Por José Romero
Araújo Cardoso[1] e Marcela
Ferreira Lopes[2]
Quando da formidável marcha do bando de Lampião pelas veredas do oeste potiguar,
intuindo objetivo maior, qual fora, atacar Mossoró, na época já considerada a
segunda cidade do estado do Rio Grande do Norte, nenhum lugarejo sofreu mais
que a localidade de Boa Esperança (hoje município de Antônio Martins).
Em 12 de junho de 2015 estivemos visitando a aprazível cidade, quando
constatamos que continuam vivas as marcas deixadas pelo sinistro bando, não
obstante mais de oitenta anos assinalarem a verdadeira faina maldita que deixou
sinais evidentes de que as tristes horas jamais se apagarão da memória da
simpática gente, embora a maioria não estivesse presente naqueles fatídicos
momentos de terror e apreensão, tendo em vista que os mais velhos se
responsabilizam pela transmissão dos fatos verificados naquele longínquo ano de
1927 .
Conversando com pessoas do lugar, houve ênfase ao que literato como Raul
Fernandes, em A marcha de Lampião: Assalto a Mossoró, imortalizou em letras
garrafais, pois, transmitidas de geração a geração, as histórias da presença do
bando de Lampião em Antônio Martins denotam a perpetuação da memória sobre os
mais absurdos atos ignominiosos perpetrados pelo banditismo rural sertanejo
contra a indefesa população do lugar.
Boa Esperança em seu bucólico cotidiano esperava a banda da vizinha cidade de
Martins, pois aproximava-se a festa do padroeiro Santo Antônio. Ao invés dos
acordes amistosos, executando músicas tradicionais e conhecidas, despontou
célere o bando de Lampião.
O lugarejo passou a ser literalmente revolvido, com cangaceiros se apossando de
tudo e de todos, destruindo tudo que encontravam pela frente e praticando atos
deliberados de vandalismo.
Cidadão de nome Vicente Lira foi aprisionado quando chegava à cidade. Lampião
em pessoa colocou-o na frente da alimária. Pisoteado nos pés pelo animal
montado pelo rei do cangaço, Vicente Lira segurou firme nas rédeas. Lampião não
gostou, tendo desferido diversas cutiladas do seu punhal de lâmina perfurante
no desditado sertanejo. Escapou
milagrosamente, tendo morrido de morte natural muitos anos depois.
Irmãos que há tempos não se falavam foram amarrados em formigueiro. Seresteiro
descontraído teve o violão enfiado cabeça a dentro, ficando o mesmo como
espécie de colarinho. Melancias foram atiradas contra frágeis cabeças, enquanto
pulos do gato foram ensaiados, os quais consistiam em atirar para cima
infelizes criaturas, para que as mesmas conseguissem, sem sucesso, a mesma
performance dos cangaceiros quando das lutas nas caatingas.
Conceituado cidadão de nome Augusto Nunes teve armazém depredado, queimado,
destruído na expressão literal do termo. Prejuízo incalculável que colocou por
terra anos de trabalho árduo.
A esposa deste, de nome Rosinha Novaes, era preparada para seguir o bando, como
refém. Já estava em cima de um burro quando gritou desesperada que se fosse na
terra dela aquilo não aconteceria.
Indagada sobre qual terra era natural, tendo respondido ter nascido em Floresta
do Navio, berço de cangaceiros e coiteiros, pertencente ao ramo dos Novaes,
prima de Emiliano Novaes, serviu de senha para que o suplício maldito
terminasse.
Lampião, avisado por Sabino Gório sobre a presença de uma pessoa da família
Novaes em Boa Esperança, deu por encerrada a sessão de horror perpetrada pelos
cangaceiros contra aquele povo pacato e trabalhador.
Boa Esperança deveu muito a Dona Rosinha Novaes pelo fim do terrível sofrimento
que foi imposto pelo bando de Lampião quando de sua passagem inglória pelo
simpático lugarejo.
A memória da população está acesa no que diz respeito aos malditos momentos que
seus antepassados passaram nas garra do bando de Lampião, pois é consenso geral
as amarguras deixadas pela horda comandada pelo mais audacioso cangaceiro de
todos os tempos.
[1] José Romero Araújo
Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em
Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA/UERN).
[2] Marcela Ferreira Lopes.
Geógrafa-UFCG/CFP. Especialista em Educação de Jovens e Adultos com ênfase em
Economia Solidária-UFCG/CCJS. Graduanda em Pedagogia-UFCG/CFP. Membro do grupo
de pesquisa (FORPECS) na mesma instituição.
Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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