Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Os mais
antigos reputavam as hienas como espíritos maus, se alimentando de carcaças e
restos mortos, no intuito de ganhar forças para
fazer ecoar pelos arredores da escuridão aquele grito áspero, mais parecendo
uma gargalhada acintosa. Diferentemente do uivo dos lobos avisando sobre sua
solitária presença nos montes, a risada da hiena sinaliza a zombaria, o
achincalhe daquilo que servirá como seu alimento.
Escarnecer do
fraco, do oprimido, daquilo que servirá à sua asquerosa gula, eis o principal
objetivo do sorriso da hiena. E não há sorriso mais espalhafatoso, zombeteiro e
insuportável que o da hiena. É um verdadeiro escárnio. E também não deixa de
ser arrogante, assustador, intolerável. Se expressa com ironia, sarcasmo,
como se pretendesse dizer que ali está para devorar os restos apodrecidos de
quem a ouvir.
Isto mesmo,
pois a carniça, o resto morto e putrefato é o prato principal da hiena. Também
gosta de saborear tudo aquilo que esteja ao seu alcance, principalmente se já
não possa esboça qualquer reação, se não mais representar nenhuma ameaça. E é
quando ela, através de seu sorriso gritante, começa a dizer o quanto é bom
zombar do fraco, do submisso, do já diminuído demais.
A hiena é a
metáfora do sarcasmo, do achincalhe com a fraqueza e submissão do ser humano. O
seu sorriso também é a metáfora da continuidade da escravização do forte
perante o fraco, da sujeição do humilhado perante o poderoso, da manipulação e
destruição daquele que não tem mais força para contradizer a realidade. Assim,
a hiena representa o poder - e todo tipo e relação de poder. E o seu sorriso
representa a força e o meio de ação destruidora.
Bicho
sorrateiro, vagaroso, desconfiado, medroso que só, a hiena nunca se aproxima
com igual força daquele que mais tarde vai devorar. Sagaz, astuta, faz de tudo
para que o outro vá perdendo suas forças, fraqueje de vez e se debruce sem
sustança para levantar ou reagir. Então chega sua vez de atacar. Começa a
gritar impiedosamente, a sorrir aquela alegria sádica, a festejar aquela presa
agora tão fácil.
Eis ali um ser
humano. E não precisa estar prostrado de vez, todo alquebrado pelas lutas
inglórias, bastando que esteja em situação de fragilidade perante sua presa,
seu algoz. E este sempre é o poderoso, a autoridade, o político, o governante,
todo aquele que pensa possuir o dispor sobre a vida do próximo. Não é sem
motivo que chamam de verdadeiras hienas aqueles que submetem e depois ficam
sorrindo das desgraças alheias.
A hiena sorri
seu sorriso maquiavélico, destruidor, friamente cruel. E aos poucos vai
surgindo de seu esconderijo, dos tufos da mataria, para se encaminhar
gracejante na direção de sua vítima. Sente urubus rondando, voando ao redor,
mas nada disso lhe será empecilho para se lançar com avidez sobre aquele resto
sem vida. E que fartura diante da morte, da presa indefesa que se transformou
em carniça. E por sua culpa. Rondou a vítima e a deixou sem saída, até que se
tornasse vítima fácil de qualquer outro animal. Também incentivado pela hiena.
E ali ainda o
homem. Tantas vezes um ser humano que deseja apenas viver, apenas trabalhar
para se manter, apenas sobreviver com dignidade. Por ser assim, lutador,
destemido e até sonhador, logo alguém lhe lança um olhar desconfiado, invejoso,
carregado de toda maldade do mundo. E o dono desse olhar, verdadeira hiena
revestida de gente, guardará dentro de si o objetivo maior de destruição
daquele que deseja apenas viver. E vai pensando, maquinando, procurando todos
os meios para alcançar destrutivamente o próximo. E se aquele contar com o poder
político ou econômico, então será inexoravelmente o seu fim.
Depois de se
certificar que seu futuro alimento exauriu suas forças, ou mesmo que sua
carniça esteja apetitosa, a hiena, após soltar pelo ar mil sorrisos funestos,
vai chegando com a baba caindo pelos cantos da boca, o olhar de uma vermelhidão
terrificante, dentes afiados e avidez dos famintos. Em seguida se lança ao
corpo estirado com tamanha voracidade que vai devorando tudo, se lambuzando, se
empanturrando sem perceber que continua sorrido estridentemente.
Qualquer um
ser humano poder ser vítima da hiena. Hienas de iguais estirpes se medem pelas
forças e influências; hienas de condições sociais diferentes não cabem num
mesmo lugar. E se o mundo é dos mais fortes, então que os fracos se recolham à
insignificância e à espera do iminente ataque. E certamente este logo virá,
pois é também característico da hiena ter como certa a destruição do outro para
que seu sorriso seja alimentado ainda mais.
Verdade é que
quanto mais forte a hiena mais ela quer se fortalecer ainda mais se apoderando
do frágil, tomando-lhe suas forças para se impor no seu meio. E uma hiena
enfraquecida, que nem sorriso tem para mostrar que ainda vive, tem de se
contentar em ser manipulada pela grande hiena. Até quando esta deseje que
continue vivendo. E só servirá para continuar existindo até quando possa ser
usado, manipulado, submetido.
E dizem que há
momentos especiais onde a hiena redobra seu sorriso espalhafatoso. Isto se dá
quando é votada, eleita e passa a ter o poder como um meio de transformar os
outros em presas fáceis, em vítimas fraquejantes, em verdadeiras carniças. E
todos os dias a imprensa mostra como as hienas continuam agindo e cada vez mais
sorridentes.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http|://blogdomendesemendes.blogspot.com
Olá Professor Mendes: Esta metáfora da HIENA, apresentado pelo cronista Rangel, é uma realidade perfeita, e não é coisa apenas dos nossos dias, mas, nos idos anos do coronelismo existia fortemente. Só que já era p'ra ter acabado com isso!
ResponderExcluirMas, quem disse que acabou?
Antonio José de Oliveira - Serrinha-Ba.
Mendes: Nesta mesma oportunidade aproveito para parabenizar-lhe por mais uma das ESTÓRIAS DO SEU GALDINO. Desta feita, ele e sua inteligente onça, exageraram na dose, e muito mais, seu compadre LEODORO que, além de montar na onça, ganhou metade do couro para confeccionar a bolsa da DONA GERTRUDES. EH povo danado esses nossos sertanejos! Sempre soube que é um povo de extrema coragem, mas não a ponto de abraçar onça e nela montar. Parabéns mais uma vez pela sua fértil criatividade que não consigo tê-la.
ResponderExcluirAntonio José de Oliveira, nestas 22 hs. e 27 minutos.