Por João Costa
Um detalhe que chama muita atenção no cangaço são os casais; notadamente os casamentos entre primos – foram muitos. O casamento entre primos no Brasil é permitido; embora em torno de um amor assim, pairem desconfianças genéticas, medo do pecado e tudo o mais. A endogamia era a possibilidade de amar na vastidão das zonas rurais, de vida social praticamente nula.
Tomemos o caso da primeira cangaceira e que não obteve fama; uma jovem destemida que casou com o primo por amor, pegou em armas muito antes de Maria Bonita e Dadá e as demais 36 cangaceiras da era lampiônica; foi trocada por outra mulher mais nova e terminou sua vida abandonada pelo icônico guerreiro e salteador do Pajeú pernambucano.
É o caso de Alina Eponina de Sá, prima e esposa de Sinhô Pereira. Mulher pouco conhecida até por pesquisadores, que passou a ter uma vida cangaceira em 1919, data de seu casamento no religioso com o já cangaceiro Sinhô Pereira, primeiro chefe de Virgulino, antes da era Lampiônica.
O relato é dela mesma, em entrevista ao jornal O Povo, de Fortaleza, em 1968, ao escritor e jornalista Otacílio Anselmo. Alina Eponina, de fato, foi a mulher pioneira no cangaço – e pouco, muito pouco mesmo, se sabe sobre seu perfil.
Ela mesma narrou que foi criada no mesmo universo rural do primo, casou por amor e seguiu o marido pelo tempo que este permaneceu no cangaço; acompanhou Sinhô Pereira quando "depôs as armas", foi para Goiás e depois morar em Minas Gerais até 1958.
A matéria do jornal O Povo, pinçada pelo escritor Frederico Pernambucano de Mello, no livro “Apagando Lampião” tem trechos assim:
“Alina passou a viver com o marido a partir do dia do casamento, havendo tomado parte em todos os combates travados desde aquela data, utilizando um rifle cano de mamão”.
Isso em 1919. Outra mulher que só haveria de manejar armas e impor autoridade a homens em armas, foi Dadá, entre os anos de 1930 e 1940.
Diz ainda Anselmo em sua matéria.
“O que mais assinalou sua audacíssima união com Sinhô Pereira foi o nascimento do filho, Severino Pereira, em 1922, já em Goiás; sem esquecer que a travessia de Sinhô Pereira deste estado para Minas, se deu em meio a pesados tiroteios”.
Alina revela que ao casar com Sinhô Pereira era nove anos mais moça que ele e fora abandonada por Pereira, já em Minas Gerais, simplesmente “trocada” por uma mulher mais nova.
A garota nascida na zona rural no longo domínio territorial de Serra Talhada, companheira de cama e de rifle, após seguir e apoiar o marido pelo Pajeú de Pernambuco, Ceará; depois Goiás e Minas Gerais, voltou para o Ceará.
Descartada, despojada de bens, a jovem que se apaixonara pelo primo guerreiro e com ele casou, estava de volta ao convívio da sua família no Cariri Cearense.
“Dona Lina” como ficou conhecida na velhice, morreu em junho de 1972 e foi sepultada no Cemitério de Jati-CE.
Na historiografia da mulher no Cangaço, há lacunas gigantescas a serem preenchidas por pesquisadores; para essas mulheres não cabem simplesmente papéis de coadjuvantes de seus companheiros, limitadas a sexo, civilidade ou mesmo de vitimização.
Mas é preciso acrescentar e destacar posturas e regras civilizadas que elas mesmas, com naturalidade, impuseram a homens celerados, ladrões, salteadores, injustiçados; simplesmente homens e seu tempo.
João Costa – blogdojoaocosta.com.br
Fonte: “Apagando Lampião”, de Frederico Pernambucano de Melo
Foto. Sinhô Pereira.
Cariri Cangaço - Imagem de Eponina.
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