Por: Honório de Medeiros
Muito poucas foram as vezes em que entrei em uma livraria sabendo o que buscava.
Ao contrário. A grande maioria das vezes entrei somente pelo prazer de entrar, de ver, de sentir o cheiro dos livros, de ouvir o murmúrio de outros apaixonados como eu para quem eles foram, desde sempre, um grande amor.
Do nomundodoslivros.com
Poucas vezes saí sem nada nas mãos. Sempre – e isso é o que importa neste relato – fui buscado por algum ou alguns livros.
Sim, porque são eles que nos escolhem. Como poderia ser diferente se outra explicação não há para esse amor que surgiu quando minha mãe me colocava para dormir lendo estórias em quadrinhos do Pato Donald, enquanto nos balançava na rede, e, um dia, para sua surpresa, me pegou soletrando as sílabas?
Os livros dos meus vizinhos, abandonados, valeram-se de mim para saírem de sua solidão – em minha casa sequer Bíblia existia.
Os livros, ah!, os livros, eles nos escolhem, e da minha infância para a meninice, lá estavam eles: “O Mundo da Criança”; “O Tesouro da Juventude”; e, depois, logo depois, Julio Verne, Alexandre Dumas, Victor Hugo, Edgar Rice Burroughs, Karl May...
Pois bem, é como digo, os livros nos escolhem. Chegam a nós das mais estranhas maneiras, desde o presente de um amigo, que pensa ter acertado na escolha por um motivo qualquer, muito embora tenha acertado por outro totalmente diferente, a aquele decorrente do inexplicável oferecimento visual ocorrido quando, cansados de perambular pela livraria, nos sentamos em uma poltrona, a única vaga, e – como se fosse algo inesperado – aquele livro que nos escolheu aparece imediatamente no nosso campo visual.
Não há como resistir. Ele estava nos esperando. Agradecidos pela escolha pegamo-lo carinhosamente, e o folheamos, sentimos seu cheiro inigualável, sua textura, passamos uma vista d’olhos por suas páginas e o levamos conosco, ambos muito felizes.
Assim aconteceu certa noite quando, em um aeroporto qualquer, aguardando a hora de embarcar e vagando pela livraria, já imaginando que daquela vez eu teria que me contentar com as revistas – fraco sucedâneo – meus olhos foram atraídos por “Os Devaneios do Caminhante Solitário”, de Rousseau!
Quantas e quantas vezes não falara acerca do “Contrato Social” para meus alunos de Filosofia do Direito, ao lhes explicar em que crença se fundava nosso fé no Ordenamento Jurídico enquanto expressão da Vontade Geral da Sociedade. Antes Rousseau que Niklas Luhmann. Antes Rousseau, que dera um lavor inigualável à genial intuição de Protágoras de Abdera...
Agora, ali, outra vertente desse mal-amado e original filósofo francês, me convidava a, com ela, travar conhecimento. Abri o livro ao acaso. Li o que se me ofereceu aos olhos: “É dessa época que posso datar minha total renúncia ao mundo e esse gosto vivo pela solidão que não me abandonou desde então.”
“Como?”, me indaguei, “Vila-Matas escreve toda uma obra, Doutor Pasavento”, em homenagem à arte de desaparecer, que é a face mais exposta da renúncia, usando como pano-de-fundo a história de Robert Walser, e não cita Rousseau?”
Segurando firmemente o livro de Rousseau tomei o caminho que me conduzia ao caixa para compra-lo e, em seguida, feliz por ter sido escolhido, entrar no avião onde me esperavam algumas horas de voo e de leitura.
Extraído do blog do professor e pesquisador do cangaço:
Honório de Medeiros
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