Por: Alfredo Bonessi
Quando vi Sila pela primeira fez,
fiquei um bom tempo olhando para ela. Ela me mostrou uma foto quando ainda era jovem, no tempo do Cangaço. Olhei atentamente a fotografia e disse a ela: a senhora era muito bonita, se eu estivesse por lá roubava a senhora do Zé Sereno. Ela se virou de lado e respondeu: óooooooooooóh.
Depois mostrei a ela algumas fotos do bando de Lampião: ela não soube me dizer quem eram os cangaceiros da fotografia. A impressão que me causou era que escondia algo. Notei um certo nervosismo em seu comportamento. Aparentando calma e muito desconfiada, falava pouco e não respondia a quem se dirigia a ela. Em um jantar em uma churrascaria de Fortaleza, quando o GECC a recepcionou, estava na mesa mais de 25 pessoas e mais de duzentos ouvintes ao redor de nós, ela ficou todo tempo perto de mim e da minha esposa e após a janta, quando roncou o folede umasanfona, falei:
-Vamos dançar madrinha!
Ela me respondeu na bucha e secamente:
- Vá dançar com a tua mulher!
Foi o que eu fiz.
Outros encontros se sucederam na mesma semana.
Quando eu chegava e pedia a benção a ela:
- Abênção, madrinha!
Ela respondia:
- Jamais pensei que fosse ter um afilhado macaco.
Em uma viagem cultural a cidade de Maranguape-Ceará, quando ela foi recepcionada pela população em um ginásio de esportes, onde havia mais de trezentos espectadores, ela queria falar e não podia, a platéia não fazia silêncio, ela perdeu a calma e falou diretamente a população comprimida e inquieta que olhava para ela:
Escreveu três livros revolvendo o seu passado agitado e tenebroso – cada um diferente do outro. Sila era uma linda flor do nosso sertão, que mal amada e incompreendida, como tantas outras mulheres sertanejas na época, veio fazer parte dessa vida atribulada do cangaço, mas sem perder a beleza e a sensualidade, coisa que para cangaceiro isso pouca importância tinha - morreu de velha, na cama, quando muitas de suas amigas cangaceiras foram mortas a tiros, apunhaladas, mortas a pauladas, executadas na maioria das vezes pelos próprios cangaceiros.
Em uma viagem cultural a cidade de Maranguape-Ceará, quando ela foi recepcionada pela população em um ginásio de esportes, onde havia mais de trezentos espectadores, ela queria falar e não podia, a platéia não fazia silêncio, ela perdeu a calma e falou diretamente a população comprimida e inquieta que olhava para ela:
- Que povo mal educado, eu nunca vi um povo tão mal educado que nesse esse!
As palavras dela soaram como um raio - foi como se dessem uma chicotada na multidão. Um estrondo e um vozerio tomou conta da platéia. Tomei o microfone da mão da Sila e gritei para ela:
- Madrinha ! cuidado! - eles matam a gente aqui!!!!
Pegando da palavra, agradeci a presença de todos, elogiei a população do Ceará e principalmente a de Maranguape, dei uma ensaboada e passei a palavra para a Sila. A Secretaria de Educação do Município se levantou da platéia e veio em minha direção, pouco menos de 3 metros de distância, e cochichou para mim:
- O senhor falou em boa hora, se não as coisas iam se complicar aqui, ia ser uma brigaiada na certa.
Todas as vezes que eu estive com a Sila foi o mesmo silêncio por parte dela com relação ao cangaço e eu sabendo do sofrimento que ela tinha passado não perguntei mais nada, mas guardei bem as queixas que ela sempre fazia do marido
Zé Sereno, dando a impressão que ela nunca gostou dele. Também pudera, a menina fora levada de casa com 14 anos de idade, na marra, segundo ela, mas as vezes a gente tinha a impressão que ela foi a convite dele mesmo, porque no cangaço se encontravam três irmãos. Ela alega que se não fosse, o Zé Sereno podia matá-la, ou tomar uma represália contra a sua família, coisa que eu não acredito. Sila entrou no cangaço porque quis, embarcou na vida cangaceira para uma aventura que nem as outras mocinhas sertanejas de sua época, movidas pela curiosidade em ver aquela gente armada, com dinheiro no bolso, alegres, festeiro e prepotentes.
Grupo de cangaceiros de Sila e Zé Sereno
Após ser levada por Zé Sereno, já no dia seguinte, foi estuprada por ele em cima de uma pedreira - começava aí o seu sofrimento. A mulher foi feita para ser amada, acariciada, e não para ser violentada, possuída como um objeto de prazer – essa foi a vida de Sila ao lado de Zé Sereno, até a morte desse. Daí as suas mágoas e queixas pelo comportamento bruto e violento da parte dele.
Em dois anos de cangaço Sila presenciou umas quatro brigadas com a polícia, e nesse período por quatro vezes esteve na presença de
Lampião e de Maria – é muito pouco de quem se exige muito para contar. Nem mesmo Zé Sereno revelou a ela os segredos do cangaço, os coitos, os coiteros, os fazendeiros amigos, os vaqueiros em que se podia confiar, mesmo os paradeiros de outros cangaceiros, mesmo porque Zé Sereno sabia somente aquilo que era para saber, mas o grande segredo de tudo estava com Lampião e os cangaceiros mais velhos como
Juriti e
Luiz Pedro.
