Por: Rangel Alves da Costa(*)
A
MORTE DO NOSSO E O QUANTO MORREMOS TAMBÉM
Há três anos
perdi minha mãe, D. Peta, falecida aos 65 anos. Agora no último dia 1º de
novembro perdi meu pai, Alcino, falecido aos 72 anos. Três anos entre uma perda
e outra. Se lá atrás já havia morrido também um pouco, agora morri outro tanto.
O que me resta no corpo que eu possa chamar de vida?
Alcino e dona Peta
Nos momentos
de aflições, naqueles instantes dolorosos da perda, nos chegam os véus
transparentes em palavras de conforto e encorajamento. Véus transparentes
porque sem qualquer poder de verdadeiramente encobrir a dor, o sofrimento, a
sensação de ter morrido um pouco também.
Mas a verdade
é que morremos um pouco todas as vezes que perdemos alguém que na vida era de
suma significação no nosso viver. Nos instante da morte, quando tomamos
conhecimento da triste realidade, tal fato nos arrebata tão profundamente que
até sentimentos que estamos morrendo também.
Ao nos
depararmos com a realidade da perda, talvez a nossa morte não se complete
naquele instante porque ficamos como que paralisados, sem acreditar, ainda sem
a exata dimensão do acontecido. Chega-nos tudo tão rápido, tão inesperado,
ainda que já estivéssemos tendo certeza que aquilo logo aconteceria.
É a força do
impacto, da não-aceitação do inevitável. É instintivo, mas surge a absoluta
recusa em acolher a situação. Mesmo em enfermidades que se prolongam e a
permanência na vida só aumenta o sofrimento do doente terminal, ainda assim
nunca achamos que aquele seria o momento mais apropriado para o seu descanso.
A
não-aceitação ou a negação da morte é o que faz, a partir do despertar para a
realidade, com que aquele que fica se sinta um pouco falecido também. E não
raro a pessoa não fica apenas fragilizado a tal ponto de se sentir definhando,
mas verdadeiramente quer morrer de verdade, naquele instante, de modo a ser
sepultado junto com o corpo do seu.
Tudo provocado
pelo amor sentido, pela afeição, pelos laços sentimentais que ninguém suporta
verem desfeitos. É como se dali em diante não houvesse mais motivos para
continuar vivendo, como se a vida não tivesse mais nenhum sentido sem a
presença daquele que parte. E tudo envolto na dor, na agonia, na aflição, no
mais profundo desespero.
E quando
afirmo que a morte de alguém querido faz com que sentimos que morremos um pouco
também, o faço ainda por outros motivos. E estes de cunho familiar, pessoal, de
apego inseparável. Neste contexto surge a primeira indagação: o que fazer dali
em diante se tudo era tão dependente daquele que se vai?
E mais dois
questionamentos que estraçalham por dentro: Como superar aquela ausência,
aquela falta, se a presença continuará em tudo e em todo lugar? Como
reencontrar o prazer em permanecer vivendo, lutar com todas as forças para que
aquela ausência, mais cedo ou mais tarde, se torne apenas numa lembrança boa?
Só mesmo o
tempo para superar tudo isso, para ir diminuindo as dores da perda, os
sofrimentos terríveis causados pela ausência. Ainda assim nunca haverá um
esquecimento que se prolongue por muito tempo. Ora, o outro ser está na própria
pessoa, no seu sangue, no seu sobrenome, na sua vida. Era mãe, era pai, era
irmão, era familiar, era amigo, era alguém de profunda afeição.
Contudo, mesmo
já tendo passado o período mais difícil e a pessoa vai seguindo sua estrada do
jeito que pode, eis que os instantes da vida começam a trazer relembranças, a
acordar os sofrimentos adormecidos. Os objetos pessoais que encontra, o velho
baú reaberto, a fotografia na parede, a música que toca, palavras que ouve.
Então a
lágrima ressurge como tempestade. A saudade torna-se insuportável, e tudo
novamente começa a parecer difícil demais de suportar. Até que encontre forças
para olhar ao redor e perceber a existência de pessoas que dependem de sua
presença, de sua luta, de sua proteção, de sua vida.
Senti tudo
isso quando perdi minha mãe há três anos. E agora, há três dias meu pai
faleceu. Desde três anos atrás que já havia morrido um pouco. Nunca consegui me
refazer daquela partida. E já fragilizado perco ainda mais do que em mim
restava. E não sei até quando esse resto suportará existir.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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