Fillho de Manuel Gomes da Silva e de Firmina Cleto, Cristino Gomes da Silva Cleto - conhecido depois como Corisco - nasceu em 1907, na localidade de Matinha de Água Branca, no Estado de Alagoas. Com o passar dos anos, ficou belo como um galã de cinema: possuía boa estatura, ombros largos, pele alva e cabelos louros e longos. Além desses atributos, ele era dotado de grande força física e de uma coragem extraordinária. Em agosto de 1926, entrou para o bando de Lampião, recebendo o apelido de Diabo Louro.
Corisco seqüestrou Sérgia Ribeiro da Silva - cujo apelido era Dadá - quando ela tinha, apenas, treze anos de idade. À força, colocou-a na sela do seu cavalo e fugiu pela caatinga. Dadá era morena, tinha cabelos pretos e 1,70 m de altura. Quando foi desvirginada brutalmente pelo Diabo Louro, a adolescente sofreu uma hemorragia tão intensa que quase morreu. Com o passar do tempo, porém, Corisco se tornou mais delicado, e o ódio sentido por ela se transformou, primeiro, em simpatia e, depois, em imenso amor.
Da mesma forma que a treinou para o uso de diversos armamentos, Corisco ensinou Dadá a ler, a escrever e a contar. Por sua grande coragem, ela era tão admirada pelos bandidos que certos chefes de bandos ressaltavam:Dadá vale mais do que muito cangaceiro! Com o Diabo Louro, ela teve sete filhos, mas apenas três deles conseguiram sobreviver.
De 1921 a 1934, Lampião dividiu seu bando em vários subgrupos, dentre os quais os chefiados por Corisco, Moita Brava, Português, Moreno, Labareda, Baiano, José Sereno e Mariano. Para o rei do cangaço, entretanto, o de Corisco sempre foi o bando mais importante de todos. Além de comparsas, os dois eram, ainda, grandes amigos.
Certa ocasião, em relação à defesa da honra masculina, o Diabo Louro adotou uma postura que, muitos anos depois, se tornou bastante conhecida no país: tratou-se do desfecho do relacionamento amoroso entre Cristina e Português. Ela o havia traído com um integrante do bando de Corisco - o cangaceiro Gitirana - e Português contratara Catingueira para �limpar sua honra maculada�.
Quando Catingueira chegou ao acampamento de Corisco, chamou logo Gitirana para uma conversa particular. Naquele momento, Maria Bonita e Lampião estavam no mesmo acampamento e, por acaso, se aproximaram deles. Maria Bonita adiantou-se, sugerindo a Catingueira que a pessoa a ser eliminada deveria ser Cristina (a verdadeira culpada, segundo ela) e, não, Gitirana. Naquela hora, Corisco retrucou: Ela deu o que era dela! Ninguém tem nada com isso! Insatisfeita com a resposta, Maria Bonita continuou defendendo a contrapartida masculina: É, mas Português vai ficar desmoralizado! Já impaciente com aquele confronto, o Diabo Louro deu um basta à discussão:
Ele que cuide da mulher dele! Do meu rapaz, cuido eu!
Desde esse dia, tais palavras ficaram célebres e essa expressão vem sendo utilizada até o presente, inclusive, por muitos políticos brasileiros. Parafraseando Corisco, os parlamentares costumam dizer: Cuidem do que é seu porque, do que é meu, cuido eu!
Em relação àquele desenlace amoroso, Lampião deu total apoio a Corisco. Cristina permaneceu com o bando, escondida durante alguns meses. Todavia, como era de se esperar, ela foi morta quando ia para a casa de familiares, já que Português contratara outros cangaceiros para matá-la. Neste sentido, não restava dúvidas: o adultério feminino não era tolerado nos bandos do Nordeste.
Lampião e seus comparsas resistiram quase vinte anos, brigando com civis que os perseguiam e com as volantes de vários Estados. Durante esse tempo, os cangaceiros assaltaram propriedades, atacaram povoados, vilas e cidades, roubaram, pilharam, torturaram e mataram seus adversários, e tiveram que conviver com intensos tiroteios e emboscadas para fugir da polícia. Nesse contexto, um acontecimento importante veio mudar, para sempre, a história docangaço.
Era a madrugada de 28 de julho de 1938, e os cangaceiros dormiam em suas barracas. Eles estavam acampados na fazenda Angicos, no sertão de Sergipe. De repente, os soldados da volante surgiram, portando metralhadoras portáteis. Chegaram bem de mansinho e atacaram o bando. Foi um verdadeiro massacre! Das trinta e quatro pessoas presentes, onze foram degoladas ali mesmo (Lampião e Maria Bonita, estavam entre elas). Os demais sobreviventes, ou fugiram, ou se entregaram à polícia. Durante a chacina, Corisco e Dadá se encontravam bem longe dali, na fazenda Emendada, localizada em Alagoas.
Cinco dias após o ocorrido, Corisco invadiu a casa do coiteiro José Ventura Domingos (fazendeiro que se tornara amigo dos cangaceiros) e, pensando estar vingando o culpado, pois foi induzido por João Almeida Santos (vulgo Joça Bernardo), o verdadeiro traidor, seguiu a Lei do Talião "olho por olho, dente por dente": assassinou o dono da casa, sua esposa e filhos. Dessa forma, certo de estar vingando o bando de Lampião, que fora completamente dizimado, ele matou o dono da casa, a esposa dele e os filhos. À pedido de Dadá, o Diabo Louro deixou vivos uma mulher que amamentava um bebê, e seus três filhos pequenos, justificando: alguém tem que viver para contar a história. Após a chacina, degolou os cadáveres, colocou suas respectivas cabeças dentro de um saco de estopa e, com as seguintes palavras, enviou-as ao tenente João Bezerra:
Faça com essas cabeças uma fritada. Matei duas mulheres para vingar a morte de duas que foram assassinadas em Angico.
Em outubro de 1939, durante um duro combate contra três volantes, na fazenda Lagoa da Serra, em Sergipe, Corisco foi ferido e nunca mais se recuperou: ficou com a mão direita ficou paralisada e o braço esquerdo atrofiado. A partir desse dia, Dadá se tornou a primeira (e única) mulher no cangaço a utilizar um fuzil.
Em relação ao Diabo Louro, um aspecto importante precisa ser ressaltado: o que lhe sobrava, em termos de beleza, lhe faltava em diplomacia e habilidade para comandar. Ele era cruel, possuía modos bruscos e os coronéis - dentre os quais se encontravam os grandes fornecedores de armas para Lampião - não o viam com bons olhos e, tampouco, confiavam nele. Tudo isso também contribuiu para o enfraquecimento do banditismo. Como continuar a luta sem o apoio bélico dos coronéis? Diante do contexto, o cangaço só conseguiu resistir mais dois anos.
Em maio de 1940, Corisco dissolveu o bando. Apenas na companhia de Dadá, de Rio Branco e da mulher dele partiu para o sul da Bahia, à procura de um refúgio seguro. Iniciou, então, uma longa jornada pelo sertão. Para evitar ser reconhecido, vestiu-se de vaqueiro, cortou os longos cabelos loiros, aboliu o chapéu e as roupas do cangaço e, com todo o ouro que juntara durante todos aqueles anos, planejou ter uma vida diferente.
Enquanto isso, a Justiça oferecia uma atenuante de pena àqueles bandidos que, de forma espontânea, se rendessem. Se tal medida representava, para uns, a chance de abandonarem, definitivamente, a vida do crime, para outros (Corisco, por exemplo), era algo inadmissível.
No dia 5 de maio de 1940, por fim, na região de Brotas de Macaúbas, na Bahia, uma volante cercou o que restou do grupo e Corisco foi atingido na barriga por uma rajada de metralhadora. Ficando com os intestinos à mostra, conseguiu sobreviver, apenas, durante dez horas. Naquele mesmo conflito, Dadá foi atingida na perna e, não obstante ter passado por várias intervenções cirúrgicas, precisou amputar o pé direito. Em relação ao confronto final, ela declarou que os policiais vieram decididos a roubá-los e a matá-los, que seu companheiro era deficiente físico e não teve chance alguma de se defender.