Nos encontros com o bando de Lampião Sila ficava na tolda dela a espera pelo marido, algumas vezes Maria do Capitão a chamava para comer na mesma barraca do chefe e saiam às vezes ali por perto para fumar um cigarro. Maria já era veterana no cangaço, fazia mais de seis anos que acompanhava o capitão, era agarrada com ele, obedecia a ele e dependia dele para sobreviver no cangaço, bem diferente de
Dada, a outra cangaceira, que contrariava as ordens de Corisco, alterava os planos feitos pelo marido, mudava o rumo do deslocamento do grupo, e tomava a frente na luta quando era necessário.
Sila era uma criança quieta, educada, tristonha, não sabia nada e o que mais gostava era quando os grupos de cangaceiros se reuniam ao redor das fogueiras para comerem carne assada, tomarem café e baterem uma prosa alegre e divertida.
Em Angico Sila ficava em sua barraca como tantas vezes ficara em outros lugares. Conversava com alguma mulher de vez em quando e na maioria das vezes esperava pelo marido. Não tomava parte nos planos dos cangaceiros, não falava nada a esse respeito, não sabia nada, e assim não podia opinar sobre esse ou aquele assunto ligado ao bando. Via algum cangaceiro não muito perto, de alguns sabia o nome, de outros apenas via sem saber quem era e o que fazia, nem para onde ia.
Volante policial do tenente João Bezerra
Iniciado o tiroteio na manhã de 28 de julho de 1938, sonolenta se levantou e custou a entender o que estava ocorrendo. Daí saiu correndo em uma direção. Outros vieram atrás dela. Alguns caíram pelo caminho. Ela por fim saiu do cerco e se encontrou com alguns cangaceiros fugitivos. Não sentia as dores dos lanhos que a caatinga impiedosa rascou em suas pernas e braços. Estava apavorada, horrorizada e por fim chorou muito as mortes acontecidas daquele dia, como um desabafo de quem passara por momentos de muita angustia e aflição.
Veio as entregas para as autoridades, seguiu destino incerto com o companheiro, e por fim rumou para a cidade grande, onde começaria nova vida – nova vida de sofrimento – de dor – de noites mal dormidas, trabalho com cansaço, a criação dos filhos, as brutalidades por parte do marido - quase um selvagem, a labuta diária em uma capital enorme, o custo de vida caro e cada vez mais exigente movido pela ganância do ser humano em ganhar dinheiro custe o que custar, doa em que doer, em cima de quem for. Sila acabara de vir de um meio hostil, onde a sede e a fome assolava a natureza de uma maneira geral. No cangaço o maior perigo era cair nas garras das volantes- ela mesma sabia se defender das balas da polícia que derrubavam paus a sua frente, mas vivendo na cidade grande pouca coisa podia fazer. As noites aflitivas e mal dormidas eram as mesmas, a doença dos filhos, o compromisso de chegar no horário no emprego, bandidos de toda sorte, sem identificação, desconhecidos, sem uniformes, estavam por todos os lados, perigos no trânsito, nos deslocamentos para o trabalho. Mesmo assim, essa vida louca das grandes cidades era bem melhor que a vida do cangaço, pelo menos se podia recorrer a algum médico para tratamento, podia se viver com higiene e banhos diários, podia se comer sossegado, podia se receber o calor e o carinho da família, tinha-se um lugar para viver e para morrer e havia um cemitério para descanso do corpo morto, coisa que na caatinga, quando muito, poucos felizardos tinham o direito de receber uma tosca cruz como indicativo de sua sepultura.
A maioria das respostas dadas por Sila era o silêncio ou então não sei. Bem diferente de não conheço, não vi, não vou dizer.
Depois de sessenta anos passados, não se pode exigir que uma senhora idosa e em avançada idade, se lembre daquilo que nunca viu, que fale o que não saiba, pois na época de meninice não entendia como se passavam aquelas coisas, como funcionava a sistemática do bando, que rumo tomar e como sobreviver naquela vida desgraçada.
Escreveu três livros revolvendo o seu passado agitado e tenebroso – cada um diferente do outro. Sila era uma linda flor do nosso sertão, que mal amada e incompreendida, como tantas outras mulheres sertanejas na época, veio fazer parte dessa vida atribulada do cangaço, mas sem perder a beleza e a sensualidade, coisa que para cangaceiro isso pouca importância tinha - morreu de velha, na cama, quando muitas de suas amigas cangaceiras foram mortas a tiros, apunhaladas, mortas a pauladas, executadas na maioria das vezes pelos próprios cangaceiros.
Quando se lembrarem da Sila, por favor se lembre dela com muito amor, com muito carinho, com muitas alegrias - pois ela em vida passou bem longe da felicidade.
A Bênção Eterna Minha Querida Madrinha. Do seu afilhado macaco - Alfredo Bonessi - Capitão do Exército Reformado SBEC - GECC
Artigo enviado para ser publicado neste blog pelo autor:
Capitão Alfredo Bonessi
Bonito, meu amigo. É isso que Sila merece . Aderbal Nogueira
ResponderExcluir