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segunda-feira, 27 de março de 2017

POESIA CLAUDER ARCANJO PARA O POETA-MESTRE HILDEBERTO BARBOSA FILHO

Por Clauder Arcanjo

POESIA CLAUDER ARCANJO PARA O POETA-MESTRE HILDEBERTO BARBOSA FILHO

Há poesia no estábulo, no palácio, no silêncio da dor e no suor da romaria.

Poesia existe em mim como o cálcio na ossatura dos dias. Dá-me estatura, força e galhardia. Se me perguntam se existo sem ela, calo-me e finjo não entender tamanha intriga.

Há momentos em que ela não se me apresenta. Ou não me alumbra, como bem dizia Manuel Bandeira; ou não me assusta, como insistia Ferreira Gullar. Lamento a sua ausência, mas bem sei que ela virá como o sol para anúncio de um novo dia meu. Quando menos espero, ela apontará na esquina, se achegará de mansinho, soprar-me-á a bênção de duas ou três palavras... E saltarei, batizado e crismado, por sua verve, em sublime e santa eucaristia.

Certa vez, quis saber de seu paradeiro. Botei seu nome “Poesia” no mapa eletrônico do meu carro, nem sinal da sua moradia! Melhor, o programa, em voz mecânica, sempre me respondia: “Bem-vindo, você chegou!” e não mais se mexia. Atônito, reprogramava-o e, de novo, a mesma resposta-saída.

Parei, desliguei-me da questão e corri os olhos no horizonte da lida. De repente, lá, onde o céu perdeu o norte, onde as nuvens se engravidavam de nascente e o sol se banhava com o véu luzidio e fosco do poente, vislumbrei o raio de uma luz discreta. Ela se aproximou e entrou na retina e na pupila, cristalina e sem pedir vênia, instalou-se no cérebro do meu olhar. Tomado pela refração, flagrei-me deslumbrado por um verbo refletido que nascia. Primeiro, no prisma-placenta do olhar para, depois, na folha branca se depositar. E o que era luz transfigurou-se em tradução de mil arco-íris.

Há no barro do poema: o vazio do nada, o louvor da rapariga, o desespero do errante, a forca da fé, o compasso da cantiga, o silêncio do menestrel, o louvaminhas do coronel, a mortalha da seca, o maltrato da intriga, o choro da despedida.

Pela poesia se inaugura a mitologia de um povo, se deflagra a genealogia de uma dinastia, se cantam os valores da nação, bem como se revela a tragédia que nos cerca e alucina. Através do foco da poesia, o velho se aproxima, o novo se cria, enquanto o antigo habita por entre as dobras do manto da novidade.

Talvez não haja poesia na praga-oração do excomungado, na lástima do exilado, no desespero de um condenado, no silêncio último do suicida, na raiva de um ser ultrajado, no grito de um celerado. Não sei.

Por sua vez, pode ser certo que não nos encontraremos com a poesia na casa em que a fome habita, na pólvora seca de um cangaceiro, no olho cego do vigia do inferno, no colo de Medeia, nos dentes de uma raposa louca, no ódio que se derrama no vulcão das guerras mil. Não sei.

Entre tantas indagações e sem a água serenada de uma sequer resposta, encosto o carro e ouço a voz da madrugada. Na coxia desta estrada, há gotas de orvalho nas pétalas de uma tímida flor no asfalto...

E isto me basta: Poesia.

— Há poesia no estábulo, no palácio, no silêncio da dor e no suor da romaria.
Clauder Arcanjo
clauderarcanjo@gmail.com

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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