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sexta-feira, 6 de maio de 2022

O VELHO RETRATISTA DO ANTIGO MERCADO

 Por José Cícero

Muitos o tinham simplesmente como 'o retratista'. Outros, o chamavam apenas de 'o batedor de chapa ou de retrato'. Era como se o mesmo não tivesse um nome de batismo. O termo fotógrafo, ainda era pouco usado naquela época pela maioria da população da minha antiga cidadezinha. Coisas de uma M. Velha passado, que hj não existe mais.

Embora já tivéssemos o famoso foto Saraiva do Crato, como ainda, seu Basílio, Gilvan Duarte e Pio Luna. Decerto, apenas os dois últimos tive o prazer de conhecer. O primeiro, apenas pelas narrativas domésticas da minha mãe como por meio das suas fotografias em preto e branco e em papel. Lembro que também já existiam os famosos binóculos(monóculos) coloridos.

Falo do homem quase místico que ficava todas as segundas-feiras com sua lambe-lambe montada sobre um tripé de madeira no portão lateral do velho mercado das confecções que ficava quase em frente a residência de seu Rubens, depois da farmácia Popular de Zé Landim. Mais precisamente entre o café de Toinha de Valentin e a loja dos Quinderés (dona Vicência).

Menino curioso e provinciano, às vezes eu descia da rua Epitácio Pessoa (onde eu morava) no dia da feira, somente para contemplar de perto aquele homem esquisito e de poucas palavras a realizar o seu bonito ofício de retratista. Para mim ele não era apenas um batedor de retrato, mas um grande mágico. De modo que eu achava bonito e profundamente interessante aquele processo quase divino de congelar o tempo e a imagem em 3x4 das pessoas... primeiro diante de um objeto de madeira e pano puido. Depois mergulhando um retalho de papel negativo numa bacia de porcelana cheia de água. Deslumbrado eu achava encantador ver as imagens sendo depuradas paulatinamente. Ganhando contorno e nitidez até a sua forma final. E quando o negativo não funcionava era descartado e eu o levava para casa para brincar de fotógrafo de lambe-lambe.

Um dia minha mãe me levou para que eu fosse retratado por ele. Fiquei literalmente em êxtase. Era uma foto para minha ficha escolar quando adentrei o grupo Novo, o então colégio Francisco Arraes Maia que ficava à margem da linha do trem nas proximidades da indústria Linard entre o antigo Gesso do triângulo de reversão da Reffesa, a rua do besouro e a casa de Zé Leandro.

Ele metia a cara e as mãos naquele tubo de tecido e madeira. Mexia alguma coisa na sua estranha máquina lambe-lambe e no final, saía algo inusitado que, sobre o incrível milagre da bacia d'água ganhava forma no papel.

Recebi a minha foto. Mamãe disse-me que ficara boa, mas eu não. Achei-me parecido demais com o anão que naqueles anos atuava no famoso seriado de TV chamado de A ilha da fantasia. Mas eu estava feliz pq finalmente fui retratado pelas famosas objetivas do homem retratista do portão do mercado. Nunca soube do seu nome e tampouco de onde era e até hoje que fim o levou. Confesso que vivi e nunca esqueço aqueles momentos.

E, como tudo que existe de uma maneira ou de outra está condenado a ser história, memória ou a cair de vez no esquecimento total, eu recordo e escrevo aqui. Porque no fundo, só o que é lembrado com saudade e emoção poderão ser eterno.

José Cícero

M. Velha

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