Corisco foi enterrado em Jeremoabo, na Bahia. Dias depois, violaram a sepultura, exumaram o corpo, e deceparam sua cabeça e seu braço direito. Qual a razão de tal barbárie? Na ocasião, alegou-se que os cientistas necessitavam estudar os restos mortais do cangaceiro. Neste sentido, estes foram medidos, pesados, estudados, mas nenhuma deformidade física ou mental foi descoberta. Daí, os restos ficaram expostos à visitação pública por mais de trinta anos, no Museu Nina Rodrigues, na Bahia, ao lado das cabeças de Lampião, Maria Bonita e outros componentes do bando.
Vale registrar que, mesmo com uma perna amputada, Dadá se casou com um pintor de casas de Jeremoabo e, com ele, viveu mais de meio século. Veio a falecer em fevereiro de 1994.
Durante anos a fio, o economista Silvio Bulhões - filho de Corisco e Dadá - se empenhou bastante junto às autoridades governamentais, solicitando que a macabra exibição pública fosse interrompida, e que as partes expostas do seu pai (bem como as dos outros membros do bando) pudessem ter um enterro digno. Um passo importante surgiu com o Projeto de Lei nº 2.867, de 24 de maio de 1965, estabelecendo um ponto final para aquela exposição. Mas, apesar da existência do Projeto, o enterro ainda demorou vários anos para ser concretizado, vindo a ocorrer no dia 6 de fevereiro de 1969.
Cabe deixar registrado que, um ano antes do surgimento daquele Projeto de Lei, o diretor e cineasta Glauber Rocha concorreria à Palma de Ouro, em Cannes, no Festival Internacional do Filme, com a película Deus e o diabo na terra do sol (e trilha sonora de Sérgio Ricardo). Era o mês de maio de 1964. Durante a projeção do filme, a platéia pôde assistir a um duelo inesquecível, travado entre Corisco (que fazia o papel do próprio diabo) e a figura sinistra de Antônio das Mortes, o matador profissional encarregado de eliminá-lo. Em uma das cenas antológicas, a da perseguição final, a platéia ouvia Antônio das Mortes gritar: Se entrega, Corisco! E, lutando com todas as forças, o cangaceiro respondendo que se entregaria, somente, em outra vida. Ainda na película, perseguidor e perseguido se enfrentam cantando a seguinte música:
Antônio das Mortes: Se entrega, Corisco!
Corisco: Eu não me entrego, não,
Eu não sou passarinho,
Prá viver lá na prisão,
Antônio das Mortes: Se entrega, Corisco!
Corisco: Eu não me entrego, não,
Não me entrego ao tenente,
Não me entrego ao capitão,
Eu me entrego só na morte,
De parabelo na mão!
Perante o público, Glauber Rocha conseguiu sedimentar o mito de Corisco como um homem extremamente indomável e de imensa determinação. Quem conhece os fatos históricos, porém, sabe que, no derradeiro conflito, ao ser atingido mortalmente pelos projéteis, o Diabo Louro - que há tempos era inválido e não podia agredir ninguém - gritou, apenas:
Maior são os poderes de Deus!
Autora: Semira Adler Vainsencher, Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco. pesquisaescolar@fundaj.gov.br
Fonte: VAINSENCHER, Semira Adler. Corisco. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:. Acesso em: 11 out. 2010
(Texto atualizado em 20 de novembro de 2007).
Corisco seqüestrou Sérgia Ribeiro da Silva - cujo apelido era Dadá - quando ela tinha, apenas, treze anos de idade. À força, colocou-a na sela do seu cavalo e fugiu pela caatinga. Dadá era morena, tinha cabelos pretos e 1,70 m de altura. Quando foi desvirginada brutalmente pelo Diabo Louro, a adolescente sofreu uma hemorragia tão intensa que quase morreu. Com o passar do tempo, porém, Corisco se tornou mais delicado, e o ódio sentido por ela se transformou, primeiro, em simpatia e, depois, em imenso amor.
