Por Raul Meneleu Mascarenhas
Quando
pesquisamos o cangaço, chegam em nossas mãos muitos artigos e livros, fora os
e-mails de confrades. Como se diz, é a perder de vista. São um universo de
escritores, jornalistas, pesquisadores, historiadores e amantes do assunto, que
alimentam esse formidável veio aurífero onde encontramos aproximadamente
477.000 resultados para a palavra no site de buscas do google. Para a busca
"Lampião e Maria Bonita" temos aproximadamente 276.000
resultados. Para "Lampião" temos aproximadamente 545.000
resultados. Para "Lampião em Sergipe temos aproximadamente 136.000
resultados.
Sim, é um
assunto eloquente e viciante ao ponto de anualmente diversas sociedades
voltadas para o mesmo, reunir seus associados para trocarem conhecimento. Trago
hoje para os amigos, uma matéria da revista Fatos e Fotos, da coleção
particular que pertence a nosso amigo e pesquisador Geziel Moura, que reside em
Belém do Pará e que a enviou para o grupo Luar
de Prata (clique) que é uma página no Facebook direcionada para a
cultura de modo geral e arquivos compartilhados de livros e publicações de
assuntos diversos. Vamos então a essa reportagem:
DEZEMBRO de
1932. A seca castigava implacável o sertão e o agreste baiano, mas a
perseguição a Lampião continuava. Foi instituído, pelo chefe de polícia da
Bahia, um prêmio de dez contos de réis pela captura do cego, vivo ou morto.
(Cego era o tratamento dado pe-la polícia para Lampião.) Os interventores da
Bahia, Alagoas, Sergipe e Pernambuco, firmaram um convênio no sentido de
empregar todos os recursos possíveis contra o cangaceiro, que permanecia no
Raso da Catarina como um desafio a toda e qualquer estratégia militar. Com o
auxilio de coiteiros de Lampião, presos e seviciados pela policia, foi feito um
levantamento do Raso. Tropas baianas, pernambucanas, sergipanas e alagoanas
foram entregues ao comando de oficiais do Exército; entre eles, os Tenentes
Ladislau, Liberato, Manuel Arruda, Filadelfo Neves, Campos de Meneses, Luís
Mariano, Arsênio de Sousa e Osório Cordeiro. Cada tropa era formada por
cinquenta homens.
As tropas
saíram de Jeremoabo, abrindo picadas a facão-de-mato, e cruzaram por Bebedouro,
Abobreira, Rosário, chegando à boca do Raso. Alguns positivos de Lampião (que
eram os coiteiros de absoluta confiança) correram a avisar o cangaceiro que a
macacada estava na sua rabeira, tal qual onça no rasto de quati, disposta,
dessa vez, a entrar no Raso, de qualquer maneira.
No dia 7 de
dezembro de 1932, por volta das 10 horas da manhã, as fôrças volantes dos
quatro Estados surpreenderam Lampião numa caverna na Serra do Chico, em pleno
Raso da Catarina.
Os cangaceiros
brigavam de faz-de-conta para serem filmados. Lampião fazia poses
especiais para o filme. Os homens, cantando, tiravam água dos crauás e dos
gravatas para preparar o de comer, e as mulheres cuidavam de arrumar as
tacurubas para o fogão. Rajadas de metralhadoras varreram o coito e os
cangaceiros, atarantados, não puderam oferecer resistência.
Uns caíam
feridos, outros mortos. Lampião colocou Maria Bonita às costas e fugiu
pelos fundos da caverna. Com ele, fugiram Corisco, Volta Seca e mais uns dez
cabras. Na fuga, levaram apenas a roupa do corpo. Os soldados penetraram na
caverna e recolheram armas, munição, chapéus de couro, bogós, alpercatas de
rabicho, perfumes, moedas de ouro e o livro "A Vida de Cristo", de
Papini, que Lampião havia ganho em Capela.
Quebrou-se
assim o encanto de Lampião no Raso da Catarina, onde êle nunca mais botou o pé.
Dessa estirada do Raso, o cangaceiro foi bater em Itapecuru, onde só não matou
o Dr. João da Costa Pinto Dantas, filho do Barão de Jeremoabo, que era um dos
seus coiteiros, porque ele foi avisado a tempo e fugiu para Salvador.
O árabe
cinegrafista estava em todas ao lado das cangaceiros; fazia questão de aparecer
na fita.
Lampião
atribuía ao Dr. Pinto Dantas a denúncia do local em que se encontrava no Raso
da Catarina.
Após assaltar
um armazém em Itapecuru, de onde carregou bastante munição de boca, todas as
armas de fogo e até as faquinhas canindé de cabo de chifre, Lampião foi
seguindo no rumo de Massaracá, onde encontrou uma fôrça de contratados
(famintos, como chamava), comandada pelo sargento José Joaquim de Miranda, a
quem apelidara de Bigode de Ouro.
