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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

QUEM VIVER VERÁ

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

Não é minha característica ser cético ou pessimista, mas tão-somente o mais realista possível acerca das situações vivenciadas e que não podem e não devem ser omitidas.
Atualmente o mundo já está num estágio de barbárie, sendo que manifestações esporádicas de solidariedade, respeito ao próximo e compartilhamento das situações da vida, representam quase nada diante do caos desumanizador, da violência desenfreada, do medo que se instala em tudo e em todos.
Contudo, difícil dizer, mas será muito pior daqui em diante. Ora, não aprendemos nada quando vivíamos num estágio familiar; mais tarde embrutecemos mais ainda no estágio social; e hoje, que vivemos no estágio do individualismo, o que impera é o tanto faz, o cada um que se dane.
Ademais, num tempo mais antigo, quando a religiosidade possuía uma força muito maior não somente humanizadora e conciliadora do ser humano, mas também limitando as suas ações através do temor divino pelos erros cometidos, ainda assim não se conseguiu que as realidades materiais não se sobressaíssem às verdades espirituais.
Hoje nem se fala mais em devoção, em temor pelos pecados cometidos, em mais tarde ter de prestar contas pelas tantas iniqüidades cometidas. O homem parece não ter mais tempo para nada disso, valendo-se da sua existência terrena apenas para acumular, para ter mais, para sobressair-se em tudo, ainda que para tanto afaste com marca de sangue o próprio consangüíneo.
E não vai durar muito e se terá pessoas simplesmente passando por cima de cadáveres vítimas da violência, como se um corpo estirado ao chão ou jogado numa vala qualquer fosse apenas uma coisa apodrecida, imprestável, algo que se deva jogar no lixo.
Ninguém mais pedirá emprestada uma pitada de sal, uma xícara de açúcar, um punhado de farinha, uma medida de feijão. Triste de quem tiver sede no meio do caminho ou na porta do outro, quem precise entrar um pouco para descansar do sol, quem implore de um comprimido pra dor de dente. Nada conseguirá senão a porta na cara.
A mão erguida do pedinte será dilacerada pela arma que fará parte da vestimenta de cada um; a mão que está segurando a ponta da rocha para não cair no precipício será esmagada para a queda ser mais ligeira; o pedido de socorro, de ajuda, o grito desesperado de medo será tão ignorado como a própria pessoa já estava sendo.
Conceitos como amor, amizade, companheirismo, apoio, afeto, irmandade, solidariedade, ajuda mútua e muitos outros, deixarão de existir completamente. Porque ninguém precisará mais de ninguém, vez que já estará instalado na terra o individualismo mais feroz; cada um tratará o outro, até mesmo o familiar mais próximo, como um perigoso desconhecido.
Ora, o inimigo não fala, não olha, não dá bom dia nem boa noite ao inimigo; o inimigo não conversa com o vizinho por cima do muro, não atende a quem bate na porta a não ser com arma em punho, não caminha pelos lugares sem mostrar que tem mais força que o outro, que não tolera qualquer desacato, que está disposto a matar simplesmente porque o outro o olhou com cara suspeito ou, passando, tocou no seu braço.
Pra não viver na solidão, dividirá com outra pessoa do mesmo ou do sexo diferente o mesmo espaço, numa relação de distanciamento, brutalidade e rancor, onde a máxima aproximação que se possa ter é para satisfazer o instinto bestial do prazer pelo prazer, do sexo brutal e usurpador, vez que nenhum tipo de desejo afetivo, de prazer amoroso ou de entrega compartilhada existirá mais.
Não há nenhum problema se estiverem achando que estou exagerando, que estou profetizando o caos ou que realmente estou sendo muito pessimista. Digo que sim, digo que não, mas quem viver verá a dor de querer ser gente em meio a bichos vorazes, sedentos, ferozes.
Será a sociedade de apenas duas espécies, a caça e o caçador, sendo que os dois se confundirão em cada esquina de selva de dilacerante selvageria. Creio que nem precisará esperar muito, bastando sentir o significado da porta que tem de estar sempre fechada e o noticiário dizendo das maravilhas vermelhas que os homens se presenteiam.

Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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