Sem ter geladeira ou água gelada, o contentamento se dava quando uma quartinha
era avistada num umbral de janela. Nada melhor e mais doce que água de moringa.
Depois de um pedaço de cocada ou de umas duas colheradas de doce de leite,
somente uma rede armada debaixo de uma figueira na malhada. Se as nuvens
prenhes avançavam, logo correr para catar feixe de lenha. Três, quatro, cinco
feixes, debaixo da pequena latada do quintal. Uma mão de madeira para o
fogão de lenha. O pilão já havia gemido pisando o café. Vasilha grande em cima
do fogo, água fervendo e o pó escurecido e cheiroso derramado. Na fervura, as
borbulhas negras perfumando o quintal e mais além.
Não havia quem não quisesse
experimentar logo um tiquinho de tanta gostosura. Depois a frigideira com banha
de porco espalhada por riba. Com o chiado, a tripa, o bucho, os ovos de galinha
de capoeira. O cuscuz já estava feito. Não de milho ralado daquela vez, mas de
gosto demais pela fome da luta. Na memória, um sino toca. Há uma igrejinha e um
sino em cada memória sertaneja. Hora da Ave Maria. No oratório do coração ou de
canto de parede, o velho rosário contado nos dedos, os joelhos encharcados de
chão, a fé. Que vida, meu Deus. Tão simples e tão singela, tão humilde e tão
grandiosa. E depois do agradecimento pelo prato da noite, o abrir a porta para
a aragem da noite. Cuidado, muito cuidado para o candeeiro não se pagar.
Radinho de pilha, uma canção antiga, uma saudade. E lá nas alturas a lua mais
bela do mundo. No silêncio da noite, a lua canta, o vaga-lume dança, a vida faz
festa. Conheci um sertão assim. E tanta saudade eu tenho desse sertão assim. Um
sertão de Poço Redondo e tantos outros sertões assim, de noites, de candeeiros
e luas cheias.
...
Rangel Alves da Costa.
...
Rangel Alves da Costa.
(*) Foto:
Márcio Vasconcelos.
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