*Rangel Alves
da Costa
A menina está
doente desde antes de 1885, quando foi retratada pela sensível e emotiva
genialidade de Edvard Munch. Obra-prima da pintura universal, a representação
possui qualidade maior não apenas por ter surgida da paleta do artista de O
Grito (o famoso quadro onde uma pessoa caminha espantada sobre uma ponte, com
as mãos na cabeça, olhos saltados e a boca em grito), mas pela simbologia
transmitida através da imagem da menina doente e a aflição de sua mãe.
Sempre
demonstrei especial interesse pelas pinturas que vão além de retratações para
explorar, através de simbologias, os sentimentos, as angústias, as tristezas e
a solidões humanas. Aprecio muito - e isso me toma um tempo danado em frente
aos retratos - os quadros onde Rembrandt retrata filósofos e religiosos nos
seus mundos solitários, nos seus ambientes monásticos, permeados pelo
claro-escuro, que é o próprio contraste da vida. As naturezas-mortas também não
deixam de expressar reflexões acerca dos abandonos.
Contudo, já
faz algum tempo que venho me encantando com uma magistral obra do
expressionismo alemão, até mesmo despretensiosa para muitos, intitulada A
Menina Doente onde o pintor norueguês Edvard Munch, retrata a angústia, o
desespero e a dor de uma mãe ao lado do leito de uma menina enferma. Desenvolvida
originalmente em litografia, um tipo de gravura feito a partir de um desenho
matriz, alcançou fama exatamente pela expressividade da situação retratada.
Tal
expressividade, contudo, possuía sua razão de ser. Munch simplesmente transpõe
uma dolorosa situação familiar, pois na tela a mãe e a irmã do próprio pintor,
sendo que esta acabaria morrendo de tuberculose aos quinze anos. Ali o artista
transformado em testemunho de um sofrimento que se forjou em arte. Difícil
imaginar o irmão e filho retratando tamanha aflição e, certamente de mãos
trêmulas, dar posteridade a uma vida tão efêmera. E que situação mais triste,
meu Deus!
Na obra, toda
construída com riscados fortes e de cores escurecidas, muitas vezes chegando ao
negro para expressar o sentimento doloroso mais aproximado à situação
reproduzida, logo se vista um quarto onde repousa uma enferma. Nela vê-se uma
jovem de pele clara (ou seria da palidez doentia?), cabelos lisos em tons
avermelhados, vestida de negro, com mangas que chegam até os pulsos, com
feições ainda de reconhecida beleza, deitada no seu leito, com os braços
estendidos sobre uma colcha também escurecida e o rosto levemente voltado para
uma mulher que segura na sua mão.
A menina se
esforça para não demonstrar seu real estado, pois possui no semblante uma
aceitação até confortante de sua frágil condição, tão própria dos enfermos que
parecem querer consolar os outros mesmo em padecimento e proximidade do fim.
Mas a mulher ao lado, sua mãe, é a mais pura demonstração de angústia e
aflição. Sentada ao redor do leito, segurando com as duas mãos a mão esquerda
da filha, na sua cabeça baixa e no seu corpo curvado reside toda a
dramaticidade refletida pelo artista.
Não precisava
que ela levantasse a cabeça para dizer de sua dor lancinante, nem deixasse os
olhos à mostra para dizer de suas lágrimas incontidas. É uma mãe sim, e ali sua
filha, e ambas velando a mesma dor dos que já se reconhecem partidos. Um
consolo de mãe, um conforto de mãe. Mas que consolo, que lenitivo, que carinho,
se a mais completa desconsolação recai sobre a própria mãe que chora, que grita
por dentro, que não sabe mais o que fazer diante daquela
situação?
A pintura,
pela sua expressividade e utilização de cores fortes e sombrias para descrever
tanto a situação psicológica como o ambiente de convalescença, possui muitos
adeptos, ainda que não iniciados na crítica de arte. Raquel Lautenschlager
Santana, em texto intitulado “A Menina Doente”, publicado no site Belas Artes
Médicas, (http://belasartesmedicas.blogspot.com/2011/09/menina-doente.html),
assim se expressa sobre a pintura de Munch:
“Hoje acabei
lembrando-me de um quadro de Edvard Munch intitulado ‘A Menina Doente’, que
representa os últimos dias da irmã do pintor, que acabaria por falecer devido a
um quadro de tuberculose. Neste quadro, há um predomínio de tons sóbrios e
escuros, como as paredes e as vestimentas cinzentas das personagens, entretanto
o fundo sobre o qual a menina repousa (o travesseiro) é luminoso. Tal
luminosidade reflete o semblante da menina, que não parece enraivecida com sua
condição. Muito pelo contrário, parece compreender a transitoriedade da vida”.
É isso mesmo,
a transitoriedade da vida. E fico me perguntando e com raiva de mim mesmo, e
daquele tempo e de tudo: por que aquele copo com remédio colocado num canto da
mesinha não curou a menina doente? Tens razão, mãe, com sua dor. É a
transitoriedade da vida. Sempre dói muito, mas é a vida em sua brevidade.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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