*Rangel Alves
da Costa
As flores
sempre serão flores, desde o broto vicejante à primeira pétala surgida, desde o
seu completo florescer ao seu desvanecer na existência. Flores que brilham e
encantam perante o olhar, flores que continuam vivas na recordação.
E para dizer
que não falei das flores, a elas retorno noutro sentido. Não mais para dizer de
seus encantos e formosuras, suas inspirações e poesias exaladas, mas para falar
sobre aquelas que não mais estão em jardins, jarros ou buquês, mas continuam
existindo com mesmo perfume e fulgor.
As flores são
eternas, já disse o poeta. E sua eternidade está na representação, na sua
simbologia, não na sua vivacidade de toque e perfume. Flores de plástico que
também são flores, flores murchas que também são flores, flores de adeuses e
saudades que também são flores.
As flores
mortas aqui representadas são aquelas mesmas flores do jardim da memória, do
pensamento, da saudade, da nostalgia. Flores mortas que ainda são visíveis ao
lado das molduras dos entes queridos, nos jazigos sem flores, nos instantes de
tristeza e solidão onde o olhar somente avista réstias floridas de um tempo que
já não existe.
Volto-me,
assim, às flores mortas, aquelas cuja significação será eterna e terão sempre a
mesma beleza daquelas que surgem a cada manhã primaveril. Flores mortas que
sumiram no tempo, que foram levadas pela ventania, que ao pó do jardim
retornaram, mas que ainda assim continuam vivas e pulsantes.
Muito eu já
disse sobre as flores vivas, sobre aquelas flores após as janelas, nos jardins
de além, nas praças de um lugar, nas floriculturas enfeitadas. Mas tão menos
vivas que as flores mortas, eis que tais flores vivas permanecem somente até o
instante dos usos que a elas se dê. Diferente com as flores mortas, que sempre
permanecem tão belas e tão dolorosas.
Assim, pra não
dizer que não falei das flores mortas é que me alimento a falar das saudades e
recordações por elas representadas, é que me animo a dizer de seus simbolismos
ante os instantes passados, ante as lágrimas acompanhadas de flores, ante os campos
abertos com suas pétalas solitárias ladeando cruzes e túmulos.
Pra não dizer
que não falei das flores mortas, ainda hoje muitas avistei além da janela. Não
havia jardim, canteiro, vaso ou plantação, mas elas estavam lá como noutros
tempos de manhãs e cantos passarinheiros. Flores mortas que surgiam ao meu
olhar como se o instante, pálido e feio, tanto necessitasse de suas presenças.
Pra não dizer
que não falei das flores mortas, eis que sinto em cada saudade um buquê
florido. Terna e tristonha é a recordação quando as flores não existem mais ao
lado da mesinha do quarto ou por cima de algum móvel da sala de estar. Ao lado
dos porta-retratos aquelas rosas e aqueles jasmins que hoje ainda perfumam a
lembrança.
Pra não dizer
que não falei das flores mortas, não há como não entristecer pela ausência das
flores vivas e ter de se contentar com as flores de plástico sobre o umbral da
janela. Mas as flores mortas, que sempre suprem a ausência das flores vivas,
ainda contentam a memória pela significação no passado. É o pensamento que vai
novamente colhendo cada flor de esperança.
Pra não dizer
que não falei das flores mortas, pergunto-me então o que esteja vivo. Sim, o
que está vivo? Mesmo flores acaso existentes em profusão pelos jardins adiante
ou nos jarros enfeitados das residências, nenhuma importância terão se não
forem sentidas e vivenciadas na sua essência. Diferentemente dos motivos do
passado, hoje em dia pouco ou tanto faz uma rosa ou um espinho.
Para não dizer
que não falei das flores mortas, talvez nelas esteja a única vida dos túmulos.
E por que as flores ali existem, então nada morre, nada perece, nada é esquecido
de vez. E quando as flores murcham então os olhos encontram o próprio
significado da vida e sua frágil transitoriedade. E faz da saudade, da vontade
de vida, o apego maior à existência. Por isso mesmo que as flores nunca morrem
totalmente.
Pra não dizer
que não falei das flores mortas, eis que digo do canteiro solitário de agora em
comparação aos vastos campos floridos de outros tempos. Desde o nascer ao final
da adolescência, todo o viver parece sempre aromático e perfumado, nutrido de
flores viçosas e belas. Depois disso também, mas raros lírios e jasmins sobre a
mesa da existência. Até chegar um tempo de flores de plástico. E de nenhuma
flor.
Repousa,
então, seu olhar também sobre as flores mortas. O passado é vida. Nele o
caminho ao jardim mais belo que já existiu. E nele encontrará sua mão colhendo
uma rosa nova para o seu amor. Sentirá saudade, sim. Mas necessário que seja
assim. Comprova-se que as flores mortas nunca morrem em você.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário