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sábado, 30 de janeiro de 2021

DADÁ – DE VÍTIMA À HEROÍNA DO CANGAÇO

 Por João De Sousa Costa

“Você sabe que foi de emboscada”, disse Dadá ao tenente Zé Rufino, já moribundo, no encontro 72 anos após seu algoz matar Corisco e transpassa-la com uma rajada de metralhadora, na fazenda Pacheco em Barra do Mendes(BA). Mas quem foi esta mulher que sobreviveu para contar a história?

A trajetória de Dadá, é espetacular; ela surge como vítima, cresce como cangaceira, agiganta-se na velhice como heroína para deixar um legado incomparável. O relato a seguir, a partir do ponto, foi garimpado de várias narrativas.

A vida de Sérgia Ribeiro da Silva, famosa no cangaço com o apelido de Dadá, de Corisco, reflete o conturbado processo de empoderamento da mulher numa sociedade rural e patriarcal, uma vez que a sua entrada no bando se deu ainda menina e que sequer havia menstruado; Dadá fora raptada por Corisco, e rapto de mulheres, consentido ou não, era algo recorrente.

Sérgia teve uma trajetória violenta, trágica e lendária. “Ainda menina com 12 anos e virgem”, ela conta que sofreu violenta hemorragia na primeira relação. Ficou traumatizada, física e mentalmente.

Criou aversão pelo seu raptor, passou a evitá-lo. Dia seguinte ao rapto, corpo dolorido, febre e calafrio, é obrigada a seguir viagem. Ao entardecer, chegam à casa de uma tia de Corisco, dona Vitalina”.

-“Abenção, minha tia”, foi a saudação do cangaceiro, que vai direto ao assunto.

- “Quero deixar a menina com a senhora, para que cuidem da saúde dela. Sigo viagem, mas volto em breve”, comunica Corisco, que deixa dinheiro e parte caatinga à fora.

Esta situação em “cativeiro” durou três anos, com Corisco a visitando várias vezes. O tempo todo buscando agradar a menina Dadá, que pelo cangaceiro desenvolveu sentimento arredio, e na presença dele seu comportamento se alterava: tornava-se desconfiada e retraída.

A relação de Dadá e Corisco, que começara brutal, transforma-se com o tempo. Raptada aos 12 anos e depois integrada ao bando, começa a sua vida nômade, enfrentando tiroteios e fuga, seguindo Corisco, que era o segundo homem na hierarquia do bando de Lampião e com ele teve três filhos.

Ao contrário das demais cangaceiras que não combatiam, Dadá tinha boa pontaria, atitudes impositivas e a mão certeira no rifle; por conta desse temperamento, “não se afinava muito com Maria Bonita, a mulher do chefe”.

Mas a mão que atirava era a mesma que bordava. Todos os que sobreviveram ao cangaço, confirmam ter sido Dadá, ao lado de Lampião, a coautora da estética do Cangaço inovando os bornais com florais coloridos e colocando estrelas de cinco pontas.

Em 1939, com Lampião já morto, Dadá assumiu literalmente o comando do grupo de Corisco uma vez que seu companheiro fora ferido em tiroteio com as volantes ficando aleijado, sem condições de pegar em armas, ou mesmo comandar. Para agravar a situação, Corisco havia mergulhado no alcoolismo.

- Em confronto ele se superava, atirava correndo de lado com o fuzil apoiado no braço; depois desse ferimento, não podia mais rodopiar, saltar ou agachar-se, movimentos que o tornava no “Diabo Loiro”, recorda Dadá.

Sabe-se que Dadá influenciou Corisco na decisão de não se entregar – ela praticamente o impediu de depor as armas diante da anistia oferecida pelo Governo Vargas.

Dois anos após o massacre de Angico (1938), a implacável volante do tenente Zé Rufino ainda está em campanha, motivada pelo suposto tesouro do bandoleiro. Rufino localiza Corisco, Dadá, uma menina, Rio Branco e sua companheira Florência em fuga para o estado de Minas Gerais.

Surpreendido e incapaz de manejar um fuzil, Corisco novamente é ferido de morte, bem como Dadá alvejada com uma rajada de metralhadora.

Ela sobreviveu, Corisco não resistiu e morreu, tendo ali seu corpo desmembrado e sua cabeça levada como prova e troféu.

Por ato talvez de misericórdia, Rufino poupou a vida de Dadá que segue presa, irreconhecível e indomável. Diante das poucas condições de higiene a perna ferida teve que ser amputada.

Ainda no hospital, Dadá foi “cortejada”, e assumiu um relacionamento com um novo companheiro, homem pacífico, que aceitava e respeitava seu passado. Típico amor platônico.

Nos anos 1970/80, tornou-se amiga do escritor Jorge Amado e do cineasta Glauber Rocha, recebeu homenagens na Câmara de Vereadores de Salvador, mas uma mulher inconformada com a humilhante exposição da cabeça do amado no Instituto Nina Rodrigues.

O caráter de Dadá não arrefeceu após o cangaço. Pelo contrário, brigou na Justiça para ter o direito de obter a cabeça de Corisco, exumar os ossos do “Diabo Loiro”, lavá-los e dar um enterro decente ao lendário Cristino.

Dadá viveu situações de intensa adrenalina. Em um determinado momento de sua vida, 28 anos após a morte de Corisco na fazenda Pacheco, a revista Realidade organizou e realizou um encontro entre Dadá e seu algoz, o implacável tenente Zé Rufino.

O ano era 1968 e Dadá foi a esse encontro com Zé Rufino já na velhice. Ele, convalescendo, dizem que chorou e pediu perdão a Dadá.

Disse Rufino:

- Não queria ter matado Corisco, tudo ocorrera devido ao combate”.

Dizem que Dadá não foi muito convincente ao conceder o perdão a Zé Rufino, pois não se furtou em dizer cara a cara.

- “Mas você sabe, mais que ninguém, que foi de emboscada”.

Declaração que deixou os seguranças de Rufino ali presentes, ex-volantes que também a haviam perseguido de orelhas em pé.

Depois disso, Dadá deixou o quarto de um Zé Rufino moribundo, seguiu seu rumo se amparando em uma muleta, mas altiva com seu olhar penetrante, uma mulher vencedora; uma heroína do seu tempo.

Pano rápido.

João Costa - blogdojoaocosta.com.br

Foto 1. Dadá. F 2. Tenente Zé Rufino.

Fonte: “Maria Bonita Entre o Punhal e o Afeto”, de Nadja Claudino, 2020

Matéria de Christina Matta Machado para Revista Realidade (Editora Abril)

“Gente de Lampião: Dadá e Corisco”, de Antônio Amaury de Araújo (2003).

https://www.facebook.com/groups/508711929732768

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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