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sábado, 18 de agosto de 2012

UM CACHORRO VADIO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

O melhor amigo do homem está vagando abandonado, faminto, sedento, com o pelo caindo, numa magrez estarrecedora...

O bom amigo do homem, aquele mesmo que ontem era perdigueiro, caçador, farejador sem igual, agora está sendo carcomido pelas pulgas e piolhos, talvez cheio de muitas doenças...

O tão confiável amigo do homem, aquele mesmo que era beijado, abraçado, acariciado, acolhido no colo, deitado no mesmo leito e colocado ao lado na mesma poltrona, já não consegue latir. Está sem forças, sem motivos para continuar cachorro...


Dias atrás foi avistado rondando o lixo nas calçadas, lambendo um resto de resto, um tanto irreconhecível diante da nuvem de moscas que o confundia com a imundície ali se espalhando.

Será que é o mesmo cachorro ou será outro? Será que é o mesmo cão com dono de ontem ou o cachorro abandonado de sempre? Ou será que na solidão e no abandono há de reconhecer que nunca foi de ninguém?

Mas aquele homem que passa adiante, nos arredores onde o cachorro se confunde com o lixo, não será o mesmo homem que saía para a praça ao entardecer levando orgulhoso seu cachorro bonito e tão bem cuidado? Ou será que é outro homem, ou o mesmo homem esquecido que possuía um tão amigo cachorro?

Dependendo da situação, da causa dada ao infortúnio, do desprezo no momento de precisão, quem terá mais valor: o cachorro ou o homem, o homem ou o cachorro, o ser humano ou o cão, a pessoa ou o animal dito irracional?

Deus criou a todos, seres humanos e bichos. Fez o homem à sua semelhança, mas aos bichos deu a semelhança da natureza, de infinita pureza. Pelo dom da racionalidade lógica, o homem submeteu o animal, o bicho, para colocá-lo a seu dispor. E os que lhes são de serventia maior são reconhecidos como grandes amigos.

Quanto ao cachorro, que fareja e caça para lhe dar alimento, que enfrenta o perigo para protegê-lo, que está a seu lado para o que der vier, foi alçado à condição de seu melhor amigo. Mas isto por uma mera questão de conveniência ao humano sempre servido.

O cão, o cachorro, o animal canino como o melhor amigo do homem. Pelo peludo sim, pelo cachorro sempre, pois nunca se assemelhou à falsidade humana. Mas o contrário também é verdade, o homem é o melhor amigo do cão?

O cachorro sim, seja de raça ou vira-lata jamais negou a condição de ser amigo não só do homem como de quem lhe tratar bem. É protetor, atencioso, preocupado, amável, afável, presente, verdadeiro companheiro. E se contenta com muito pouco em troca dessa amizade: o seu reconhecimento.

Mas o que faz o homem, senão usá-lo, fingir amizade e proteção, para depois, quando a idade já estiver mostrando suas garras, quando o animal já estiver perdendo o ânimo e o encorajamento de antigamente, simplesmente abandoná-lo, renegá-lo?

Quantas vezes esse homem resolveu levar seu dito melhor amigo para lugar distante, lugar ermo e de difícil retorno, e lá simplesmente abandoná-lo? E quando o cachorro volta – pois cachorro sempre volta para o seu dono – certamente encontrará a porta fechada, o desacolhimento, a negação.


E não adianta latir, ladrar, solta ganidos de tristeza e dor. Se ontem era o melhor amigo agora não é mais nada; se ontem era o cão tão bem cuidado e admirado, agora não passa de um reles e inoportuno cachorro. E é nesta condição que deverá tomar o seu rumo.

E qual o rumo, o destino, a sina, dos cachorros abandonados, dos vira-latas renegados, dos cães olhados sempre como perigosos doentios? Pergunte ao homem e o homem responderá.

Não, não. Talvez não. Ele passou e viu, ele sentiu a presença, mas fingiu nada ter avistado. Também não precisa mais dar atenção àquilo que não lhe tem mais serventia. Mas o cachorro continuará vagando até o seu silêncio final.

Enquanto isso, o homem estará abrindo o seu canil para morder a esposa que ainda não colocou a comida na mesa. E tanta racionalidade...

(*)Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com



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