Na luta que
então se travou, o sargento foi morto por Lampião com uma punhalada no
peito. Entre os anos de 1932 e 34, Lampião viveu num corre-corre incessante.
Trajados à moda do cangaço, os soldados batiam pelos sertões e pelas caatingas
dia e noite, quase sem descanso, e Lampião furava num vaivém entre a Bahia e Alagoas.
Dividiu o bando em três grupos, entregou a chefia de um a Corisco e de outro, a
Virgúrio, apelidado de Moderno, que era seu cunhado (fora casado com Angélica,
a irmã mais moça de Lampião e que já era morta).
Enquanto um
grupo invadia Canindé, em Sergipe, outro atacava Bonfim ou Pombal, na Bahia, e
Lampião chegava de surpresa, chefiando dez cabras, a Pão de Açúcar, Alagoas.
Esses ataques, feitos quase ao mesmo tempo, na zona do São Francisco,
desorientavam a polícia. Havia um ponto convencionado para o encontro dos três
grupos em dia determinado.
Para
desnortear os rastejadores, que tinham faro de onça parida e curavam
bicheira no rasto, os cangaceiros andavam léguas e léguas a pé, a um de fundo,
todos a pisar, cuidadosamente, a mesma pegada, dando a ideia de um só
caminheiro. Quando as volantes estavam pega-não-pega, os cangaceiros subiam às
céreas de pau-a-pique e andavam, como macacos de verdade, agarrando-se aos
moirões.
Foi no ano de
1934 que o bando de Lampião caiu, perto da fazenda Touro, em Macambira, na
Sabiá, numa tocaia armada pelo Tenente Arsênio de Sousa com um grupo de
contratados. O bando vinha de assaltar as vilas de Arrasta-Pé e Ana Bebé,
quando foi tocaiado numa garganta de serrote. Ezequiel, Ponto Fino foi atingido
por uma descarga de metralhadora, que lhe rasgou a barriga, e ficou com as
tripas na mão. Como não era possível carregá-lo para longe, tal a fuzilaria,
que não deixava sequer alguém aproximar-se do seu corpo, Lampião, compreendendo
que o irmão não sobreviveria, dormiu o olho esquerdo na mira do fuzil e
amolegou o dedo no gatilho: deu o tiro de misericórdia em Ezequiel, Ponto Fino,
e bateu em retirada.
Lampião dizia
sempre aos seus cabras que era preferível matá-lo, caso o vissem ferido irremediavelmente
num combate, do que o deixarem agonizante para cair em poder dos macacos.
Ezequiel era o terceiro e último irmão que Lampião perdia no cangaço. Restavam-lhe
apenas as irmãs Anália (que ainda vive na Várzea do Pico, em Agua Branca,
Alagoas) e Maria, chamada Mocinha, além de João, o único irmão que não o
acompanhou na vida criminosa e que reside atualmente em Propriá, Sergipe.
(Mocinha é viva também e mora em companhia de João.) A esta altura, Lampião
estava totalmente cego do ôlho direito. Esse fato e mais a morte de Ezequiel
Ponto Fino, que era o irmão a quem mais estimava, por ser o caçula, e ainda por
insistência de Maria Bonita, que vivia então a lhe pedir para ver se conseguia
o perdão das autoridades, a fim de comprarem uma fazenda e viverem em paz,
entregou praticamente a chefia do bando a Corisco e aquietou-se nas ribas do
São Francisco, entre Alagoas e Sergipe.
Numa das suas
andanças pelo sertão de Sergipe, bateu um dia na fazenda do Dr. Bragança, que
era oculista e tinha consultório em Aracaju. Pediu que lhe examinasse o olho
esquerdo, cuja visão começava a falhar. Apesar das versões de que ele ficara
cego do olho direito por ter sido atingido por uns galho de jurema ou por um
tiro, o certo é que o Dr. Bragança (cujo filho, padre Francisco Bragança,
conhecido como padre Bragancinha, é o atual diretor do Instituto de
Química Parreiras Hortas, em Aracaju) diagnosticou um glaucoma congênito, que
já estava provocando a perda da vista esquerda do cangaceiro.
Em janeiro de
1935, Lampião prendeu em Forquilha, Alagoas, o promotor Manuel Cândido, de
Água Branca, por ter sido informado que ele havia escrito um livro cheio de
mentiras sobre os cangaceiros. O promotor começou então a contar uma história
triste, disse que só tinha medo de morrer porque deixaria ao desamparo a sua
filhinha de seis anos de idade.
