Por Rangel Alves da Costa*
Não precisava nem o bando ser
avistado ao longe, pois bastava alguém chegar em correria para dizer que
Lampião e seus homens se aproximavam, e então tudo revirava de cabeça pra
baixo. Para muitos, era a notícia mais triste de se ouvir, o anúncio mais pavoroso
de se escutar, pois sabiam que a presença daquelas feras das caatingas bons
rastros não iam deixar. Era um deus nos acuda, um aperreio danado, o redemoinho
do medo tomando conta de tudo.
Certamente que o sertanejo temia muito mais a fama de ferocidade e violência
que a real possibilidade de devastação do seu lugar e o abuso contra seu povo e
até de velhos e inocentes. Não havia quem não relatasse fatos terrificantes da
passagem do bando. Ainda que jamais tivessem presenciado qualquer fim de mundo,
mesmo assim iam buscar no “ouvir dizer” as práticas mais medonhas e abomináveis
do bando de cangaceiros.
O medo era inevitável. Mesmo que Lampião estivesse somente de passagem ou à
localidade chegasse para um encontro com algum poderoso ou fiel amigo, nada
disso impedia que a maioria da população passasse a temer pela própria vida.
Ora, a fama fazia o monstro. E quando a cangaceirada despontava na curva da
estrada ou de repente surgia de dentro da mataria, então o mundo inteiro se
alvoroçava.
Em muitas povoações sertanejas, Lampião e seu bando chegaram e saíram sem
disparar um só tiro, sem ameaçar ou olhar feio pra qualquer pessoa.
Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo - www.panoramio.com
Algumas
vezes chegou a Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, pacificamente se
instalou na casa do amigo China, dividiu a mesa farta com Padre Arthur Passos,
depois foi assistir missa na igrejinha de Nossa Senhora da Conceição.
A
cangaceirada dentro da igreja e as armas de cano longo todas do lado de fora. O
padre exigiu o desarmamento total em respeito ao lugar sagrada, mas impossível
conseguir que perseguidos ficassem completamente desprotegidos.
Os relatos dão conta que Lampião tinha uma predileção especial por Poço
Redondo, gostava de visitá-lo e estar pelos seus arredores. Basta ver o grande
número de filhos da povoação que participaram do bando e logo se terá a força
dessa proximidade. Contudo, nada disso evitava que o lugarejo ficasse em
polvorosa com a notícia da proximidade ou da chegada do bando. Meu pai, o
saudoso escritor Alcino Alves Costa, denominou de “As Carreiras” os episódios
de fuga tresloucada de grande parte dos poço-redondenses ante a presença do
Capitão.
Alcino Alves Costa - www.folhasertaneja.com.br
Como aconteceu em Poço Redondo, do mesmo modo por toda a região nordestina. A
vaga informação já era motivo de preocupação desmedida, de medo e de pavor.
Quanto mais a notícia ia se confirmando mais a população agonizava, ficava em
tempo de enlouquecer. E quando os cangaceiros chegavam já encontravam cidades
vazias, portas e janelas batendo, tudo revirado, com trouxas espalhadas pelos
caminhos, pessoas correndo rumo à mataria ou qualquer lugar que garantisse
salvação.
Os relatos sobre a situação de desespero sertanejo são mistos de comédia e
tragédia. De um lado, o medo provocando situações inusitadas, como se esconder
debaixo das camas, dentro de baús e armários, sorrateiramente subir nos
telhados e lá permanecer até a tempestade passar. E de outro o desespero
indescritível, a busca da fuga a qualquer custo, o sacrifício de velhos,
doentes e adultos correndo levando crianças nos braços.
A fuga desesperada lembra a história bíblica da família fugindo da destruição
de Sodoma. Sem poder olhar para trás para não virar estátua de sal, assim
também o sertanejo que nem pensava em voltar para buscar o preá assado
esquecido em cima do fogão. E também pelo medo de avistar cangaceiro em seu
encalço e, igualmente a esposa de Lot, não poder mais seguir adiante.
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