Por José Gonçalves
o Nascimento*
Foto colorida pelo professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio
Nem mesmo as
crianças foram poupadas das atrocidades decorrentes da guerra de Canudos. Sem
dúvida, esse foi o segmento que mais sofreu com os desastres provocados pelo
monstruoso conflito. As informações a tal respeito são por demais assustadoras.
Os soldados na
sua fúria perversa não respeitavam ninguém, matando de forma indiscriminada.
Contanto que fosse gente de Canudos. Assim, milhares de crianças indefesas
foram mortas e incineradas, a maioria delas no colo dos seus próprios
genitores.
Dois anos após
o fim do massacre, Martins Horcades relatava haver encontrado, só em uma casa,
“22 cadáveres já queimados, de mulheres, homens e meninos”. No mesmo relato
informava o acadêmico baiano ter visto, “em uma rua uma mulher, tendo sobre uma
das pernas uma criancinha e em um dos braços outra, todas três quase petrificadas!
”. Estas e outras cenas são parte do álbum do baiano Flávio de Barros,
fotógrafo comissionado junto à quarta expedição.
Os lances de
barbaridade envolvendo crianças prisioneiras se multiplicavam a todo o momento,
chegando-se ao extremo da perversidade humana. Um soldado contou a frei Pedro
Sinzig que vira um colega de farda pegar uma criancinha pelos pés e
arremessá-la de encontro a uma árvore, espatifando-se lhe a cabeça.
Depois da
vitória das forças expedicionárias, milhares de meninos e meninas, entre oito e
quinze anos, foram sequestrados e em seguida vendidos a fazendeiros e
prostitutas da Bahia (e até mesmo do Rio de Janeiro) onde, acabariam submetidos
ora ao trabalho escravo, ora à prostituição.
Em minucioso
relatório, exarado no final de 1897, a comissão do Comitê Patriótico da Bahia,
encarregada de recolher as crianças feitas prisioneiras durante a guerra, dava
conta de “que grande parte dos menores reunidos pela comissão, dentre eles
meninas púberes e mocinhas, se achavam em casa de quitandeiras e prostitutas.
Pode-se afirmar [continua o excelente relato] que muitas pessoas procuravam
adquiri-las para negócio.”
Como no tempo
da escravidão, a comercialização desses menores era feita às claras e, em
muitos casos, com recibo de compra e venda. Ao supracitado Comitê, que tentou
recuperar uma criança que se encontrava sob o poder de certo fazendeiro, de
nome Emílio Cortes, fornecedor das forças em operação, disse este que “o menino
era dele; estava com ele; não tinha que dá satisfação a ninguém, pouco se lhe
importava se o pai ou a mãe, ambos fossem Judas ou o diabo; a questão era que o
menino lhe tinha sido dado pelo general e disto havia lhe passado o recibo para
maior garantia. Não o entregava”.
Além do
sequestro e comercialização de órfãos, o referido relatório denunciou também
numerosos casos de estupro praticados por soldados contra crianças e
adolescentes. Uma das vítimas, Maria Domingas de Jesus, de 12 anos, “foi
desvirginada, violentamente, pela praça do 25° batalhão de infantaria, de nome
José Maria.”
Criado
inicialmente para prestar socorro aos soldados envolvidos no conflito, o Comitê
Patriótico acabou por ocupar-se também da gente de Canudos, especialmente
mulheres e crianças. Ao concluir suas atividades no final de 1897, a
organização apresentou seu balanço: “Não foi pequeno o número de vítimas que
socorremos e abrigamos entre mulheres, crianças e meninos de ambos os sexos,
que conseguimos reduzir debaixo da nossa bandeira de caridade, evitando a uns a
morte pela falta de conforto e à míngua de recursos, a outros a verdadeira
escravidão em que se achavam e, porventura, a prostituição no futuro”.
O drama das
crianças de Canudos inspiraria mais tarde o jovem poeta baiano Francisco
Mangabeira, testemunha ocular dos fatos e autor do livro Tragédia épica,
lançado pela primeira vez no ano de 1900. A obra enfeixa um conjunto de 20
poemas, em que o autor, poeta de rara sensibilidade, narra os horrores da
guerra. É o caso do poema “Crianças Prisioneiras”, aqui transcrito
parcialmente:
“Não há cenas
mais tristonhas,
Nem de tamanha aflição:
Bocas outrora risonhas,
Murchas à míngua de pão.
(...)
Tivestes beijos e afagos,
Mas hoje a fatalidade
Fez vossos dias pressagos,
Ainda no albor da idade.
Sois como as
aves implumes
Que um dia a desgraça quis
Arrancar de entre os perfumes
Dos quietos ninhos gentis.
(...)
Os homens riem-se, vendo
Que ides morrer como cães...
Ai! Que pesadelo horrendo
Para aquelas que são mães”.
*Poeta e
cronista
jotagoncalves_66@yahoo.com.br
Fonte: facebook
Página: José Gonçalves
Ai vemos companheiro Mendes neste texto do pesquisador José Gonçalves, que não foi apenas nos anos do cangaço que as atrocidades aconteciam, mesmo antes, a própria polícia cometeram crueldades.
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha