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domingo, 7 de fevereiro de 2021

PALAVRAS VERDADEIRAS DO CAPITÃO LAMPIÃO AO MÉDICO OTACÍLIO MACEDO NO JUAZEIRO DO NORTE EM MARÇO DE 1926

 Por José Mendes Pereira


Alguns amigos que ainda não conhecem bem o Virgolino Ferreira da Silva ao ler estas respostas dadas por Lampião, ao médico e jornalista de Crato Otacílio Macedo, ficam crente que não é verdade, que estas palavras foram ditas pelo cangaceiro Lampião. Mas ponha crença nisso amigo leitor, pois é mais do que verdade. Em uma visita feita pelo futuro capitão Lampião ele cedeu o que segue ao médico Macedo. Vejamos o que ele falou ao jornalista:

Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva e pertenço à humilde família Ferreira, do riacho de São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai sendo constantemente perseguido pela família Nogueira e por José Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Água Branca, em Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição. Em Água Branca foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueiras e Satunino, no ano de 1917. Não  confiando na ação da justiça pública – porque os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes – resolvi fazer justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas para matar e efetivamente consegui desimá-las consideravelmente.

 Já pertenci ao grupo de Sinhô Pereira, a quem acompanhei durante dois anos. Muito me afeiçoei a esse meu ex-chefe, é um leal e valente trabalhador, tanto que, se ele voltasse ao cangaço, iria ser um seu soldado. 

Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas e uma pequena parte do Ceará. Com as polícias desses Estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é a polícia disciplinada e valente que muito cuidado me tem dado; a da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente. Atualmente, existe um contingente de força pernambucana de Nazaré que está praticando as maiores violências, mais parecendo à força paraibana.

Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira do Pajeú é quem me tem protegido mais ou menos. Todavia, conto em toda parte com bons amigos que me facilitam tudo e me escondem eficazmente quando acho que estou sendo perseguido pelos governos. Se não tivesse necessidade de procurar meios para manutenção dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser descoberto pelas forças que me perseguiam. De acordo com meus protetores, só um me traiu miseravelmente. Foi o coronel José Pereira de Lima, chefe político de Princesa, homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão”. 

Consigo meios para manter o meu grupo pedindo aos ricos e tomando à força aos usuários que miseravelmente se negam a prestar-me auxilio.” 

Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem dado para as vultosas despesas do meu pessoal – aquisições de armas e munições. Convido notar que muito tenho gasto com a distribuição de esmolas aos necessitados.

Não posso dizer ao certo o número de combates em que já tive envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos. Também não posso informar com segurança o número de vítimas que tombaram sob a pontaria adestrada e certeira do meu rifle. Entretanto, lembro-me, perfeitamente, de que além de civis, já matei três oficiais de policia, sendo um de Pernambuco e dois da Paraíba. Sargentos, cabos e soldados eram-me impossível guardar na memória os que foram levados para o outro mundo. 

Tenho conseguido escapar a tremenda perseguição que me movem os governos, brigando como louco e correndo como veado quando vejo que não posso resistir ao ataque. Além disso, sou muito vigilante e confio sempre desconfiando, de modo que dificilmente me pegaram de corpo aberto. Ainda é de notar que tenho bons amigos por toda parte e estou sempre avisado do movimento das forças.

Tenho também um excelente serviço de espionagem dispendioso, embora utilíssimo. 

Tenho cometido violência e depredações vingando-me dos que me perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar famílias por mais humildes que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.

Até agora não desejei abandonar a vida das armas com a qual me acostumei e sinto-me bem. Mesmo que não fosse, não poderia deixar essa vida por que os inimigos não se esquecem de mim e por isso eu não posso deixá-los tranqüilo. Poderia retirar-me para um lugar longínquo, mas julgo que seria uma covardia, eu não quero nunca passar-me por covarde. 

Gosto geralmente de todas as classes. Aprecio de preferência as classes conservadoras – agricultores, comerciantes, etc. – por serem homens de trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres, por que sou católico. Sou amigo dos telegrafistas, por que alguns já me têm salvado de grandes perigos. Acato aos juizes por que são homens de lei e não atiram em mim. Só uma classe que eu detesto: é a dos soldados, que são os meus constantes perseguidores. Reconheço que muitas vezes me perseguem por que são sujeitos a isso. E é justamente por essa causa que ainda poupo alguns quando os encontros fora da luta. 

A meu ver, o cangaceiro mais valente no Nordeste foi Sinhô Pereira. Depois dele, Luiz Padre. 

Penso que Antônio Silvino foi um covarde que se entregou as forças do governo em conseqüência de um pequeno ferimento. Já recebi ferimentos gravíssimos e nem por isso me entreguei à prisão. 

Conheci muito José Inácio, do barro. Era um homem de planos, e o maior protetor dos cangaceiros do Nordeste, em cujo convívio sinto-me feliz.

Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre esses, um na cabeça, do qual só por um milagre escapei. Os meus companheiros também: vários deles têm sido feridos. Possuímos, porém, no nosso grupo, pessoas habilitadas para tratar dos feridos, de modo que sempre somos convenientemente tratados. Por isso estou forte e perfeitamente sadio, sofrendo raramente, ligeiros ataques reumáticos. 

 Desejava andar sempre acompanhado de um numeroso grupo. Se não organizo conforme o meu desejo é porque me faltam recursos materiais para compra de armamentos e manutenção do grupo – roupa, alimentos, etc. este grupo que me acompanha é de quarenta e nove homens, todos bem armados e municiados e muito me custa sustentá-lo como sustento. Meu grupo nunca foi reduzido, tem sempre variado de quinze e cinqüenta homens.

Sempre respeitei e continuo a respeitar o Estado do Ceará por que nele tenho muitos amigos, nunca me fizeram mal e ainda por que é o Estado de Padre Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por esse sacerdote, porque é o protetor dos humildes e infelizes e, sobretudo, por que há muitos anos protege as minhas irmãs que moram em Juazeiro. Tem sido para elas um verdadeiro pai. Convém dizer que ainda não conhecia pessoalmente o Padre Cícero, pois essa é a primeira vez que venho a Juazeiro.

Tive um combate com os revoltosos da Coluna Prestes entre São Miguel e Alto da Areia. Informados de que eles por ali passavam e – sendo eu legalista – fui atacá-los, havendo forte tiroteio. Depois da grande luta e estando apenas com dezoito companheiros, me vi forçado a recuar, deixando diversos inimigos feridos. Vim agora ao Cariri, porque desejo prestar meus serviços ao Governo da nação. Tenho o intuito de incorporar-me às forças patrióticas do Juazeiro e com elas oferecer combate aos rebeldes. Tenho observado que, geralmente, a s forças legalistas não têm planos estratégicos e daí o insucesso de seus combates que de nada tem valido. Creio que, se aceitarem os meus serviços e seguirem os meus planos, muito poderíamos fazer. 

Estou me dando bem no cangaço e não pretendo abandoná-lo. Não sei se vou passar a vida toda nele. Preciso trabalhar ainda uns três anos. Tenho que visitar alguns amigos, o que ainda não fiz por falta de oportunidade. Depois, talvez me torne comerciante”.

 http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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