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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

LAMPIÃO - Herói de Cinema

Por Raul Meneleu Mascarenhas

Quando pesquisamos o cangaço, chegam em nossas mãos muitos artigos e livros, fora os e-mails de confrades. Como se diz, é a perder de vista. São um universo de escritores, jornalistas, pesquisadores, historiadores e amantes do assunto, que alimentam esse formidável veio aurífero onde encontramos aproximadamente 477.000 resultados para a palavra no site de buscas do google. Para a busca "Lampião e Maria Bonita" temos aproximadamente 276.000 resultados. Para "Lampião" temos aproximadamente 545.000 resultados. Para "Lampião em Sergipe temos aproximadamente 136.000 resultados.

Sim, é um assunto eloquente e viciante ao ponto de anualmente diversas sociedades voltadas para o mesmo, reunir seus associados para trocarem conhecimento. Trago hoje para os amigos, uma matéria da revista Fatos e Fotos, da coleção particular que pertence a nosso amigo e pesquisador Geziel Moura, que reside em Belém do Pará e que a enviou para o grupo Luar de Prata (clique) que é uma página no Facebook direcionada para a cultura de modo geral e arquivos compartilhados de livros e publicações de assuntos diversos. Vamos então a essa reportagem:


DEZEMBRO de 1932. A seca castigava implacável o sertão e o agreste baiano, mas a perseguição a Lampião continuava. Foi instituído, pelo chefe de polícia da Bahia, um prêmio de dez contos de réis pela captura do cego, vivo ou morto. (Cego era o tratamento dado pe-la polícia para Lampião.) Os interventores da Bahia, Alagoas, Sergipe e Pernambuco, firmaram um convênio no sentido de empregar todos os recursos possíveis contra o cangaceiro, que permanecia no Raso da Catarina como um desafio a toda e qualquer estratégia militar. Com o auxilio de coiteiros de Lampião, presos e seviciados pela policia, foi feito um levantamento do Raso. Tropas baianas, pernambucanas, sergipanas e alagoanas foram entregues ao comando de oficiais do Exército; entre eles, os Tenentes Ladislau, Liberato, Manuel Arruda, Filadelfo Neves, Campos de Meneses, Luís Mariano, Arsênio de Sousa e Osório Cordeiro. Cada tropa era formada por cinquenta homens. 


As tropas saíram de Jeremoabo, abrindo picadas a facão-de-mato, e cruzaram por Bebedouro, Abobreira, Rosário, chegando à boca do Raso. Alguns positivos de Lampião (que eram os coiteiros de absoluta confiança) correram a avisar o cangaceiro que a macacada estava na sua rabeira, tal qual onça no rasto de quati, disposta, dessa vez, a entrar no Raso, de qualquer maneira. 

No dia 7 de dezembro de 1932, por volta das 10 horas da manhã, as fôrças volantes dos quatro Estados surpreenderam Lampião numa caverna na Serra do Chico, em pleno Raso da Catarina.

Os cangaceiros brigavam de faz-de-conta para serem filmados. Lampião fazia poses especiais para o filme. Os homens, cantando, tiravam água dos crauás e dos gravatas para preparar o de comer, e as mulheres cuidavam de arrumar as tacurubas para o fogão. Rajadas de metralhadoras varreram o coito e os cangaceiros, atarantados, não puderam oferecer resistência. 

Uns caíam feridos, outros mortos. Lampião colocou Maria Bonita às costas e fugiu pelos fundos da caverna. Com ele, fugiram Corisco, Volta Seca e mais uns dez cabras. Na fuga, levaram apenas a roupa do corpo. Os soldados penetraram na caverna e recolheram armas, munição, chapéus de couro, bogós, alpercatas de rabicho, perfumes, moedas de ouro e o livro "A Vida de Cristo", de Papini, que Lampião havia ganho em Capela. 

Quebrou-se assim o encanto de Lampião no Raso da Catarina, onde êle nunca mais botou o pé. Dessa estirada do Raso, o cangaceiro foi bater em Itapecuru, onde só não matou o Dr. João da Costa Pinto Dantas, filho do Barão de Jeremoabo, que era um dos seus coiteiros, porque ele foi avisado a tempo e fugiu para Salvador. 


O árabe cinegrafista estava em todas ao lado das cangaceiros; fazia questão de aparecer na fita.

Lampião atribuía ao Dr. Pinto Dantas a denúncia do local em que se encontrava no Raso da Catarina. 

Após assaltar um armazém em Itapecuru, de onde carregou bastante munição de boca, todas as armas de fogo e até as faquinhas canindé de cabo de chifre, Lampião foi seguindo no rumo de Massaracá, onde encontrou uma fôrça de contratados (famintos, como chamava), comandada pelo sargento José Joaquim de Miranda, a quem apelidara de Bigode de Ouro. 