Da mesma forma que a treinou para o uso de diversos armamentos, Corisco ensinou Dadá a ler, a escrever e a contar. Por sua grande coragem, ela era tão admirada pelos bandidos que certos chefes de bandos ressaltavam:Dadá vale mais do que muito cangaceiro! Com o Diabo Louro, ela teve sete filhos, mas apenas três deles conseguiram sobreviver.
De 1921 a 1934, Lampião dividiu seu bando em vários subgrupos, dentre os quais os chefiados por Corisco, Moita Brava, Português, Moreno, Labareda, Baiano, José Sereno e Mariano. Para o rei do cangaço, entretanto, o de Corisco sempre foi o bando mais importante de todos. Além de comparsas, os dois eram, ainda, grandes amigos.
Certa ocasião, em relação à defesa da honra masculina, o Diabo Louro adotou uma postura que, muitos anos depois, se tornou bastante conhecida no país: tratou-se do desfecho do relacionamento amoroso entre Cristina e Português. Ela o havia traído com um integrante do bando de Corisco - o cangaceiro Gitirana - e Português contratara Catingueira para �limpar sua honra maculada�.
Quando Catingueira chegou ao acampamento de Corisco, chamou logo Gitirana para uma conversa particular. Naquele momento, Maria Bonita e Lampião estavam no mesmo acampamento e, por acaso, se aproximaram deles. Maria Bonita adiantou-se, sugerindo a Catingueira que a pessoa a ser eliminada deveria ser Cristina (a verdadeira culpada, segundo ela) e, não, Gitirana. Naquela hora, Corisco retrucou: Ela deu o que era dela! Ninguém tem nada com isso! Insatisfeita com a resposta, Maria Bonita continuou defendendo a contrapartida masculina: É, mas Português vai ficar desmoralizado! Já impaciente com aquele confronto, o Diabo Louro deu um basta à discussão:
Ele que cuide da mulher dele! Do meu rapaz, cuido eu!
Desde esse dia, tais palavras ficaram célebres e essa expressão vem sendo utilizada até o presente, inclusive, por muitos políticos brasileiros. Parafraseando Corisco, os parlamentares costumam dizer: Cuidem do que é seu porque, do que é meu, cuido eu!
Em relação àquele desenlace amoroso, Lampião deu total apoio a Corisco. Cristina permaneceu com o bando, escondida durante alguns meses. Todavia, como era de se esperar, ela foi morta quando ia para a casa de familiares, já que Português contratara outros cangaceiros para matá-la. Neste sentido, não restava dúvidas: o adultério feminino não era tolerado nos bandos do Nordeste.
Lampião e seus comparsas resistiram quase vinte anos, brigando com civis que os perseguiam e com as volantes de vários Estados. Durante esse tempo, os cangaceiros assaltaram propriedades, atacaram povoados, vilas e cidades, roubaram, pilharam, torturaram e mataram seus adversários, e tiveram que conviver com intensos tiroteios e emboscadas para fugir da polícia. Nesse contexto, um acontecimento importante veio mudar, para sempre, a história docangaço.
Era a madrugada de 28 de julho de 1938, e os cangaceiros dormiam em suas barracas. Eles estavam acampados na fazenda Angicos, no sertão de Sergipe. De repente, os soldados da volante surgiram, portando metralhadoras portáteis. Chegaram bem de mansinho e atacaram o bando. Foi um verdadeiro massacre! Das trinta e quatro pessoas presentes, onze foram degoladas ali mesmo (Lampião e Maria Bonita, estavam entre elas). Os demais sobreviventes, ou fugiram, ou se entregaram à polícia. Durante a chacina, Corisco e Dadá se encontravam bem longe dali, na fazenda Emendada, localizada em Alagoas.
