Por José Bezerra Lima Irmão
No segundo semestre de 1931, depois de uma viagem por Alagoas e Pernambuco para se reabastecer de munição, Lampião havia escondido a munição excedente na fazenda Maranduba, perto da Serra Negra, indo descansar nas imediações do povoado Poços, na entrada do Raso da Catarina. Ele conseguira também com seus amigos em Pernambuco algumas armas, porém a maior parte apresentava defeitos. Decidiu então levá-las para o seu amigo Venâncio Teixeira, residente em Olhos d’Água do Sousa, nas imediações de Santo Antônio da Glória – Venâncio era muito bom nesse negócio de armas velhas, deixava-as novinhas em folha.
No caminho, Zé
Baiano começou a sentir dor de cabeça. Tinha febre. Tremia de frio em pleno
meio-dia. Estava saindo um caroço no pescoço. Não suportava nem o chapéu na
cabeça.
Lampião
conhecia um velho chamado Luís Pereira, que morava no Salgadinho, ao lado da
Serra do Padre. A mulher dele, Maria Rosa (dona Baló), era costureira e já
havia feito muitas roupas para os cangaceiros. Lampião pediu ao velho que
cuidasse do doente, enquanto o resto do bando prosseguia a viagem.
A casa de Luís
Pereira tinha uma sala ampla, 3 quartos, cozinha espaçosa, e no fundo ficava o
chiqueiro dos bodes, pegado a um tanque. Zé Baiano passou uns 15 dias ali. O
tumor era tratado com remédios dos matos – chás e emplastros de ervas. Era bem
cuidado por todos, inclusive pela filha caçula de Luís Pereira, chamada Lídia,
uma linda garota de 15 anos. Quando ficou bom, o cangaceiro fugiu com a menina.
Lídia não foi
propriamente raptada, mas, muito jovem, não sabia o que estava fazendo, e no
mesmo dia, ao perceber a vida que teria pela frente, tendo de dormir nos matos
e viver se escondendo como bicho, se arrependeu de ter saído de casa. Mas aí já
era tarde.
Zé Baiano
fazia de tudo para agradá-la. Cobria-a de presentes. Quando iam comer, ele
reservava os melhores pedaços de carne para ela, cortava a carne em pedacinhos
e punha-os na boca de sua beldade. Só tinha olhos para ela.
Nada, porém,
era capaz de tirar da mente da garota a mágoa por ter sido arrancada do
convívio de sua família. Não escondia de ninguém a revolta com o seu destino.
No fundo, odiava Zé Baiano, o causador de sua desgraça.
Havia no bando
um cangaceiro chamado Ademórcio, que Lídia conhecia desde criança, nascido e
criado no Arrastapé. No bando, ele recebera o apelido de Bentevi. Aquele era o
rapaz com quem ela gostaria de viver, e se ambos não tivessem sido arrastados
para o cangaço poderiam, quem sabe, ter casado, pois seus pais eram amigos. Com
o tempo, Lídia e Bentevi passaram a corresponder-se. Encontravam-se às
escondidas sempre que Zé Baiano estava viajando.
Lídia Pereira
de Sousa foi possivelmente a mais bonita das mulheres que participaram do
cangaço. Era uma morena cor de canela, de cabelo liso, rosto bem delineado, lábios
carnudos, olhos negros, com uma dentadura que parecia um colar de pérolas.
Um cangaceiro
chamado Coqueiro apaixonou-se por ela. Vivia seguindo-lhe os passos. Certo dia,
viu-a mantendo relações sexuais com Bentevi. Coqueiro deixou que os dois
terminassem o ato. Bentevi vestiu-se, foi embora. Lídia ficou só. Então,
Coqueiro apresentou-se, dizendo:
– Eu vi tudo,
do cumeço até o fim. E eu quero tamém...
Lídia refugou:
– Vai-te pros
inferno, cabra nojento! Nun tá veno qui eu nun me passo pra um canaia da tua
marca? Nun seja besta!
– Ou resorve
ou vou contá tudo a Zé Baiano... E tem qui sê agora...
