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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

SANTINHOS DE SÉTIMO DIA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

SANTINHOS DE SÉTIMO DIA

Santinhos de missa de sétimo dia, impressa recordação de quem partiu, lembrança visível espalhada entre todos. Há os que apenas recebem; há os que colecionam com singeleza e ternura; há os que não vivem sem ter ao lado aquela fotografia datada com uma mensagem escrita.

Na missa de sétimo dia a família do falecido distribui a recordação entre os presentes. Na fotografia, a eternidade no semblante desaparecido, o olhar que agora parece triste na distância. Talvez um ou outro aviste um sorriso, uma incrível sensação de presença naquele gesto que parece saindo do papel, alcançando a vida, talvez dizendo: Não fique triste que estou aqui!


Outro dia, numa missa do entardecer na Capela do São Salvador, em Aracaju, após o sacerdote citar nomes de falecidos, escutei-o dizer, a pleno pulmão, que se engana quem achar ou costumeiramente ficar dizendo que quem morre continua com alguma presença na terra. E afirmou que quem morre desaparece, some totalmente da vida terrena.

Se o religioso quis afirmar do total desaparecimento corporal, não proferiu a explanação com tal intenção, e sim como se quisesse dizer que os mortos sucumbem até aos sentimentos familiares; que os falecidos devem, portanto, dar menor importância aos entes que partiram. Apenas, ouvi, calei. Mas não posso concordar de jeito nenhum com tal concepção, principalmente vinda de um sacerdote.

É uma questão sentimental, de amor, de reconhecimento familiar e de amizade. Não há concepção desse tipo que prevaleça diante do sentimento familiar, dos inevitáveis gestos de dor, de saudade, de profunda falta. E é um sofrimento tão forte, espalhado entre parentes e amigos, que outra coisa não emerge senão o duvidar do acontecimento, a não-aceitação da perda, o sentimento inafastável da presença. E isto perdurará na mesma dimensão do sentimento com relação à pessoa falecida.

Não há, pois, como negar que a morte corporal de uma pessoa querida, de um pai, uma mãe, um irmão, um bom parente, um grande amigo, aumenta ainda mais a sua visibilidade sentimental. Eis que muitas vezes o verdadeiro reconhecimento do amor sentido por aquela pessoa só se descortina depois de sua perda. E isto não é fator negativo, pois a presença faz com que as demonstrações de carinho e afeto sejam sempre adiadas.

Daí é que a perda, a morte, seja lá por qual motivo for, surge sempre como algo dolorosamente inaceitável. Dentro do coração de cada um permanece a presença do outro, ou mesmo parecendo que ainda se encontra por ali fisicamente, e tal sensação logo demonstra que o advento da morte faz surgir uma contínua proximidade entre a presença e a ausência: a saudade, a vontade de estar lado a lado, a recordação tecendo o que poderia ter sido realizado...

Os indescritíveis sentimentos pela perda de alguém querido, amado, adorado, se fazem como entorpecidos e conflitantes até chegar o momento da missa de sétimo dia. Nesta missa, que representa o marco do descanso bíblico - eis que Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou – e ora-se pela alma para que ela repouse eternamente ao lado do Senhor, é também o momento de fortalecer o significado que teve a pessoa na sua passagem terrena.

São belos e tristes os ritos iniciais desta missa: “Irmãos e irmãs, para quem crê, a morte é apenas mudança de uma aparência passageira, Jesus Cristo nos garante; a saudade triste, que hoje nos aflige, traz consigo a esperança de que um dia nos encontraremos de novo para nunca mais nos separarmos”.


E tal fortalecimento se dá de maneira simbólica, com a oferta a cada um dos presentes na missa de um santinho contendo uma fotografia da pessoa falecida, sempre acompanha de uma mensagem, um poema, uma verdade brotada da mão de um familiar que, com poucas palavras, procura expressar tudo aquilo que a pessoa representou para aqueles que compartilharam do seu convívio.

Contudo, penso eu que os santinhos de sétimo dia possuem uma simbologia ainda maior, mais contundente, mais permanente. Vejo em cada um deles uma casa, um lar, uma vida em miniatura. Representando uma existência partida, continuará existindo ao lado de cada um, reencontrando ali o olhar, a feição, o sorriso, em todo momento que a saudade chamar.

(*)Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com


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