— Virgulino,
agaranta o doutô — disse Maria Bonita ao ouvir falar na menina, e o
promotor foi posto em liberdade. Como a de Manuel Cândido, muitas vidas foram
poupadas pela intercessão de Maria Bonita.
O prefeito da
cidade alagoana de Pão de Açúcar, Joaquim Resende, recebeu, em agosto de 1935,
um bilhete de Lampião, pedindo-lhe quatro contos de réis, com a promessa de
tornar-se seu amigo. Mandou dizer, em resposta, que só entregaria o
dinheiro pessoalmente. Três dias depois, novo bilhete: que fosse então sozinho
à fazenda Floresta, em Porto da Folha, e o esperasse a um hora da madrugada.
Foi e levou alguns litros de conhaque. Encontraram-se, beberam cordialmente.
Perguntou:
— Quanto quer
em dinheiro?
Lampião
respondeu:
— O doutô dá
quanto quizé. Eu dou mais por um amigo de que pulo dinhero.
Tornaram-se
amigos. Lampião deu-lhe um cartão, onde escreveu: "Au Amo. Joaquim
Rezendis como prova di amizadi e garantia perante os Cangaceiro. Oferci C.
Lampeão." Esse cartão (igual a tantos outras que valiam como salvo-conduto
na região dominada pelos cangaceiros) está atualmente em poder do jornalista
Melquíades da Rocha, chefe de reportagem de "A Noite", do Rio.
Foi em 1936
que Lampião entrou para o cinema, como herói, apesar de o Cinema
Parisiense, no Rio (onde hoje é o Teatro Nacional de Comédia, na Avenida Rio
Branco) ter exibido, de 27 de julho a 2 de agôsto de 1931, um
filme-documentário sobre a chacina do Rio do Peixe, na Bahia, com o título de
"Lampião, o Terror do Nordeste". Esse filme, montado com fotos
de vários fatos da vida do cangaceiro, foi o ponto de partida da filmografia de
Lampião.
Um árabe
chamado Abraão Benjamim, que era cinegrafista e morava no Juazeiro do Norte, onde
fez vários documentários sobre a vida e os milagres do padre Cícero para a Aba
Filme, de Fortaleza, juntou-se aos irmãos José (conhecido por Zé da Bodega) e
Noel Cassis, que viviam mascateando no Juazeiro, e com eles saiu pelos sertões
à procura de Lampião, levando filmes e uma máquina de filmar Rimam), de 35
milímetros. As façanhas de Lampião abalavam o País e filmar os seus movimentos
era desejo, inclusive, de cinegrafistas alemães, norte-americanos e franceses,
que vinham ao Brasil com esse objetivo, mas não se arriscavam à aventura.
Depois de três
meses de procura, o árabe e os irmãos Cassis encontraram Lampião na divisa
de Alagoas com Sergipe. Como já eram conhecidos do cangaceiro e porque levavam
um bilhete do padre Cícero pedindo que os atendesse, Lampião não se recusou a
ser filmado com o bando. Pensou apenas, de início, que a máquina de filmar
fosse uma bordadeira, que é como chamava metralhadora.
Abraão
Benjamim passou seis meses em companhia de Lampião. Para documentar a sua
proeza — que foi, sem dúvida, maior façanha de reportagem feita até hoje no
Brasil — armava a máquina, em certas tomadas de cena, e posava ao lado de
Lampião, Maria Bonita, do bando todo, enfim.
Dois meses
após ter deixado Lampião, o árabe foi assassinado, com cerca de cinquenta
facadas, em Pau dos Ferros, perto de Vila Bela, Pernambuco. O capião do filme,
que foi apreendido pela policia de Fortaleza, por ordem do DIP, sob a alegação
de que a sua exibição dificultaria a captura do cangaceiro, foi recolhido à
Secretaria de Segurança do Ceará, onde ficou esquecido até 1957, quando o
cinegrafista Ale-xandre Wulfes o descobriu.
Por ter sido
atirado ao chão, guardado em latas que enferrujaram, vários pedaços do
filme não puderam ser aproveitados. Depois dos cortes, ficou resumido a apenas
quinze minutos de projeção. No começo de 1937 houve um desentendimento entre
Corisco e Lampião na partilha do dinheiro de um assalto. Corisco decidiu passar
a agir por conta própria, internando-se no sertão de Alagoas, e Lampião passou
a Sergipe, onde havia feito amizade com o coronel Antônio Caixeiro, dono de uma
fazenda em Angico, perto de Porto da Folha.
Lampião, em
junho de 37, tentou invadir Serrinha, a cinco léguas de Garanhuns, Pernambuco,
e foi rechaçado pelas fôrças comandadas pelo Tenente Manuel Neto e Capitão
Miguel Calmon. Nesse combate, Maria Bonita foi atingida na coxa esquerda por
uma bala de fuzil.
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