– Pode ir
contá até pro diabo! Eu já diche qui não, e pronto!
Isto foi na
segunda semana de julho de 1934. O bando estava acoitado perto de Poço Redondo,
nas Pias das Panelas, junto ao Riacho do Quatarvo, em terras da fazenda Paus
Pretos do coronel Antônio Caixeiro.
Uma
imagem inédita na literatura. Foto artística de Antonio Caixeiro quando
prefeito. A original não existe, pois fora consumida por um incêndio na década
de 70. (Cortesia
de Lauro Rocha para o Lampião Aceso) do pesquisador do cangaço Kiko Monteiro.
Lampião tinha chegado de Alagadiço, onde
havia matado um filho de Cazuza Paulo. Zé Baiano havia ficado por lá para fazer
umas “cobranças” junto a fazendeiros daquela região. Quando ele chegou às Pias
das Panelas, Coqueiro decidiu contar o que tinha visto. À noite, os cangaceiros
estavam sentados no chão, uns vinte ou trinta, inclusive as mulheres, em volta
do fogo onde assavam carne de bode. O delator expôs o que viu, omitindo, porém,
a parte que o comprometia. Zé Baiano franziu a testa, os olhos arregalados,
como se não estivesse escutado direito, e rosnou para a companheira:
– O qui esse
sujeito tá dizeno é verdade, Lida?
– É verdade,
Zé – sustentou Lídia, com voz firme. – Só qui esse canaia nun diche a histora
toda... Ele dexou de dizê o preço quiizigiu pelo segredo. Ele quiriaqui eu
desse a ele tamém, pra nun lhe contá. Se eu tenho quimorrê, qui morra, mais um
cabra safado desse nun me come!
Um silêncio de
chumbo caiu sobre o acampamento. Zé Baiano ficou olhando para Lampião,
aguardando ordens.
Lampião
levantou-se, andou de um lado para outro, remoendo o terrível problema. Depois,
sentenciou:
– O causo dela
aí o cumpade Zé Baiano é qui resorve. Ela é dele, faça o quiacháqui deve fazê.
Fez uma pausa,
ajeitou os óculos, e continuou:
– Agora,
Coquero e Bentevi é cum a gente mermo. Gato, mate esses cabra!
Gato puxou o
parabelo, aproximou-se de Coqueiro e deu-lhe um tiro na cabeça. Coqueiro,
colhido de surpresa, não esboçou nenhuma reação. Não teve tempo sequer de pedir
clemência.
Chegada a vez
de Bentevi, percebeu-se que ele havia fugido. Os cabras queriam ir procurá-lo,
mas Lampião mandou que tivessem calma:
Da
direita para esquerda: Zé Baiano, Chico Peste, Acelino e Demudado
Zé Baiano
mandou que Demudado amarrasse Lídia num pé de imburana. Ele, que já supliciara
tantos homens e mulheres com a sua palmatória de baraúna, de repente estava sem
saber o que fazer. Lídia era tudo para ele. Passou o resto da noite acordado,
sem falar com ninguém. Quando o dia amanheceu, pegou um cacete, foi até o pé de
imburana, desamarrou a mulher e matou-a a pauladas, quebrando-lhe vários ossos.
Lídia não emitiu uma palavra sequer, não gritou, nem ao menos gemeu. Como
arremate, Zé Baiano esmagou a sua cabeça, como se faz com uma cobra. Sangue e
massa cefálica esguicharam pela boca, narinas, olhos e ouvidos.
Depois, sem
pedir ajuda a ninguém, o cangaceiro cavou uma cova rasa, enterrou-a e, não
suportando mais, chorou.
Junto ao pé de
imburana, no sangue coagulado, começou a juntar formigas.
Texto: Livro
Lampião – A Raposa das caatingas de José Bezerra Lima
Irmão.
Fonte: facebook - Transcrição:
Geraldo Antônio de Souza Júnior (Administrador).
Grupo: O Cangaço
http://josemendespereirapotiguar.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário