Por: Rangel Alves da Costa*
AS ÁRVORES FRUTÍFERAS DO MEU POMAR
Desde que nasci, lá pelos idos dos anos 60, que cultivo um pomar de árvores frutíferas. Ainda pequenino, molecote sertanejo filho de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, comecei a semear as espécies que hoje dão os seus frutos.
Contudo, não imaginem que o meu pomar repousa num quintal ou num pedaço de terra qualquer. Do mesmo modo, não pensem que suas árvores são do reino vegetal, com raízes que adentram na terra, troncos que se alargam ou se alongam, e galhagens e folhas que se retorcem no outono.
Não pensem assim porque não encontrarão o pomar em qualquer endereço nem dele colherão qualquer fruta madura, amarelinha e saborosa, ao amanhecer. Ora, meu pomar está em muitos lugares, é onipresente, vive todas as cores das quatro estações a um só tempo, possui frutas que dão o sabor que pretendo ter naquele momento, possui arvoredos que estão na minha mente.
O meu pomar, esse meu pomar que está onde estou e mais adiante, mas que também se esconde quando assim pretende a minha natureza, é verdejante do sangue que escorre nas minhas veias, mas também é seco e esturricado pela acidez do suor do meu sol cotidiano. É sombreado e ensolarado demais, tem a mansidão e o aconchego da brisa e também o calor de fornalha.
Mas é desse pomar tão tudo e tão nada que vivo colhendo o alimento da sobrevivência. Se quero o azedume na fruta me chega o fruto da saudade, da recordação dolorosa, do sofrimento tanto. Se quero a delícia adocicada inverto toda a saudade e sofrimento e digo a mim mesmo que a vida é feita de superações. Se quero apenas tocar o fruto e imaginar seu interior é como se um espelho estivesse em minhas mãos.
Avisto uma goiaba madura - dessas que me fazem espantar passarinho - que algum dia cairá de passada e eu jamais morderei a sua carne amarelo-avermelhada, rósea, tão sensual. Já me aconteceu isso um dia, noutro pomar chamado amor, e noutra árvore chamada mulher, numa manhã chamada namorada. Com apetite dos adolescentes, jamais pude colher a fruta. Depois soube que passarinhos engoliram até as sementes.
Vejo uma manga grande, bonita, viçosa, porém ainda verdosa. Não sei se será doce ou azeda porque as árvores do meu pomar confundem tudo para me confundir. O fruto amarelinho, oloroso, magnífico por fora, mas insuportável de se dar a segunda mordida. E o contrário acontece também, pois já senti sumarento adocicado naquilo que à primeira vista não merecia nenhum valor. Mas dizem que tudo na vida é assim também, coisa que não sei. Aliás, não sei nada na vida, a não ser viver dos exemplos colhidos no meu pomar.
Outro dia, sem que eu soubesse que existia, pois nunca plantei, encontrei um pé de araçá, um araiçaizeiro, com seus pequeninos, misteriosos e encantadores frutos. Poucas frutas são menores do que o araçá, mas com certeza não haverá outra igual no sabor, na doçura que tem, no prazer que proporciona em experimentar gulosamente. Mas é tão difícil de se encontrar na natureza que muitos preferem chamar o araçá de amor.
E quando olho e sinto o araçá ainda desnudo, apenas florindo, lembro que antes que nasçam os seus frutos tenho que sair por aí valorizando mais as pequenas coisas, tudo aquilo cujo significado não está no tamanho nem na aparência, mas principalmente na sua essência. Pelo exemplo do araçá, descubro que há de se perder a presunção negativa sobre tudo, que não nenhuma virtude em avaliar o outro pela simples aparência.
Mas estou pensando em plantar novas árvores no meu pomar. Arvoredo novo, novas espécies, sabores diferenciados. Gosto da carambola fria e rejeitada como a solidão, gosto do sabor grudento do sapoti, me acostumei ao sabor travoso do caju, aprecio o cheiro lilás da jabuticaba, sem falar do que já é conhecido demais. Mas agora vou plantar mudas de alegria, de esperança e de contentamento. Verdade é que ando triste e solitário demais.
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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