Por Junior
Almeida
Falar que o
trio Lampião, Padre Cícero e Luiz Gonzaga é a santíssima trindade nordestina é
de certa forma um sacrilégio, pois esses personagens não são bem uns santos,
como diz a religião, mas sem exageros é algo bem próximo disso, incutido na
mente de todos os leem sobre a cultura nordestina. É inimaginável falar de
Nordeste sem falar nesse trio, e se o mesmo relato incluir os três ao mesmo
tempo, é algo maravilhoso. Em seu livro, “O Sanfoneiro do Riacho da Brígida”,
que foi lançado em 1966 e em 2012 já estava na nona edição, o paraibano por
acaso, como gostava de brincar, pois dizia que fora concebido em Pernambuco e
nasceu por acaso em Conceição do Piancó, Sinval Sá conta que o menino Luiz
Gonzaga era um cabra mole, que corria às léguas de briga, mas mesmo assim era
um fã do Rei do Cangaço. Que gostava de ver a foto de Virgulino nos jornais,
que sua admiração pelo Cego de Vila Bela era grande, que sonhava em um dia
incorporar no bando ganhando às caatingas junto com os bandoleiros ou mesmo
tocar pra Lampião e seus cabras. Pensava em tocar um xaxado e Mulher Rendeira
no seu fole, pros cabras dançarem com suas “namoradas” armas até amanhecer o
dia, e quem sabe se com isso não ganhava uma harmônica nova, uma da marca
“Veado”. Era um sonho que o menino Luiz de Januário tinha. Se espelhando no
pai, o futuro Rei do Baião já começava a dominar a sanfona, mesmo escondido de
sua mãe Santana, que dizia aquilo não ter futuro, que o que dava dinheiro mesmo
era fazer corda de caroá.
Era março de
1926 quando estourou a notícia que Lampião estava na região do Exu, que estava
indo pro Juazeiro ver o “Padim”, foi um corre-corre dos diabos pra quelas
bandas, todo mundo aperreado e a vizinhança de Januário e Santana dizia que o
cangaceiro já tinha saído de Granito, que ia subir a serra pela Ladeira do Bucu
e passaria na Caiçara. Dizia a aflita Santana, apressando Luiz, que parecia
viajar em pensamentos:
- Granito, Calumbi, Barriguda, Monte Belo, passa por aqui, vai pra Gameleira, Bucu e Ceará. Ai meu Deus! Completava a mãe de Luiz.
Era muita
aflição. Santana estava de correr doida de tanto medo de se topar com o Rei do
Cangaço. Pegava tudo que podia levar e jogava nos caçuás de um jumento da
família de nome Pachola, inclusive várias sanfonas desmontadas da oficina de
Januário. Todo povo da fazenda já tinham
ido embora. A “Mãe” Vicência, Tia Nova, Tia Bahia e todos os moradores já
haviam ganhado o mato. Só faltava a família de Januário seguir destino também.
Luiz Gonzaga com sua lerdeza proposital procurava um jeito de atrasar a viagem,
pois pensava ele ser aquela oportunidade de realizar seu sonho, de conhecer
Virgulino e seus sequazes. Não era todo dia que se tinha uma oportunidade dessas,
de ficar cara a cara com Lampião. A lerdeza momentânea de Gonzaga foi curada
com um grito no seu pé do ouvido.
– Te avia,
coisa! Esbravejou Santana.
Januário,
muito mal-humorado, não dizia uma só palavra, apenas um barulho cochichado saía
dos seus lábios, que se julgava serem palavrões, enquanto arrumava os troços.
Reza com certeza não era. Ninguém fala com o Senhor com uma cara de raiva
daquelas. Ele estava fugindo sem essa ser a sua vontade. Queria ficar, pois
achava que daria tempo fugir quando avistasse a súcia, mas fora convencido pela
mulher a seguir com o grupo. Só pensava no trabalho que ia ter em separar as
peças das várias sanfonas que tinham sido misturadas. Era isso que mais lhe
tirava o humor, mas fazer o que? Tinha família pra criar. Lembrava de tudo que
se falava sobre Lampião. Do caso do homem que disse que fumava, mas se o
capitão quisesse deixava o vício, do outro que se lascou por ser obrigado a
assoviar a noite toda pros cabras de Lampião dançar. Era muita coisa. O humor
do capitão virava de um momento pra outro, melhor não arriscar. Era melhor
seguir. E foram. Seguiram para um local pré determinado onde ficaram até a
poeira baixar.
Souberam
depois que Lampião fora nomeado oficial dos batalhões patrióticos com a patente
de capitão dada pelo próprio governo. Quem assinou o papel com a nomeação foi
um funcionário federal de nome Pedro Albuquerque Uchoa, lotado em Juazeiro, que
fez tal promoção com as bênçãos de um santo vivo, o Padre Cícero Romão Batista.
O “Padim Ciço”
ainda viveria mais oito anos, morrendo em julho de 1934, passando depois disso
a comandar no céu, despachando com o próprio Deus, seu filho e Nossa Senhora,
segundo a crença do sertanejo. Virgulino morreria no mesmo julho, só que quatro
anos depois do padre, vítima de uma emboscada de forças volantes, que há muito
o perseguiam. Luiz Gonzaga saiu da sua terra, ganhou o Rio de Janeiro e o resto
do Brasil, mas sua terra não saiu dele. Assombrou o fino gosto do povo do
Sudeste, ao se apresentar em programas de auditório vestindo gibão e chapéu de
couro de aba quebrada, como um verdadeiro cangaceiro.
Gonzaga cantou
como ninguém as coisas do Nordeste, cantou Padre Cícero, dizendo que ele
continuava vivo no alto do Horto, cantou o Juazeiro, a árvore e as cidades, a
baiana e a cearense, cantou o xaxado de Lampião. Disse que mesmo Lampião
morrendo vários Lampiões ficaram, cantou a asa branca, o acauã, a seca, a
chuva, o Velho Chico, o Pajeú, o Navio, a partida, a chegada, os forrós de pé
de serra, a farinhada, a colheita, o milho, a pamonha, e tudo da vida do povo
nordestino. Cantou aquilo que faz o cabra chorar de saudade de casa, quando
está em terras estranhas. Gonzaga foi perfeito em sua obra. Apadrinhou vários
artistas, e era tão abençoado que com quem fazia isso, que quem cantava com
ele, estourava nas paradas de sucesso.
Ao longo do
tempo LUIZ, por causa de uma zelação, uma estrela cadente, uma luz no céu;
GONZAGA, por conta da devoção do padre que o batizou em São Luiz Gonzaga e do
NASCIMENTO, por conta de ter nascido no mês do nascimento de Cristo, também
sugestão/imposição do padre, ganhou vários nomes. Gonzagão, Lua, Luiz do Exu,
Mestre, Rei do Baião...
Luiz Gonzaga
foi eleito o pernambucano do século XX, foi aclamado por multidões, desde o
doutor ao servente de pedreiro e principalmente o agricultor. Ganhou prêmios,
deixou milhares de fãs, discípulos e multiplicadores, que mesmo em tempos
modernos lutam para levar adiante os ensinamentos do Rei do Baião.
Impossível
separar. Não tem como falar de Nordeste sem falar do trio de ferro da cultura
nordestina. Viva Padre Cícero, viva Lampião, viva Luiz Gonzaga! VIVA A CULTURA
NORDESTINA!
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