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domingo, 9 de outubro de 2011

DEUS ME LIVRE DE PRESENCIAR MAIS OUTRA VIOLÊNCIA DAQUELA CONTRA SERES HUMANOS

Por: José Mendes Pereira

Na década de sessenta, costumeiramente, alguns grupos de ciganos passavam onde os meus pais moravam, percorrendo os lugarejos das redondezas de Mossoró. Normalmente, os moradores se assustavam com a presença de grupos de ciganos, que muitos deles levavam a vida fazendo pequenos furtos.
Cigano não era uma nação violenta, mas toda população ficava alerta sobre a presença daquela gente.  Alguns até admiravam o seu modo de vida,  e como tradição, liam a sorte, principalmente das moças que estavam prestes a se casarem. Usavam um sotaque diferente até lembrando pessoas de outros Estados brasileiros. Eu nunca tinha visto uma violência feita por um ser humano, que até hoje está gravada na minha mente.

No início dos anos sessenta, o meu pai ainda era morador de Manoel Duarte, o homem que matou o cangaceiro Colchete e baleou Jararaca.

Manoel Duarte - o matador de Colchete

Minha mãe, não por desprezo, mas por precaução,  foi uma mulher que não se afinava com  cigano, não lhe dava chance.  

Antonia Mendes Pereira
Minha mãe, Antonia Mendes Pereira - Faleceu aos 86 anos, no dia 28 de março de 2011

Já o meu pai era diferente, apoiava, mas não de permanecer por muito tempo, apenas de passagem.


 Meu pai Pedro Nél Pereira - faleceu no dia 10 de maio de 2011 aos 89 anos e 25 dias.

Certo dia, estávamos sob uma cajarana que cobria  uma boa parte do terreiro da frente da antiga casa em que nós morávamos, pois nos dias de hoje, não existe mais, apenas tapera, e algumas forquilhas tentam resistir aos cupins.

Eu ainda era menino de doze anos. Nessa manhã, um enorme grupo de ciganos foi chegando e ocupando toda área ensombrada pela árvore. Era o grupo do então afamado Zé Garcia, que ainda não havia passado por lar, mas já era um velho conhecido do meu pai, quando fazia acampamentos nas terras de Manoel Duarte, conhecido por Manél de Anália, já falecido, sendo este primo de Manoel Duarte, o assassino de Colchete, e por sinal, era casado com Rosália Fernandes, sendo esta minha cunhada.

Ali, descansaram da fadiga da viagem por um bom tempo, e em seguida, Zé Garcia pediu que o meu pai fosse encaminhá-lo até a entrada que segue para Mossoró. Como o meu pai tinha os seus afazeres a cumprir, disse-lhe que iria mandar um dos filhos, cujo, eu, para acompanhá-lo até a entrada. 

E logo segui na frente, e um cordão de animais, todos ocupados com os seus cavaleiros. Era um pouco longe a entrada, e lá   formava um "L". Ao chegar ao local, subi nos paus da porteira, eu ficando pelo lado de dentro, na intenção de ver aquele monte de animais caminhando.

O Zé Garcia me gorjeteou com uma nota de mil cruzeiros  (para o tempo, já era desvalorizada), mas assim que ele se retirou, passou um esperto cigano e arrebatou a cédula da minha mão.

Só para efeito de ilustração

Pouco tempo, um (outro) cigano que vinha atrás, e que havia o visto tomando  a cédula da minha mão, aconselhou-me que corresse e fosse dizer a Zé Garcia. Com esse conselho, fiz carreira para alcançar o chefe que já ia muito longe. 

Ao tomar a sua frente ele me perguntou o que estava acontecendo. Eu o repassei o ocorrido, e ali mesmo fez parada, esperando o dito esperto para que eu o apontasse.  

No local onde nós estávamos esperando o esperto, havia um grande limpo que fora feito pelos moradores na grande seca de 1958, quando acabaram com uma porção de xiquexiques para alimentarem os seus animais, e nunca mais nasceu nem xiquexiques e nem tão pouco árvore nenhuma. 

O cigano que havia me dito que corresse e contasse a Zé Garcia, ao chegar ao local, dedurou logo o dito cujo. 

A partir daí, para mim, foi só tristeza, em presenciar aquela terrível cena. Zé Garcia desceu do seu animal e enraivecido, deu início a uma surra de chicote no jovem cigano sem escolher o local de bater. Sem condições de se defender, o castigado jovem desceu do seu animal, aí foi que apanhou. Foi uma cena terrível que os meus olhos  presenciaram. O jovem não sabia se chorava ou se implorava ao seu chefe para não continuar aquele maldito castigo.

Uma cigana que eu tenho impressão que estava grávida, ao ver tanta brutalidade praticada pelo Zé Garcia, desceu do animal e dirigiu-se ao apanhado, agarrando-o, na intenção de protegê-lo das lapadas. Mas não levou sorte. O Zé Garcia já havia levantado o chicote, e ao descê-lo, ela foi atingida com toda força do seu braço. A cigana saiu em desespero, chorando, se maldizendo das dores.

Os choros das ciganas, crianças e as  alaridas dos homens eram chocantes dizendo: Para! Para! Para pelo amor de Deus!... 

Um cigano já de idade, e pela sua enorme barba branca, dou-lhe uns setenta anos, no mínimo, pediu-lhe por todos os santos que não mais judiasse com o castigado.  Mas não foi atendido. Foi inútil.

A situação só parou quando uma bonita ciganinha, talvez aos treze anos, se formando moça (não sei se a ciganinha era sua filha), foi de encontro ao chefe, agarrou a ponta do chicote perguntando-lhe: “Vai matar Dande?”

Pelo menos foi o que eu entendi. Não sei se o Dande era o nome do castigado, já que ela o interrogou: "Vai matar Dande?". Mas como ela disse verbalmente,  não deu para eu saber quem seria o Dande. Se fosse apelido carinhoso do chefe,  com certeza ela  disse: "Vai matar, Dande!?" Do contrário, seria  um código qualquer de cigano.

A partir daí, eu não vi mais nada, porque eu fiz carreira entre os velames, mandacarus, pereiros e marmeleiros, até que cheguei em casa, cansaço e a mente totalmente arrasada, de ter visto aquela cena tão triste entre os homens de Deus. 

Minhas simples histórias 

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