinado
trecho descreve:
“Dona Amélia
era uma mulher culta para os padrões interioranos da época. Leitora ávida de
livros e revistas possuía uma das poucas bibliotecas particulares da cidade:
nesse aspecto era uma mulher diferente dos padrões de comportamento feminino de
então”.
Conta sua nora
Lili que a leitura era o grande vício de Amélia[7].
O sofrimento
causado pela perseguição fez com que a família Reginaldo silenciasse boa parte
de tudo o que aconteceu durante e após a insurreição comunista. Transformou
Amélia em uma mulher centrada no papel de mãe e de avó, mas que não achava
bonito não ter o que comer, por isso participava dos movimentos benevolentes,
distribuindo alimentos às pessoas menos favorecidas, além de ser uma figura
humana reputada como romântica[8].
Em decorrência
de problemas de saúde, causados pela hipertensão, diabetes e problemas
cardíacos, Amélia faleceu aos 61 anos de idade, no dia 11 de novembro de
1978, em Picos.
Mossoró, 23 de
junho de 2017.
Centenário de
nascimento de Amélia Gomes Reginaldo.
Referências
Bibliográficas:
ESCÓSSIA,
L. As dez gerações da família Cambôa: estudo genealógico. 2ª edição.
Mossoró-RN: Coleção Mossoroense, 2015. 173 p.
FERREIRA, B.
C. O Sindicato do Garrancho. 2ª edição. Mossoró-RN: Coleção
Mossoroense, 2000. 184 p.
FREIRE, A. N.;
OLIVEIRA, M. F. Amélia Reginaldo: Uma militante esquecida pela
historiografia. 7 p.
MOURA, W.
B. A Tradicional Escola Normal de Mossoró. Mossoró-RN: Coleção
Mossoroense, 2001. 145 p.
NONATO,
R. Memórias de um Retirante. 3ª edição. Mossoró-RN: Coleção Mossoroense,
2001. 172 p.
OLIVEIRA, M.
F. Amélia (Reginaldo) Nogueira Feitosa. Disponível em:http://www.dhnet.org.br/memoria/1935/a_pdf/francinete_oliveira_amelia_reginaldo.pdf Acesso
em 22 de junho de 2017 as 09:00 h.
ROCHA, L.
R. Bangu Memórias de um Militante. Organização: Brasília Carlos Ferreira.
Natal-RN: UFRN, 1992.
Jornal O
Nordeste, Mossoró 26 de setembro de 1922.
http://blog.esquerdaonline.com/?p=6013&print=pdf Acesso
em 22 de junho de 2017 as 8 h.
http://rosaluxspba.org/rosa-luxemburgo/ Fundação
Rosa Luxemburgo. Acesso em 22 de junho de 2017 as 07:00 h.
DADOS
BIOGRÁFICOS
José Edilson
de Albuquerque Guimarães Segundo (Mossoró-RN, 1976), filho de José Edilson
de Albuquerque Guimarães e Deodina Silveira de Albuquerque Guimarães, graduado
em Ciências Biológicas (UFRN) e Mestre em Geociências, pela mesma universidade,
é servidor da Prefeitura Municipal de Mossoró. Iniciou suas atividades
literárias, em 2012, na Revista Oeste, com a publicação do artigo Reminiscências:
Alto da Conceição, um exemplo de fé cristã, em coautoria com Edimar Teixeira
Diniz Filho. Em 2013, publicou, também, na Revista Oeste, outro artigo intitulado: Deoclides
Vieira de Sá: um dos mais bem-sucedidos comerciantes mossoroenses. Em 2014, em
parceria com o professor Doutor David de Medeiros Leite, publicou o
livro: Mossoró e Tibau em versos: antologia poética (Ed. Sarau das
Letras). No ano seguinte, publicou o livro: Nas trilhas de meu
avô (Ed. Sarau das Letras). É sócio efetivo do Instituto Cultural do Oeste
Potiguar-ICOP.
[1] Nascida em 5 de
março de 1871 em Zamoṡc, pequena cidade polonesa então ocupada pela Rússia.
Ganhou projeção neste meio marxista alemão em 1899, com a publicação de um
ensaio contra o teórico socialista Eduardo Bernstein, amigo pessoal de Engels e
executor do testamento de Marx, intitulado Reforma social ou revolução? Na
virada de 1918 para 1919 participa da fundação do Partido Comunista Alemão
(KPD) e em janeiro deste ano é presa junto com Karl Liebknecht no que foi
conhecido como a “insurreição de janeiro”. Ambos são assassinados em 15 de
janeiro de 1919 por tropas do governo. Rosa Luxemburgo tinha 48 anos. Extraído
de http://rosaluxspba.org/rosa-luxemburgo/
[2] Fundada em março
de 1922, foi uma das mais tradicionais instituições de ensino na cidade. A
primeira turma formada em 1924 teve dentre os 11 diplomados, Raimundo
Reginaldo.
[3] Era formada pelos
alunos da Escola Normal de Mossoró.
[4] “O Nordeste” de
26 de setembro de 1922.
[5] ROCHA, L. R.
BANGU – Memórias de um militante. Org. de Brasília Carlos Ferreira. 1992.
Anexos, p. 113.
[6] OLIVEIRA, F. M.
Amélia (Reginaldo) Nogueira Feitosa. 2008, p. 3.
[7] Ibid., p. 3.
[8] Ibid., p. 3.
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