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domingo, 19 de março de 2017

FALANDO DEPOIS DO AMOR, O ÓDIO PROVOCA 600 CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM CAJAZEIRAS

Por Professor José Antônio Albuquerque

Em entrevista prestada na Rádio Alto Piranhas, neste dia 08 de março, data dedicada à mulher, a juíza Adriana Lins declarou que está sob sua guarda para julgamento 600 processos de violência contra a mulher e destes, 435 são de “pedidos de medida protetiva”. São números que chocam e desnudam a vida social da cidade de Cajazeiras. 

No ano de 2003, portanto há 14 anos, já eram inúmeras as noticias de casos de violência contra a mulher e diante de um fato que eu presenciei escrevi sobre o assunto e volto a publicar porque não tem muita diferença entre aquele ano e os dias atuais: 

Outro dia encontrei uma mulher chorando, numa destas ruas ainda não calçadas de minha cidade. Tive o ímpeto de parar, mas continuei a minha caminhada. Depois de alguns passos, resolvi voltar e saber o que estava acontecendo. Por que choras? E a mulher, uma criatura, que pela aparência demonstrava ser simples, humilde e pobre levantou os olhos e disse: a coisa mais triste no mundo é pobreza, desemprego e miséria. Já passava das dezoito horas, mas o sol ainda reinava sobre a terra. Dava para vislumbrar que ela estava amedrontada e insegura. Havia saído de casa, deixando os filhos, porque o marido, embriagado, sempre a batia, quando bebia. Estava fugindo. Fugindo da violência. Não queria apanhar.

Naquele momento veio-me na lembrança um verso que li, no dia 25 de novembro do ano passado, data em que se comemora o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, de autor desconhecido:

“Não existe mulher que gosta de apanhar
o que existe é mulher
humilhada demais para denunciar
machucada demais para reagir
pobre demais para ir embora”.

E voltei a falar pela segunda vez: por que a senhora aceita esta situação, por que não denuncia, por que não deixa este homem? E chorando, não encontrou respostas para minhas perguntas.

E voei novamente com a minha imaginação para o tempo que estava na faculdade. Lembrei-me de uma colega de classe. Nesta turma, éramos apenas 18. Havia mais mulheres que homens. E eu saído, das brenhas de serras dos sertões da Paraíba, educado dentro de padrões tradicionais, onde a mulher deveria ser sempre submissa e obediente, admirava muito esta colega que sempre acompanhava a turma para as “noitadas” recifenses sem dar nenhuma satisfação a ninguém. Enquanto a maioria, nem sequer nos acompanhava. Só com o tempo é que descobri que ela trabalhava, ganhava um bom dinheiro e era “independente”, armas que a mesma possuía para abrir os caminhos que conduzem as mulheres a libertar-se de situações de humilhação e de submissão e que muitas outras não têm: dinheiro e educação.

E a indefesa mulher continuava a chorar. Voltou-me a lembrança do verso: não tinha forças para denunciar, estava machucada demais para poder reagir e tinha em cima de si uma das piores chagas, retiradas do ventre da sociedade discriminatória, era pobre demais e não tinha para onde ir. A única saída era ceder para não ser abatida, como uma ave no seu vôo, em busca da liberdade. Escondia-se nas ruas, aguardando o seu marido adormecer para voltar ao ninho, humilhada e machucada na alma e nos sentimentos.

Quantos lares nesta minha pobre cidade não vivem este drama? A violência contra a mulher tem sido uma constante. Na delegacia da mulher, quase todos os dias tem um novo caso de violência registrado, inclusive um que a mulher de tanto ser maltratada, teria chegado a óbito. Vê-se claramente que o tecido da sociedade familiar fica cada vez mais esgarçado.

Das entranhas da miséria a violência tem renascido nutrida pela fome, pela pobreza, pelo desamor, pela falta de Deus, pelo desemprego, pela total falta de escolaridade, pelo preconceito social e acima de tudo pela falta das poderosas armas do arsenal dos tão badalados Direitos Humanos. A sociedade tem deixado de plantar, no lugar do violento, o fraterno.

E saíram dos lábios da triste mulher: “é porque o senhor não sabe o quanto dói esta dor. É a dor que dói mais e não sei até quando vou ter de carregar esta minha cruz”.

Desolado e triste continuei a minha caminhada. Até hoje, não consegui retirar da memória as lágrimas de dor daquela mulher. O marido desempregado, aluguel, água e luz atrasada, sem bolsa escola, sem bolsa família, sem vale gás, sem nada, sem nada, sem nada. A única saída do também pobre pai e marido: afogar as dores e tentar superá-las e esquecer na embriaguez. Este talvez seja o retrato de muitos lares de nossa querida Cajazeiras. “Quem não dá o pão ao faminto quer a violência”.

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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