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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

EIS-ME AQUI! (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

EIS-ME AQUI!
Estava decidido, arrumei as malas, planejei o passo de cada passo e sua sombra, mas acabei desistindo, e continuo aqui. Abri novamente a janela, reguei as plantas, coloquei comida pros passarinhos, disse ao silêncio que conversaria depois.
E decidi não partir por vários motivos. Só tenho essa casinha pequena, esse casebre ao pé da serra encantada, e não posso simplesmente deixar o que tenho ao desvão. Preciso destruir a cumeeira e retira o telhado. Só quero o tempo, a lua, a chuva, o sol e vento por cima de mim.
Não posso esquecer-me de arrancar a janela e as duas portas, a da frente e a de trás. Não quero nada que me tranque, me feche, me guarde. Como não tenho tempo nem dou atenção a coisa ruim, então tudo que quiser chegar pode ir logo entrando de porta adentro que ouvirá o meu dedo de prosa, mas também o meu silêncio e a melodia que chega no vento.
Tenho muito ainda a fazer por aqui, só agora me dei conta. Preciso ainda deitar na rede e sonhar os sonhos que me prometi e ainda não sonhei, tenho que procurar barro lá no barreiro e fazer um pote e uma moringa novos, necessito puxar a mata um pouquinho mais pra cá que é pra os bichos se ajeitarem por cima dos móveis que não possuo.
Preciso mudar urgentemente a curva do vento e a hora que começa o entardecer de verdade. O vento está passando distante, soprando longe da minha janela, não quer mais entrar pela minha porta, está procurando inimizade comigo. Se eu antecipar o entardecer, coisa fácil demais de fazer, então o danado soprante não vai mais ter desculpa de que passa longe porque vai apressado demais.
Também vou derrubar o varal, retirar os dois pedaços de paus e o arame. Vou deixar a roupa secando mesmo por cima das pedras do riachinho, e aí não vou ter trabalho de tomar banho acolá e vestir roupa aqui. Estando tudo lá, então só é lavar a que tiro, estender depois da limpeza e em seguida escolher a roupa que quero vestir. Por isso vou deixar lá um pente também, pois o espelho não há de faltar na água cristalina.
Tenho um velho baú que precisa ser desenterrado debaixo da umburana que fica defronte ao casebre. Deixei lá abaixo de alguns palmos de terra porque queria ver enterrado alguns escritos cheirando a limão, a charuto e à solidão. Minha vida de escrivinhador está todinha ali. Versos de desamor, cantigas de relembranças, crônicas irrealistas, contos de tanto faz.
Mas o mais importante ali não são os escritos. Estes se reescrevem sozinhos, mas sim as cartas, bilhetes, pedaços de papel e fotografias de um tempo ido. Fui menino e era tão diferentemente bonito, segundo o velho e amarelado retrato. Tive família um dia, uma mãe sorrindo e alegre, um pai ternamente resoluto, como se pode ver no velho cartão retratado. E tive amores perfeitos, desfeitos e insatisfeitos. Em cada cartinha ou bilhete se lê um tanto gostar, e até amar, pra depois dizer adeus.
Por tudo isso resolvi ficar, e eis-me aqui. Mas minha permanência tem outras motivações que há muito atinam meu juízo, consomem os meus dias, me deixam danado de preocupado. Eis que ouvi dizer que algumas pessoas que vivem mais adiante, que moram na cidade grande, precisam urgentemente conversar com alguém. O mais estranho é que moram com suas famílias, amigos, companheiros, ao lado de tanta gente, e não conseguem conversar com ninguém.
E como eu gostaria de conversar com essas pessoas, ter um dedo de prosa com cada uma. Mesmo sem conhecer profundamente suas histórias, seus temores, alegrias ou desilusões, diria que nem precisavam conversar comigo para serem ouvidas. Ora, os outros são absolutamente desnecessários para alguém confessar qualquer coisa boa ou ruim, dizer qualquer coisa de sua vida. Não há nada que mais saiba ouvir do que a própria pessoa, não há nada mais realista do que o próprio indivíduo consigo mesmo, e basta um espelho para confirmar tudo que se confessou, que se conversou, que obteve como resposta.
E fizessem como eu, que prefiro o silêncio da solidão à falsa presença. E sou tantos em mim, tantos comigo mesmo, que somente vivendo sozinho para ter espaço para quem verdadeiramente amo. Que humanamente sou eu mesmo. E se outra pessoa quiser ser mais uma em mim, eis-me aqui.

Rangel Alves da Costa* 
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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