Por: Rangel Alves da Costa
Se o Rio São Francisco permitiu a povoação do Nordeste e, consequentemente, o desbravamento do sertão, pois a partir de suas margens os primeiros colonizadores adentraram as matas, também é verdade que muitas povoações surgiram nas beiradas dos seus afluentes, às margens dos riachos que cortavam as montanhas e os solos áridos e ressequidos.
O que ainda é hoje o município sergipano de Poço Redondo nasceu, por exemplo, às margens de um pequeno rio, o hoje irreconhecível, devastado e degradado Riacho Jacaré.
E se diz no que é ainda hoje Poço Redondo porque no passo que vai, nas mãos desastrosas das recentes administrações municipais, brevemente não restará nenhum vestígio sequer que diga que ali um dia foi berço de um grande povo.
Pois bem. Logicamente que nos distantes tempos do sertão tomado apenas por seus habitantes naturais – primitiva civilização, mataria nativa e bicho de toda espécie -, o riacho que nascia nos barrancos, nas cabeceiras da serra, corria gordo, cheio, bonito, num percurso espalhando vida tanto no seu leito como nas suas margens, até a desembocadura no Velho Chico.
Durante muitos meses ele ficava apenas empoçado esperando que as trovoadas chegassem. Então, quando as nuvens enegreciam, os trovões roncavam e os raios e relâmpagos tomavam conta dos céus, e lá na cabeceira a chuva começava a descer forte, não demorava muito e as águas começavam a correr famintas, velozes, levando tudo que encontrasse pela frente.
E nessa primeira viagem levava bichos, troncos, restos de vegetação e até pessoas. Eram águas ainda turvas, sujas demais, cheias de doenças, que só iam mudando de cor e de características, tornando-se sadias e aptas para o banho com três ou quatro enchentes seguidas. Então era a vez do banho, de um ou outro habitante de um tempo distante mergulhar na água salobra, os bichos se fartarem depois de tanto beber lama já endurecida.
Esse mesmo riacho viria matar a sede dos animais muito tempo depois. Aliás, suas margens foram testemunhas da chegada dos primeiros habitantes na mediana elevação denominada pelos forasteiros instalados nas terras de Poço. E Poço por causa do riacho com seus poços em toda sua extensão em épocas de secas. Mais tarde esse Poço se transformou em Poço de Cima porque situado numa parte mais elevada.
Contudo, num local mais abaixo, cerca de três quilômetros de distância, começou a surgir outra povoação denominada de Poço de Baixo. Assim, no início havia dois Poço em lugares distintos, um mais em cima, que foi a primeira povoação, e um mais embaixo. Daí Poço de Cima e Poço de Baixo. E por que mais tarde, tanto um como outro se agregariam para formar um só Poço, o Poço Redondo?
E mais uma vez vem o Riacho Jacaré para dar a resposta. Eis que nas épocas das grandes estiagens, quando secavam os tanques, os barreiros, as barragens, os bichos sedentos não tinham onde molhar o focinho, e o coitado do sertanejo praticamente não sabia o que fazer, muitos passaram a seguir os conselhos dos mais experientes. Estes não viam outro meio de matar a sede da criação senão com as águas salobras das cacimbas do bom e velho riacho.
Assim, o compadre passava para o compadre que não havia saída senão dar de beber ao rebanho cavando cacimbas ali no riacho ao redor. E cada vez que um tangia o seu gado até lá ia abrindo mais e mais uma cacimba que não demorou muito para se transformar num verdadeiro poço. Desse modo, quando o vaqueiro passava com seu gado dizia que ia matar a sede dos bichos lá no poço redondo. Do mesmo jeito, se perguntado, gritava logo que vinha do poço redondo.
E assim o nome foi ganhando força e não demorou muito para que esquecessem a denominação Poço de Baixo e passassem a citar apenas um nome, que batizaria para sempre a povoação, o povoado e depois o município: Poço Redondo.
Atualmente Poço Redondo, o maior município sergipano em área territorial, com sede do mesmo nome, mas que amanhã ou qualquer dia vindouro, poderá voltar a ser simplesmente um poço, um buraco, um abismo. Do jeito que essa administração municipal age certamente que será assim, apenas um poço, profundo e negro, que é a cor do caos administrativo.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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