Na luta que então se travou, o sargento foi morto por Lampião com uma punhalada no peito. Entre os anos de 1932 e 34, Lampião viveu num corre-corre incessante. Trajados à moda do cangaço, os soldados batiam pelos sertões e pelas caatingas dia e noite, quase sem descanso, e Lampião furava num vaivém entre a Bahia e Alagoas. Dividiu o bando em três grupos, entregou a chefia de um a Corisco e de outro, a Virgúrio, apelidado de Moderno, que era seu cunhado (fora casado com Angélica, a irmã mais moça de Lampião e que já era morta). 

Enquanto um grupo invadia Canindé, em Sergipe, outro atacava Bonfim ou Pombal, na Bahia, e Lampião chegava de surpresa, chefiando dez cabras, a Pão de Açúcar, Alagoas. Esses ataques, feitos quase ao mesmo tempo, na zona do São Francisco, desorientavam a polícia. Havia um ponto convencionado para o encontro dos três grupos em dia determinado. 

Para desnortear os rastejadores, que tinham faro de onça parida e curavam bicheira no rasto, os cangaceiros andavam léguas e léguas a pé, a um de fundo, todos a pisar, cuidadosamente, a mesma pegada, dando a ideia de um só caminheiro. Quando as volantes estavam pega-não-pega, os cangaceiros subiam às céreas de pau-a-pique e andavam, como macacos de verdade, agarrando-se aos moirões.


Foi no ano de 1934 que o bando de Lampião caiu, perto da fazenda Touro, em Macambira, na Sabiá, numa tocaia armada pelo Tenente Arsênio de Sousa com um grupo de contratados. O bando vinha de assaltar as vilas de Arrasta-Pé e Ana Bebé, quando foi tocaiado numa garganta de serrote. Ezequiel, Ponto Fino foi atingido por uma descarga de metralhadora, que lhe rasgou a barriga, e ficou com as tripas na mão. Como não era possível carregá-lo para longe, tal a fuzilaria, que não deixava sequer alguém aproximar-se do seu corpo, Lampião, compreendendo que o irmão não sobreviveria, dormiu o olho esquerdo na mira do fuzil e amolegou o dedo no gatilho: deu o tiro de misericórdia em Ezequiel, Ponto Fino, e bateu em retirada. 

Lampião dizia sempre aos seus cabras que era preferível matá-lo, caso o vissem ferido irremediavelmente num combate, do que o deixarem agonizante para cair em poder dos macacos. Ezequiel era o terceiro e último irmão que Lampião perdia no cangaço. Restavam-lhe apenas as irmãs Anália (que ainda vive na Várzea do Pico, em Agua Branca, Alagoas) e Maria, chamada Mocinha, além de João, o único irmão que não o acompanhou na vida criminosa e que reside atualmente em Propriá, Sergipe. (Mocinha é viva também e mora em companhia de João.) A esta altura, Lampião estava totalmente cego do ôlho direito. Esse fato e mais a morte de Ezequiel Ponto Fino, que era o irmão a quem mais estimava, por ser o caçula, e ainda por insistência de Maria Bonita, que vivia então a lhe pedir para ver se conseguia o perdão das autoridades, a fim de comprarem uma fazenda e viverem em paz, entregou praticamente a chefia do bando a Corisco e aquietou-se nas ribas do São Francisco, entre Alagoas e Sergipe. 

Numa das suas andanças pelo sertão de Sergipe, bateu um dia na fazenda do Dr. Bragança, que era oculista e tinha consultório em Aracaju. Pediu que lhe examinasse o olho esquerdo, cuja visão começava a falhar. Apesar das versões de que ele ficara cego do olho direito por ter sido atingido por uns galho de jurema ou por um tiro, o certo é que o Dr. Bragança (cujo filho, padre Francisco Bragança, conhecido como padre Bragancinha, é o atual diretor do Instituto de Química Parreiras Hortas, em Aracaju) diagnosticou um glaucoma congênito, que já estava provocando a perda da vista esquerda do cangaceiro.

Em janeiro de 1935, Lampião prendeu em Forquilha, Alagoas, o promotor Manuel Cândido, de Água Branca, por ter sido informado que ele havia escrito um livro cheio de mentiras sobre os cangaceiros. O promotor começou então a contar uma história triste, disse que só tinha medo de morrer porque deixaria ao desamparo a sua filhinha de seis anos de idade.

— Virgulino, agaranta o doutô — disse Maria Bonita ao ouvir falar na menina, e o promotor foi posto em liberdade. Como a de Manuel Cândido, muitas vidas foram poupadas pela intercessão de Maria Bonita. 

O prefeito da cidade alagoana de Pão de Açúcar, Joaquim Resende, recebeu, em agosto de 1935, um bilhete de Lampião, pedindo-lhe quatro contos de réis, com a promessa de tornar-se seu amigo. Mandou dizer, em resposta, que só entregaria o dinheiro pessoalmente. Três dias depois, novo bilhete: que fosse então sozinho à fazenda Floresta, em Porto da Folha, e o esperasse a um hora da madrugada. Foi e levou alguns litros de conhaque. Encontraram-se, beberam cordialmente. Perguntou:

— Quanto quer em dinheiro? 

Lampião respondeu: 

— O doutô dá quanto quizé. Eu dou mais por um amigo de que pulo dinhero. 

Tornaram-se amigos. Lampião deu-lhe um cartão, onde escreveu: "Au Amo. Joaquim Rezendis como prova di amizadi e garantia perante os Cangaceiro. Oferci C. Lampeão." Esse cartão (igual a tantos outras que valiam como salvo-conduto na região dominada pelos cangaceiros) está atualmente em poder do jornalista Melquíades da Rocha, chefe de reportagem de "A Noite", do Rio. 


Foi em 1936 que Lampião entrou para o cinema, como herói, apesar de o Cinema Parisiense, no Rio (onde hoje é o Teatro Nacional de Comédia, na Avenida Rio Branco) ter exibido, de 27 de julho a 2 de agôsto de 1931, um filme-documentário sobre a chacina do Rio do Peixe, na Bahia, com o título de "Lampião, o Terror do Nordeste". Esse filme, montado com fotos de vários fatos da vida do cangaceiro, foi o ponto de partida da filmografia de Lampião. 

Um árabe chamado Abraão Benjamim, que era cinegrafista e morava no Juazeiro do Norte, onde fez vários documentários sobre a vida e os milagres do padre Cícero para a Aba Filme, de Fortaleza, juntou-se aos irmãos José (conhecido por Zé da Bodega) e Noel Cassis, que viviam mascateando no Juazeiro, e com eles saiu pelos sertões à procura de Lampião, levando filmes e uma máquina de filmar Rimam), de 35 milímetros. As façanhas de Lampião abalavam o País e filmar os seus movimentos era desejo, inclusive, de cinegrafistas alemães, norte-americanos e franceses, que vinham ao Brasil com esse objetivo, mas não se arriscavam à aventura. 

Depois de três meses de procura, o árabe e os irmãos Cassis encontraram Lampião na divisa de Alagoas com Sergipe. Como já eram conhecidos do cangaceiro e porque levavam um bilhete do padre Cícero pedindo que os atendesse, Lampião não se recusou a ser filmado com o bando. Pensou apenas, de início, que a máquina de filmar fosse uma bordadeira, que é como chamava metralhadora. 

Abraão Benjamim passou seis meses em companhia de Lampião. Para documentar a sua proeza — que foi, sem dúvida, maior façanha de reportagem feita até hoje no Brasil — armava a máquina, em certas tomadas de cena, e posava ao lado de Lampião, Maria Bonita, do bando todo, enfim. 

Dois meses após ter deixado Lampião, o árabe foi assassinado, com cerca de cinquenta facadas, em Pau dos Ferros, perto de Vila Bela, Pernambuco. O capião do filme, que foi apreendido pela policia de Fortaleza, por ordem do DIP, sob a alegação de que a sua exibição dificultaria a captura do cangaceiro, foi recolhido à Secretaria de Segurança do Ceará, onde ficou esquecido até 1957, quando o cinegrafista Ale-xandre Wulfes o descobriu. 

Por ter sido atirado ao chão, guardado em latas que enferrujaram, vários pedaços do filme não puderam ser aproveitados. Depois dos cortes, ficou resumido a apenas quinze minutos de projeção. No começo de 1937 houve um desentendimento entre Corisco e Lampião na partilha do dinheiro de um assalto. Corisco decidiu passar a agir por conta própria, internando-se no sertão de Alagoas, e Lampião passou a Sergipe, onde havia feito amizade com o coronel Antônio Caixeiro, dono de uma fazenda em Angico, perto de Porto da Folha. 

Lampião, em junho de 37, tentou invadir Serrinha, a cinco léguas de Garanhuns, Pernambuco, e foi rechaçado pelas fôrças comandadas pelo Tenente Manuel Neto e Capitão Miguel Calmon. Nesse combate, Maria Bonita foi atingida na coxa esquerda por uma bala de fuzil. 

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