Cinco dias após o ocorrido, Corisco invadiu a casa do coiteiro José Ventura Domingos (fazendeiro que se tornara amigo dos cangaceiros) e, pensando estar vingando o culpado, pois foi induzido por João Almeida Santos (vulgo Joça Bernardo), o verdadeiro traidor, seguiu a Lei do Talião "olho por olho, dente por dente": assassinou o dono da casa, sua esposa e filhos. Dessa forma, certo de estar vingando o bando de Lampião, que fora completamente dizimado, ele matou o dono da casa, a esposa dele e os filhos. À pedido de Dadá, o Diabo Louro deixou vivos uma mulher que amamentava um bebê, e seus três filhos pequenos, justificando: alguém tem que viver para contar a história. Após a chacina, degolou os cadáveres, colocou suas respectivas cabeças dentro de um saco de estopa e, com as seguintes palavras, enviou-as ao tenente João Bezerra:
Faça com essas cabeças uma fritada. Matei duas mulheres para vingar a morte de duas que foram assassinadas em Angico.
Em outubro de 1939, durante um duro combate contra três volantes, na fazenda Lagoa da Serra, em Sergipe, Corisco foi ferido e nunca mais se recuperou: ficou com a mão direita ficou paralisada e o braço esquerdo atrofiado. A partir desse dia, Dadá se tornou a primeira (e única) mulher no cangaço a utilizar um fuzil.
Em relação ao Diabo Louro, um aspecto importante precisa ser ressaltado: o que lhe sobrava, em termos de beleza, lhe faltava em diplomacia e habilidade para comandar. Ele era cruel, possuía modos bruscos e os coronéis - dentre os quais se encontravam os grandes fornecedores de armas para Lampião - não o viam com bons olhos e, tampouco, confiavam nele. Tudo isso também contribuiu para o enfraquecimento do banditismo. Como continuar a luta sem o apoio bélico dos coronéis? Diante do contexto, o cangaço só conseguiu resistir mais dois anos.
Em maio de 1940, Corisco dissolveu o bando. Apenas na companhia de Dadá, de Rio Branco e da mulher dele partiu para o sul da Bahia, à procura de um refúgio seguro. Iniciou, então, uma longa jornada pelo sertão. Para evitar ser reconhecido, vestiu-se de vaqueiro, cortou os longos cabelos loiros, aboliu o chapéu e as roupas do cangaço e, com todo o ouro que juntara durante todos aqueles anos, planejou ter uma vida diferente.
Enquanto isso, a Justiça oferecia uma atenuante de pena àqueles bandidos que, de forma espontânea, se rendessem. Se tal medida representava, para uns, a chance de abandonarem, definitivamente, a vida do crime, para outros (Corisco, por exemplo), era algo inadmissível.
No dia 5 de maio de 1940, por fim, na região de Brotas de Macaúbas, na Bahia, uma volante cercou o que restou do grupo e Corisco foi atingido na barriga por uma rajada de metralhadora. Ficando com os intestinos à mostra, conseguiu sobreviver, apenas, durante dez horas. Naquele mesmo conflito, Dadá foi atingida na perna e, não obstante ter passado por várias intervenções cirúrgicas, precisou amputar o pé direito. Em relação ao confronto final, ela declarou que os policiais vieram decididos a roubá-los e a matá-los, que seu companheiro era deficiente físico e não teve chance alguma de se defender.
Corisco foi enterrado em Jeremoabo, na Bahia. Dias depois, violaram a sepultura, exumaram o corpo, e deceparam sua cabeça e seu braço direito. Qual a razão de tal barbárie? Na ocasião, alegou-se que os cientistas necessitavam estudar os restos mortais do cangaceiro. Neste sentido, estes foram medidos, pesados, estudados, mas nenhuma deformidade física ou mental foi descoberta. Daí, os restos ficaram expostos à visitação pública por mais de trinta anos, no Museu Nina Rodrigues, na Bahia, ao lado das cabeças de Lampião, Maria Bonita e outros componentes do bando.
Vale registrar que, mesmo com uma perna amputada, Dadá se casou com um pintor de casas de Jeremoabo e, com ele, viveu mais de meio século. Veio a falecer em fevereiro de 1994.
