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sábado, 19 de novembro de 2011

ALCOVA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

ALCOVA
No requinte e suntuosidade das monarquias europeias, com seus palácios de imensos salões iluminados pelos desregramentos e prazeres incontidos, nada mais caracteristicamente autêntico da nobreza mundana e sádica do que suas alcovas.
Interessante e prazeroso é o nome alcova, tão surpreendentemente surgido quanto surpreendente é ao que se destina. Lá pelos idos do século XIX começou a se afirmar como o quarto dos prazeres, um espaço muitas vezes sem ventilação, nem iluminação, verdadeiro esconderijo para quem queria marcar encontros secretos e praticar todas as posições do Kama Sutra. Atualmente é o próprio quarto do casal, com suas janelas e móveis com grandes portas para esconder amantes.
De um modo ou outro, pequenino ou grande e de retumbante luxo, alcova nasceu para esconder o pecado, para que os amantes se fechassem nesse ambiente de descobertas carnais e respirassem somente o prazer da entrega, a procura irrestrita, o prazer do proibido. Proibido sim porque fora dali a mulher era a mais respeitada possível, ninguém poderia supor que pessoa tão honrada e bem casada corresse para tal esconderijo como animal que está no cio.
Aqui também, ali também, por todos os lugares as alcovas, ao lado dos confessionários e seus confessores impuros, continuam sendo os cenários onde única e verdadeiramente se conhece e vive os prazeres próprios e os dos outros sem o menor pudor. E acontece larga e desvairadamente mesmo, até porque são muitas as nobres e respeitáveis senhoritas que não vivem de forma alguma sem o sabor do pecado.
E acontece ainda porque as alcovas, com essa denominação invulgar, são os centros por excelência da manifestação dos mais delirantes, prazerosos, crueis, verdadeiros e devassos instintos sexuais do ser humano. Mas não para casais, porque elas não surgiram para esposos, mas para os amantes, os adúlteros, os apaixonados pelos dotes sexuais proibidos.
Os quartos dos casais sempre se transformam em alcovas quando a janela fica aberta ao anoitecer para nela entrar muito mais que o vento, o amante silenciosamente chegar, os jogos das traições iniciarem seus festins, o proibido ser valorizado, os corpos pecadores se entregarem aos prazeres incontidos e devastadores. Ao fim da inconteste doação, a pelancuda senhorita sempre colocando notas no bolso do amante e depois correndo para se assustar diante do espelho. Só mesmo pagando...
É neste ambiente ímpar que a lascívia, a pecaminosidade e a entrega absoluta fazem festim. Curioso é que os dons e dotes de alcova não se manifestam em qualquer quarto, em qualquer aposento de dormir, tendo absoluta preferência por aqueles ambientes onde suas donas suas mulheres da grã-finagem, das rodas mais conhecidas da sociedade, entre aquelas empertigadas que escondem suas safadezas por cima de roupas importadas, cosméticos extravagantes e joias que encandeiam olhares. E tudo para esconder o instinto passivamente raparigueiro que em muitas delas fazem inquilinato.
Assim, ao lado das rodas sociais entre as amigas de igual quilate, dos chás beneficentes, dos passeios pelos shoppings e butiques de alto luxo, o que apreciam mesmo fazer é ter seus quartos requintados e de cama imensa servindo como cenário de alcova, como centro de entregas absolutas a meio mundo de gente, menos logicamente ao marido. Pela janela ou mesmo pela porta principal entram o garotão, o motorista, o jardineiro, o jornaleiro...
Depois disso vai tomar um demorado banho com sais aromáticos, ao som de uma música erudita, sob a pouca luz de uma vela exalando perfumes indianos. E assim toda satisfeita por dentro e fingidamente triste por fora, veste um maravilhoso roupão vermelho e telefona para a amiga no intuito de saber se o garotão valeu o que cobrou.
Nem espera o marido. E nem adianta esperar. Ele também tem sua alcova e com a mesma espécie de visitante.

Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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