Por: Rangel Alves da Costa
A CIDADE DOS DOIDOS
Quem me contou jurou por Deus que não era maluco, por isso acreditei, mesmo sabendo que não tenho o juízo muito certo. Mas segundo o amigo, existia - e talvez ainda exista – um lugarejo muito diferente desses que comumente conhecemos. A primordial diferença que é ali só havia doido.
E maluco de todo tipo: doido de pedra, ruim do juízo, afetado pela lua cheia, amalucado, desnorteado da cabeça, alheio às coisas da vida, apatetado, pessoa velha acriançada, lelé da cuca, apatetado.
Mas também outros tipos de doidices, cujos sintomas eram silenciosos e ao mesmo tempo perigosos demais, pois havia o doido de paixão, o endoidecido de amor, a mocinha maluca que conversa com o vento e namorava com uma estrela, rapaz velho que só andava de fralda e com chupeta na boca.
Como a loucura era comum, com todos se entendendo e convivendo na base da maluquice, praticamente não havia diferença de classe, de poder nem centralização deste nas mãos de alguns doidos mais espertos. Verdadeiramente era uma doidice socializada, num sistema comunitário de vida e compartilhamento de ações.
A cidade dos doidos possuía algumas características engraçadas. As ruas não eram pavimentadas nem de terra batida, mas completamente tomadas de pedrinhas, maiores ou menores, que serviam para cada um se abaixar, pegar a que quisesse e jogar no outro. Logicamente que não havia janela de vidro e os telhados das casas eram todos espatifados pelas pedras jogadas.
Quando era tempo de lua cheia uma leva de doidos ficava sem suportar. Com o pouco do juízo querendo voar a todo custo, ao anoitecer se via muita gente segurando a cabeça com as mãos, querendo gritar, indo em direção às lugares mais altos das redondezas. Por lá, subiam nos cumes e se voltavam pra lua imensa, gritando, querendo explodir, ficando ainda mais enlouquecidos. Soltavam uivos feitos lobos, ganiam feito animais feridos.
Ao entardecer, pelas janelas abertas se viam as mocinhas loucas de amor, sonhando com príncipes encantados que surgiriam montados num lindo e alvíssimo cavalo alazão. Muitas choravam, conversavam sozinhas, se lamentavam da vida e do destino desamoroso; outras apareciam com cartas nas mãos, fotografias e objetos, e depois começavam a bater no peito, a pular e a gritar, a desmaiar. Era a coisa mais triste de se ver.
A velha, completamente nua e apenas com um lenço na cabeça, colocava sua cadeira de balanço na calçada e ali ficava matutando em nada, balançando suas pelancas ao vento do entardecer. Todos os dias a mulher se apimentava toda, vestia calcinha e sutiã vermelhos, se lambuzava de pintura e batom também vermelhos, e de bolsinha vermelha no braço saía desfilando pelas esquinas perguntando quem queria fazer coisa feia.
Um doido passava por outro dando bom dia e ouvia como resposta que não tinha visto não; outro saía na frente da casa com uma caneca na mão, mijava virado pra rua e depois bebia o líquido de lamber os beiços; um maluquinho saía catando ponta de cigarro e colando uma ponta na outra, e só começava a tragar quando o seu pacaio chegava a mais de metro; a menina todo dia saía cedinho de casa pra caçar um passarinho invisível. Voltava com qualquer um, dava comida e banho e depois colocava dentro de uma gaiola também invisível. E o bichinho saía voando feliz.
Dificilmente as pessoas se alimentavam de outras coisas senão de folhas do mato, flores do campo, palma cortadinha em cubos, salada de folhagens secas que se juntavam pelo chão. Bebiam todo que encontrasse pela frente, principalmente água de sete dias. E dava uma sede danada esperar esse tempo passar. Mas os mais jovens preferiam se alimentar da brisa, do vento, da ventania. E assim ficavam de bocas abertas nos descampados esperando o alimento chegar.
Mas um dia chegou um forasteiro e não conseguiu entender nada do que encontrou por ali. Cruzaram perguntando se Deus estava passando bem, jogaram uma pedrinha que quase acertou seu óculos, um velho passou de dando língua e o bebezão queria a todo custo que ele lhe colocasse no braço e desse de mamar.
E viu a doida mais linda do mundo soltando bolinhas de sabão na janela. Que coisa mais maluca é essa de se apaixonar tão loucamente assim. Pensou, doido de paixão pela maluquinha. E por ali mesmo ficou, vivendo para sempre da insanidade do amor.
Rangel Alves da Costa
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário