*Rangel Alves
da Costa
O mundo de
Rangel começa quando Rangel corta chão e coloca os pés em sua Nossa Senhora da
Conceição de Poço Redondo. É, pois, em Poço Redondo, mais precisamente pelos
arredores da cidade, nas estradas de chão e veredas de espinho e pó, e dentro
do Memorial Alcino Alves Costa, que o mundo de Rangel começa e se expande. E se
alarga e se transforma em horizonte.
Há nesse
Rangel de mundo sertão um orgulho bom que antecede a tudo. A graça divina de
ter nascido de Dona Peta e Alcino é fato incomparável a qualquer outro. E
também das raízes vindas de Mãeta e Pai China, de Dona Emeliana e Seu
Ermerindo. Significa dizer que esse Rangel já vem de raiz tão pujante quanto o
sertão mais rico em históricos valores.
Quando Rangel
da capital desaparta e vai chegando às entranhas do seu sertão, então é como se
a vida nele renascesse em sua inteireza. Depois da Boca da Mata, quando logo é
acenado pelo xiquexique, o facheiro e o mandacaru, passando pelas casinholas de
beira de estrada e sombreados umbuzeiros, seu olhar não é outro senão de
encantamento.
Encantamento
com a vida, com tanta vida, com a vida sertaneja que se mostra grandiosa mesmo
perante as mais difíceis situações. Então Rangel vai entrando com o olhar em
cada casinha, vai conversando com o olhar com cada criança debaixo de pé de
pau, vai proseando com cada sertanejo. Conversa e é ouvido, pois tudo isso
depois se transforma em escrita.
Mas já depois
de Sítios Novos é que Rangel se despe de vez da cidade, da vida acadêmica, do
mundo jurídico, dos afazeres e ofícios da capital e além. A partir desse limite
é que Rangel se sente tomado, de corpo e alma, pelo sol, pela lua, pelo gibão,
pelo chapéu de couro, pela aprecata de couro cru, pelo aió, pela simplicidade
de um povo, pela humildade do conterrâneo.
De Sítios
Novos à sede municipal é um pulo, como se diz. No asfalto, a linha reta é
apenas uma estrada. Mas que nada aos olhos de Rangel. Cada passo e cada pedaço
de chão são de história pura. Naquelas terras um dia brotaram as grandes
fazendas de potentados como João Maria de Carvalho e seu irmão Piduca
Alexandre, dentre outros, ali reinado de Manoel e Bastião Joaquim.
Naqueles
arredores batalhas sangrentas entre cangaceiros e volantes, naqueles horizontes
ainda o chão cravado de balas da Fazenda Pias e da Maranduba, adentrando mais
arriba. Por ali também as nascentes das lutas pelo reforma agrária no
latifúndio da Barra da Onça de Toinho Leite. Mais perto da beira da estrada a
Queimada Grande e a lembrança de Seu Zé Ferreira e todos os grandes
proprietários que o antecederam.
Ali também a
recordação dos barracos na beira da pista e as bandeira do MST tremulando o
grito da inclusão. Quem avista hoje o Assentamento Queimada Grande, com seu
aspecto de povoação em crescimento, há também que lançar um olhar ao passado de
tantas lutas. Desde aquelas lutas cangaceiras às lutas do homem em busca de seu
pedaço de chão, e nisso tudo a face da violência, do medo e do espanto.
Rangel avista
tudo isso e vai anotando no embornal de sua memória. E quando, já do alto do
Hotel Fazenda, lança o olhar sobre sua cidade, seu berço de nascimento, então
os seus olhos começam a brilhar diferente, o seu coração a pulsar mais forte, a
sua ânsia extremada de colocar logo os pés no chão e sentir a quentura da
terra. Somente aqueles que amam abraçam todo o seu mundo com um simples olhar.
E perante o
Memorial Alcino Alves Costa, certamente que Rangel encontra o seu paraíso. Ali
o lar de um dia, mas hoje ainda com maior significação em sua vida. Quando abre
as portas e encontra diante de si tudo o que foi construído para preservar
memórias e vidas, é como se um filho querido corresse aos seus pés para o
abraço. Mas o filho ali é outro. É o próprio Rangel diante do pai Alcino, de
sua obra, de sua importância no mundo sertanejo e nordestino.
E quando
Rangel vai lentamente caminhando pelo Memorial, limpando e ajeitando em cada
canto, sente que está sendo carinhosamente olhado por olhos que certamente não
estão somente nos retratos e banners. Seu Alcino e Dona Peta jamais deixam de
olhar cada passo de seu filho Rangel. Ali no Memorial e na vida.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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