Palavras de Dona Cyra Britto
“Eu nunca tive medo de nada, pois quando criança estava acostumada a me esconder no mato, fugindo dos cangaceiros que ameaçavam meu pai. Até que veio aquele dia em que meu marido, ajudado pelo
tenente Ferreira e o sargento Aniceto, encontrou Lampião na serra de Angico e o abateu inclusive Maria Bonita. Isso foi em 1938. Nós sabíamos que a família de Pedro de Cândida (Pedro de Cândido - segundo o escritor Alcino Alves da Costa), acoitava Lampião. Pedro ia sempre lá em casa, para colher informações e passá-las ao bandido. Certa vez, ele chegou, dizendo que Lampião estava para os lados Moxotó, em Pernambuco. Era mentira e Bezerra logo percebeu isso, e para despistar, meu marido foi com a tropa para cidade de Pedra. O sargento Aniceto ficou em Delmiro Gouveia, à espera de notícias.
Depois de Bezerra partir, chegou um caboclo amigo nosso, contando que Lampião tinha sido visto perto de Angico. Imediatamente passei um telegrama para o meu marido e outro para Aniceto, em Delmiro Gouveia. Eles, imediatamente, dirigiram suas volantes para Piranhas, onde embarcaram em canoas pequenas, amarradas umas às outras com a finalidade de levar mais soldados. Quando Bezerra saiu à caça de Lampião, a noite estava enluarada e bonita. Senti muito medo, mas confiava em meu marido e na sua vitória. Fiquei ao lado de um soldado doente, até às quatro da madrugada. Ele acordou esperou e me disse: Dona Cyra, o Capitão Bezerra entrou em combate. Estou ouvindo o tiroteio. A cidade entrou em polvorosa. Quando amanheceu, todo mundo assustou-se com o estampido de um tiro. Será que o bando de Lampião estava tão perto assim? Corri para fora de casa e soube então que um homem ao carregar uma arma disparou-a acidentalmente, ferindo a mulher. Fui à casa deles e encontrei a coitada quase morrendo, suplicando que não prendessem o marido. Depois, ela apagou. No meio daquela agonia, chegou um rapaz dizendo que vinha rio abaixo uma canoa cheia de homens. Pedi para ele ir até a margem do Rio São Francisco, para ver se Lampião havia fugido. Nesse caso, ele deveria voltar e avisar a gente na cidade. Se desse tempo, nós fugíamos. Fui para casa e fiquei esperando os acontecimentos. Já ouvia barulhos estranhos por toda cidade. Eram tiros e gritos. Eu não entendia nada daquilo. Mas pensava: “Se o rapaz não voltou, talvez Lampião o tivesse pegado e agora o bandido está entrando na cidade.”. Fui para a calçada da casa, à espera do pior. Um grupo de homens surgiu no fim da rua. Na frente deles, eu vi Bezerra, caminhando todo ensanguentado. Atrás vinham os seus soldados, trazendo cabeças seguras pelos cabelos. Foi o quadro mais horrível que presenciei na vida. Corri para dentro, apavorada, e me debrucei no berço da minha filha. Não conseguia tirar as mãos do rosto. Foi quando senti entrar gente no meu quarto. Era Bezerra. Ele disse: “Minha filha, venci. O Cego está morto. Venha ver”. Mas eu não tinha coragem de tirar as mãos do rosto. Bezerra insistia: “Você não quer ver? Olhe, eu estou ferido”.
Finalmente o bandido mais poderoso do Brasil foi morto na madrugada do dia 28 de Julho de 1938, na Grota de Angico, nas terra de Poço Redondo, no Estado de Sergipe.
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