Por: Rangel Alves da Costa
DE PÉS DESCALÇOS
Dizem que os espinhos da estrada são como pontas de canivetes famintos, que as pedras que se espalham na terra causam tormentos terríveis, que as miudezas cortantes que estão por todo lugar ferem a pele e adentram o solado.
Sobre tudo isso já sei e ainda assim joguei bem longe minhas sandálias de couro cru para deixar em nudez os meus pés, descalços para o longo caminho que tenho de seguir. Quem dera o chão pisado ser espelho de cada passo.
E os meus pés, acostumados que são a andar calçados e protegidos por todo lugar, sobre terra, pedra e asfalto, terão de se acostumar com a penitência de provar na dor o sabor do encontro.
Partirei assim que o sol se esconder, a vermelhidão sumir atrás de sua porta e os primeiros sinais da noite surgirem. Sem o queimor do sol, sem o calor escaldante, com a brisa do anoitecer talvez seja mais fácil andar.
Certamente que sem o sol açoitando, revirando tudo que há debaixo e por cima da terra, as pedras e os espinhos do caminho procurarão descansar dos ferimentos provocados em outros pés ao longo do dia.
Mas certamente também nem todos repousaram satisfeitos no leito da escuridão. Pedras, espinhos, garranchos e outros cortantes existem que continuam esperando a passagem de outros pés no mais alto negrume e madrugada adentro.
Sabem que são esses pés que trazem consigo os passos dos atormentados, dos penitentes, dos pecadores, dos que fazem da provação uma forma de redimir suas culpas e aliviar as dores e os tormentos que afligem o coração.
Quantos pés descalços não já feriram, lanharam, cortaram, fizeram sangrar nessa condição? Ora, a pessoa que segue acha apenas que pisou num espinho, numa ponta de pedra, quando vai deixando pra trás as marcas avermelhadas de seus erros.
Mas também não sei se a noite será menos dolorosa. No luminar do dia ainda se avista tudo ao redor, os percalços e os perigos, e principalmente os perfurantes que tentam se esconder à espreita. Na noite tudo é diferente.
Sem outra luz senão a da lua e do que possa enxergar o olhar, os meus pés descalços não pisarão noutra coisa senão na mais afiada ponta. É sempre assim quando se caminha arriscando a sorte para sofrer menos.
Haverá um laivo de sangue que brota, uma ferida aberta, uma chaga na pele, um lanho que se abra num pequeno fio, um espinho que adentra, um espinho que fica, um espinho cuja pontada fará aguçar ou perder os sentidos.
Mas qual o sentido mesmo dessa dolorosa viagem, de pés descalços, em meio ao anoitecer e seguindo adiante até onde o passo possa chegar? Por que caminhar na dor, procurar no sofrimento esse encontro?
Já faz muito tempo que deixei de te olhar com o mesmo espelho de seu olhar de paixão. Sua doçura, ternura e carinho eram para mim estranhezas numa relação apenas suportável para mim.
Não era nem minha esposa, minha mulher, apenas uma namorada que sempre quis ser companheira, amiga, amorosa e compreensiva amante. Ora, pensei ter as minas de ouro, as riquezas da vida, o baú cujas chaves repousavam às minhas mãos.
Pensei ser dono de tudo, dono do mundo, e principalmente de você. E por ser dono a deixei num canto esquecida e repreendi assim que me lançaste um olhar e uma palavra. E mandei ir embora, sair porta afora, achando que voltaria num grito.
Ontem gritei, hoje desesperei, não suportei mais a ausência. Apenas vi quando seguiu pela estrada, entrou na curva do caminho e sumiu. Onde estará o meu amor agora, onde estará agora aquela que precisa ouvir minha confissão e o meu pedido de perdão?
Não sei, mas juro que irei encontrá-la. Por isso estou de pés descalços, já pisando em pedras e espinhos. E quem sabe confessando o amor verdadeiro ela não me ajude a sarar de tantas feridas.
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Postado por:
blog do mendes e mendes
Nenhum comentário:
Postar um comentário