Por: Rangel Alves da Costa
A COR DO VENTO
Não imagine que a cor do vento é a tonalidade da fumaça, da fuligem, da poeira ou do pó. O vento possui uma cor muito própria, invisível no ar e somente refletida no olhar.
Na verdade, o olhar apenas visualiza a matiz do momento, pois a cor do vento é trabalhada, produzida, pigmentada, bem no âmago de cada pessoa. Somente a pessoa, na junção de seu estado espiritual com a placidez de sua alma, pode definir a aura que vem e passa adiante.
Conceituando vento talvez seja mais fácil dizer como a sua cor se forma em cada um. Afirmam, pois, que o vento é o ar se deslocando de um ponto a outro, de uma região de pressão atmosférica maior para uma menor; é o ar em movimento, soprando com maior ou menor intensidade em uma direção.
Seria ou não o espírito uma região de alta pressão atmosférica? Ora, a mente, enquanto portal do espírito exerce constante pressão sobre o indivíduo. Desse modo, a força exercida, fruto principalmente daquilo que se costuma denominar estado de espírito, faz a pessoa sentir a brisa ou a rajada e dar cor ao vento, através do olhar.
O pé de vento dá seu primeiro passo distante, bem atrás, muito mais atrás das montanhas, e vem cortando a estrada do espaço ainda invisível. Nasce misteriosamente oculto e assim permanecerá se no percurso não encontrar alguém que lhe dê uma cor. Passando por uma janela fechada será apenas vento, pois nenhum olhar entristecido ou cheio de alegria modificará seu significado.
É preciso, então, que o vento que vem e que passa tenha significado para ganhar cor. É preciso saber, porém, que o significado que ele terá já é preexistente no indivíduo, já está formalizado na mente, já está espelhado na alma. Desse modo, mesmo ainda distante já terá uma feição, por exemplo, de saudade, de relembrança, de fazer a pessoa pensar em coisas alegres ou tristes.
Se a mente está voltada para a espiritualidade enquanto fé e devoção, a cor do vento virá em tonalidade ocre, acinzentada, como retalhos e páginas de um tempo muito distante: “Ele inclinou os céus e desceu, calcando aos pés escuras nuvens, cavalgou sobre um querubim e voou, planando nas asas do vento” (Samuel 22, 10-11); “Queres, então, assustar uma folha levada pelo vento, ou perseguir uma folha ressequida?” (Jó 13, 25); “Agora já não se vê a luz, o sol brilha através das nuvens; passe um golpe de vento, e ele as varrerá (Jó 37,21)”.
Se o espírito está tomado de saudade e o corpo tremula sentindo a falta confortante de alguém amado, então o vento chegará mais forte e já será ventania de cor escurecida, em tons marrons, quase enegrecidos. E geralmente vem acompanhado de fuligens de tantos momentos idos e agora revividos no toque cortante na pele, no açoite no olho, no desconforto que dá.
Se o espírito está desalentado, a mente cheia de angústia se enche de desesperança e aflição, então o vento terá a descoloração da própria água, pois tudo que poderá ser avistado já está encoberto, enuviado, transbordando na lágrima que brota. Vento sem cor, incolor, mas com gosto de sofrimento e o sabor amargo da desesperança.
Se o espírito está pronto para a chegada de alguém ou mesmo imaginando que determinada pessoa possa logo aparecer, então a cor que se formará logo adiante, ainda nos vãos dos descampados, será a da feição da própria pessoa. Se for mulher, por exemplo, será um vento bonito, de lábio rosado, semblante vivaz, pele morena, olhos de negrume retinto, cabelos esvoaçantes como o próprio vento.
Na tristeza da solidão surgirá um vento medonhamente entrecortado por muitos matizes incompreensíveis, pois virá num turbilhão que fará fechar a janela para sentir a negra cor; no abandono surgirá um vento com tonalidades ilusórias, mentirosas ao olhar, e este desesperadamente imaginará enxergar qualquer coisa que venha pelo ar, pela estrada, por qualquer lugar, para confortar o coração angustiado.
Mas é na alegria que a cor do vento é mais visível, surgindo mais forte, mais encantadora. Alguns pensam que é arco-íris, outros pensam que é uma pintura no ar, mas é apenas uma confortante brisa de paz e felicidade. E é por isso que a janela fica sempre aberta esperando essa aragem chegar.
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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