Durante anos a fio, o economista Silvio Bulhões - filho de Corisco e Dadá - se empenhou bastante junto às autoridades governamentais, solicitando que a macabra exibição pública fosse interrompida, e que as partes expostas do seu pai (bem como as dos outros membros do bando) pudessem ter um enterro digno. Um passo importante surgiu com o Projeto de Lei nº 2.867, de 24 de maio de 1965, estabelecendo um ponto final para aquela exposição. Mas, apesar da existência do Projeto, o enterro ainda demorou vários anos para ser concretizado, vindo a ocorrer no dia 6 de fevereiro de 1969.
Cabe deixar registrado que, um ano antes do surgimento daquele Projeto de Lei, o diretor e cineasta Glauber Rocha concorreria à Palma de Ouro, em Cannes, no Festival Internacional do Filme, com a película Deus e o diabo na terra do sol (e trilha sonora de Sérgio Ricardo). Era o mês de maio de 1964. Durante a projeção do filme, a platéia pôde assistir a um duelo inesquecível, travado entre Corisco (que fazia o papel do próprio diabo) e a figura sinistra de Antônio das Mortes, o matador profissional encarregado de eliminá-lo. Em uma das cenas antológicas, a da perseguição final, a platéia ouvia Antônio das Mortes gritar: Se entrega, Corisco! E, lutando com todas as forças, o cangaceiro respondendo que se entregaria, somente, em outra vida. Ainda na película, perseguidor e perseguido se enfrentam cantando a seguinte música:
Antônio das Mortes: Se entrega, Corisco!
Corisco: Eu não me entrego, não,
Eu não sou passarinho,
Prá viver lá na prisão,
Antônio das Mortes: Se entrega, Corisco!
Corisco: Eu não me entrego, não,
Não me entrego ao tenente,
Não me entrego ao capitão,
Eu me entrego só na morte,
De parabelo na mão!
Perante o público, Glauber Rocha conseguiu sedimentar o mito de Corisco como um homem extremamente indomável e de imensa determinação. Quem conhece os fatos históricos, porém, sabe que, no derradeiro conflito, ao ser atingido mortalmente pelos projéteis, o Diabo Louro - que há tempos era inválido e não podia agredir ninguém - gritou, apenas:
Maior são os poderes de Deus!
Autora: Semira Adler Vainsencher, Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco. pesquisaescolar@fundaj.gov.br
Fonte: VAINSENCHER, Semira Adler. Corisco. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:
(Texto atualizado em 20 de novembro de 2007).
FONTES CONSULTADAS:
CARVALHO, Rodrigues de. Lampião e a sociologia do cangaço. Rio de Janeiro: Gráfica Editora do Livro, 1977.
CHANDLER, Billy Jaynes. Lapião, o rei dos cangaceiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
CHIAVENATO, Júlio J. Cangaço: a força do coronel. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.
Em co-edição com o Programa Nacional do Centenário da República e Bicentenário da Inconfidência Mineira.
FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos: gênese e lutas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.
HORTA, Carlos F. de Melo Marques (Org.). O grande livro do folclore. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2000.
LIMA, Valdemar de Souza. O cangaceiro lampião e o IV mandamento. Maceió: Serviços Gráficos de Alagoas, 1979.
LUNA, Luiz. Lampião e seus cabras. Rio de Janeiro: Leitura, 1963.
MACHADO, Maria Christina Russi da Matta. Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste brasileiro. São Paulo: [s. n.], 1974. (Coleção da Revista de História). Sob a direção do Professor Eurípedes Simões de Paulo.
MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.
MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa, 2004.
MELLO, Frederico Pernambucano de. Quem foi Lampião. Recife;Zurich: Stahli, 1993.
OLIVEIRA, Aglae Lima de. Lampião, cangaço e Nordeste. Recife: Edições O Cruzeiro, 1970.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Os cangaceiros - Les bandits d´honneur brésiliens. Paris: Julliard, 1968.
SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital (Org.). Dicionário das mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
SILVA, Manuel Bezerra e. Lampeão e suas façanhas. Recife: Companhia Editora Nacional, [1966].
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Em co-edição com o Programa Nacional do Centenário da República e Bicentenário da Inconfidência Mineira.
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