Por:Donatello Grieco
Ranulfo Prata
RIO, 23 (Da
nossa sucursal) – O senhor Ranulfo Prata acaba de publicar um interessantíssimo
livro sobre Lampião, que foi editado no Rio por Ariel. Procurado esse
ilustre escritor, que já forma em nossa literatura com alguns bons livros de
ficção, conseguimos uma entrevista interessante, para os leitores do sul que,
em geral, tão pouca coisa conhecem, em linhas nítidas, desse angustioso
problema do nordeste brasileiro.
Obtive a
documentação do livro, diz-nos o Sr. Ranulfo Prata, na própria região assolada
pelo flagelo. Residindo em Santos, fui em dezembro de 31, ao interior de
Sergipe onde, na cidade de Anápolis, tenho pessoas de minha família.
Nessas férias,
permaneci em Anápolis até março de 1932, procurando sempre entrar em contato
com testemunhas pessoais de façanhas do bandido, bem como colher documentação
entre as pessoas que me pareceram mais autorizadas a falar sobre o assunto.
Colhi, então, os primeiros dados biográficos do facínora.
Este ano, nova
viagem foi empreendida por mim àquelas zonas flageladas pelo cangaço. Entrei então,
posso dizê-lo com sinceridade, no conhecimento direto dos fatos que mais de
perto se relacionam com o banditismo. Viajando de auto de Anápolis a Jeremoabo,
quartel general das perseguições e das ações das volantes, passando em
Paripiranga, Bom Conselho, Antas e mais regiões sertanejas, vê-se que a gente
daquelas vilas não pensa, não fala, não cuida de outra coisa a não ser de
Lampião.
Lampião é o
problema obsedante; seus atos, todas as suas tropelias sangrentas são
discutidos com ânsia febril pelas populações exaltadas. Por isso mesmo que
todos falam do mesmo homem. Por lá andando me foi simplíssimo colher dados e
narrativa das próprias vítimas, dos soldados, oficiais e mesmo de coiteiros.
Esses
“coiteiros” são indivíduos que dão refúgio a Lampião e seus sequazes. Nesta
palavra de velho sabor vernacular, está com certeza, o segredo do fracasso de
todas as arremetidas contra Lampião. Protegendo o bandido, coagidos por seus
ímpetos sanguinários ou então o fazendo por mero desforço pessoal aos policiais
truculentos, os coiteiros ocultam todos os detalhes da ação do bandido; e isso
dificulta extraordinariamente a captura dos miseráveis bandoleiros.
A ideia do
Livro...
- E como
surgiu a ideia do livro?
- Vendo o
horror que afligia aquelas pobres populações senti-me na obrigação moral de,
como intelectual, filho dali e partilhando daquele sofrimento, lançar um clamor
e um apelo. Foi o que fiz. As notas que eu próprio tomei, foram depois
completadas com as de parentes e amigos, que me merecem a mais absoluta fé. Dos
próprios oficiais combatentes recebi relatórios que detalhavam a ação
militar.
A amigo
dedicado, velho morador de Jeremoabo, e espectador inteligente do drama, devo
também muito dos informes. Esse amigo fez uma verdadeira reportagem pelo
interior do sertão, falando até com o velho guerrilheiro Pedrão, sobrevivente
de Canudos.
Em fins de
dezembro de 31 presenciei, com os próprios olhos, o quadro que descrevi no
capítulo “Êxodo”. Às cidades de Anápolis e Paripiranga, esta última uma vila
baiana vizinha, vi chegarem magotes e magotes de gente expulsa dos lares
sertanejos. Conversei com agigantados vaqueiros que choravam como crianças por
terem deixado tudo ao léu: casa, criações, roças.
Na minha
própria cidade, a principal do Estado, o bandido já tentou várias vezes entrar.
Quando lá estive, noites e noites passamos sem dormir, com soldados e homens
assalariados dentro de trincheiras, fuzil em punho. Os apontamentos sobre as
duas visitas do facínora a Sergipe foram obtidos nas próprias cidades
invadidas, de pessoas fidedignas.
Minucias do
tipo físico de Lampião tive-as do meu amigo e colega Eronides de Carvalho,
clínico em Aracaju, que teve o desprazer de hospedá-lo durante uma noite, em
uma fazenda dos sertões de Gararu. Muitas das fotografias que estampam o livro
de vítimas do bandido, foram obtidas por mim.
A solução do
problema...
- E que nos
diz a respeito de uma solução a esse problema angustiante do banditismo?
- A solução
imediata é a morte ou prisão de Lampião, com a consequente dissolução do
bando.
Posso mesmo
expor aqui uma fácil comparação médica: sertão, sofredor da velha moléstia do
cangaceirismo, desde longos anos, está agora, numa crise aguda a exigir uma
picada de morfina que o alivie de dores cruciantes. Dando-lhe este alívio coem
o extermínio de Lampião, ficará ainda a moléstia a merecer terapêutica enérgica
que por uma vez, a liquide, voltando o sertão a ser o que deve ser.
Esta solução
imediata só uma campanha federal poderá alcançar. Nada mais patente do que a
incapacidade dos poderes estaduais, ou melhor, de todo o Nordeste congregado. É
uma simples questão de meios: o governo central pode dispor de dinheiro e de
força, imprimindo à campanha uma feição séria como exige o problema.
Desaparecido Lampião não creio que surja outra figura que adquira a mesma
aureola. Apesar dos pesares, de todo o peso das correntes que a política nos
amarra aos pés, caminha-se, o sertão progride e já não é meio tão propício ao
desenvolvimento do banditismo como há dez ou quinze anos atrás. Os Fords já
vasculham tudo aquilo, de Sergipe a Pernambuco, trazendo as consequências
civilizadoras fáceis de imaginar.
Concluindo:
- Com meu
livro, termina o Sr. Ranulfo Prata, quis, antes de tudo, fazer obra de
repercussão social.
Não me
incomodei unicamente com o amontoamento dos detalhes trágicos da vida do
cangaceiro, “Lampião” é um libelo, um livro que envergonha, entristece e
humilha, devendo ser visto com sinceridade. É uma chaga que exponho ao sol para
ver se é possível curá-la.
DONATELLO
GRIECO
Extraído da
“Folha da Manhã”, de São Paulo,
de 28 de
janeiro de 1934.
Cortesia de
postagem de Antonio Corrêa Sobrinho.
http://cariricangaco.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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