Por João De Sousa Costa
“Você sabe que foi de emboscada”, disse Dadá ao tenente Zé Rufino, já moribundo, no encontro 72 anos após seu algoz matar Corisco e transpassa-la com uma rajada de metralhadora, na fazenda Pacheco em Barra do Mendes(BA). Mas quem foi esta mulher que sobreviveu para contar a história?
A trajetória de Dadá, é espetacular; ela surge como vítima, cresce como cangaceira, agiganta-se na velhice como heroína para deixar um legado incomparável. O relato a seguir, a partir do ponto, foi garimpado de várias narrativas.
A vida de Sérgia Ribeiro da Silva, famosa no cangaço com o apelido de Dadá, de Corisco, reflete o conturbado processo de empoderamento da mulher numa sociedade rural e patriarcal, uma vez que a sua entrada no bando se deu ainda menina e que sequer havia menstruado; Dadá fora raptada por Corisco, e rapto de mulheres, consentido ou não, era algo recorrente.
Sérgia teve uma trajetória violenta, trágica e lendária. “Ainda menina com 12 anos e virgem”, ela conta que sofreu violenta hemorragia na primeira relação. Ficou traumatizada, física e mentalmente.
Criou aversão pelo seu raptor, passou a evitá-lo. Dia seguinte ao rapto, corpo dolorido, febre e calafrio, é obrigada a seguir viagem. Ao entardecer, chegam à casa de uma tia de Corisco, dona Vitalina”.
-“Abenção, minha tia”, foi a saudação do cangaceiro, que vai direto ao assunto.
- “Quero deixar a menina com a senhora, para que cuidem da saúde dela. Sigo viagem, mas volto em breve”, comunica Corisco, que deixa dinheiro e parte caatinga à fora.
Esta situação em “cativeiro” durou três anos, com Corisco a visitando várias vezes. O tempo todo buscando agradar a menina Dadá, que pelo cangaceiro desenvolveu sentimento arredio, e na presença dele seu comportamento se alterava: tornava-se desconfiada e retraída.
A relação de Dadá e Corisco, que começara brutal, transforma-se com o tempo. Raptada aos 12 anos e depois integrada ao bando, começa a sua vida nômade, enfrentando tiroteios e fuga, seguindo Corisco, que era o segundo homem na hierarquia do bando de Lampião e com ele teve três filhos.
Ao contrário das demais cangaceiras que não combatiam, Dadá tinha boa pontaria, atitudes impositivas e a mão certeira no rifle; por conta desse temperamento, “não se afinava muito com Maria Bonita, a mulher do chefe”.
Mas a mão que atirava era a mesma que bordava. Todos os que sobreviveram ao cangaço, confirmam ter sido Dadá, ao lado de Lampião, a coautora da estética do Cangaço inovando os bornais com florais coloridos e colocando estrelas de cinco pontas.
Em 1939, com Lampião já morto, Dadá assumiu literalmente o comando do grupo de Corisco uma vez que seu companheiro fora ferido em tiroteio com as volantes ficando aleijado, sem condições de pegar em armas, ou mesmo comandar. Para agravar a situação, Corisco havia mergulhado no alcoolismo.
- Em confronto ele se superava, atirava correndo de lado com o fuzil apoiado no braço; depois desse ferimento, não podia mais rodopiar, saltar ou agachar-se, movimentos que o tornava no “Diabo Loiro”, recorda Dadá.
Sabe-se que Dadá influenciou Corisco na decisão de não se entregar – ela praticamente o impediu de depor as armas diante da anistia oferecida pelo Governo Vargas.
Dois anos após o massacre de Angico (1938), a implacável volante do tenente Zé Rufino ainda está em campanha, motivada pelo suposto tesouro do bandoleiro. Rufino localiza Corisco, Dadá, uma menina, Rio Branco e sua companheira Florência em fuga para o estado de Minas Gerais.
Surpreendido e incapaz de manejar um fuzil, Corisco novamente é ferido de morte, bem como Dadá alvejada com uma rajada de metralhadora.
Ela sobreviveu, Corisco não resistiu e morreu, tendo ali seu corpo desmembrado e sua cabeça levada como prova e troféu.
Por ato talvez de misericórdia, Rufino poupou a vida de Dadá que segue presa, irreconhecível e indomável. Diante das poucas condições de higiene a perna ferida teve que ser amputada.
Ainda no hospital, Dadá foi “cortejada”, e assumiu um relacionamento com um novo companheiro, homem pacífico, que aceitava e respeitava seu passado. Típico amor platônico.
Nos anos 1970/80, tornou-se amiga do escritor Jorge Amado e do cineasta Glauber Rocha, recebeu homenagens na Câmara de Vereadores de Salvador, mas uma mulher inconformada com a humilhante exposição da cabeça do amado no Instituto Nina Rodrigues.
O caráter de Dadá não arrefeceu após o cangaço. Pelo contrário, brigou na Justiça para ter o direito de obter a cabeça de Corisco, exumar os ossos do “Diabo Loiro”, lavá-los e dar um enterro decente ao lendário Cristino.
Dadá viveu situações de intensa adrenalina. Em um determinado momento de sua vida, 28 anos após a morte de Corisco na fazenda Pacheco, a revista Realidade organizou e realizou um encontro entre Dadá e seu algoz, o implacável tenente Zé Rufino.
O ano era 1968 e Dadá foi a esse encontro com Zé Rufino já na velhice. Ele, convalescendo, dizem que chorou e pediu perdão a Dadá.
Disse Rufino:
- Não queria ter matado Corisco, tudo ocorrera devido ao combate”.
Dizem que Dadá não foi muito convincente ao conceder o perdão a Zé Rufino, pois não se furtou em dizer cara a cara.
- “Mas você sabe, mais que ninguém, que foi de emboscada”.
Declaração que deixou os seguranças de Rufino ali presentes, ex-volantes que também a haviam perseguido de orelhas em pé.
Depois disso, Dadá deixou o quarto de um Zé Rufino moribundo, seguiu seu rumo se amparando em uma muleta, mas altiva com seu olhar penetrante, uma mulher vencedora; uma heroína do seu tempo.
Pano rápido.
João Costa - blogdojoaocosta.com.br
Foto 1. Dadá. F 2. Tenente Zé Rufino.
Fonte: “Maria Bonita Entre o Punhal e o Afeto”, de Nadja Claudino, 2020
Matéria de Christina Matta Machado para Revista Realidade (Editora Abril)
“Gente de Lampião: Dadá e Corisco”, de Antônio Amaury de Araújo (2003).
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