Por: Rangel Alves da Costa(*)
SANTINHOS
DE SÉTIMO DIA
Santinhos de
missa de sétimo dia, impressa recordação de quem partiu, lembrança visível
espalhada entre todos. Há os que apenas recebem; há os que colecionam com
singeleza e ternura; há os que não vivem sem ter ao lado aquela fotografia
datada com uma mensagem escrita.
Na missa de
sétimo dia a família do falecido distribui a recordação entre os presentes. Na
fotografia, a eternidade no semblante desaparecido, o olhar que agora parece
triste na distância. Talvez um ou outro aviste um sorriso, uma incrível sensação
de presença naquele gesto que parece saindo do papel, alcançando a vida, talvez
dizendo: Não fique triste que estou aqui!
Outro dia,
numa missa do entardecer na Capela do São Salvador, em Aracaju, após o
sacerdote citar nomes de falecidos, escutei-o dizer, a pleno pulmão, que se
engana quem achar ou costumeiramente ficar dizendo que quem morre continua com
alguma presença na terra. E afirmou que quem morre desaparece, some totalmente
da vida terrena.
Se o religioso
quis afirmar do total desaparecimento corporal, não proferiu a explanação com
tal intenção, e sim como se quisesse dizer que os mortos sucumbem até aos
sentimentos familiares; que os falecidos devem, portanto, dar menor importância
aos entes que partiram. Apenas, ouvi, calei. Mas não posso concordar de jeito
nenhum com tal concepção, principalmente vinda de um sacerdote.
É uma questão
sentimental, de amor, de reconhecimento familiar e de amizade. Não há concepção
desse tipo que prevaleça diante do sentimento familiar, dos inevitáveis gestos de
dor, de saudade, de profunda falta. E é um sofrimento tão forte, espalhado
entre parentes e amigos, que outra coisa não emerge senão o duvidar do
acontecimento, a não-aceitação da perda, o sentimento inafastável da presença.
E isto perdurará na mesma dimensão do sentimento com relação à pessoa falecida.
Não há, pois,
como negar que a morte corporal de uma pessoa querida, de um pai, uma mãe, um
irmão, um bom parente, um grande amigo, aumenta ainda mais a sua visibilidade
sentimental. Eis que muitas vezes o verdadeiro reconhecimento do amor sentido
por aquela pessoa só se descortina depois de sua perda. E isto não é fator
negativo, pois a presença faz com que as demonstrações de carinho e afeto sejam
sempre adiadas.
Daí é que a
perda, a morte, seja lá por qual motivo for, surge sempre como algo
dolorosamente inaceitável. Dentro do coração de cada um permanece a presença do
outro, ou mesmo parecendo que ainda se encontra por ali fisicamente, e tal
sensação logo demonstra que o advento da morte faz surgir uma contínua
proximidade entre a presença e a ausência: a saudade, a vontade de estar lado a
lado, a recordação tecendo o que poderia ter sido realizado...
Os
indescritíveis sentimentos pela perda de alguém querido, amado, adorado, se
fazem como entorpecidos e conflitantes até chegar o momento da missa de sétimo
dia. Nesta missa, que representa o marco do descanso bíblico - eis que Deus
criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou – e ora-se pela alma para que
ela repouse eternamente ao lado do Senhor, é também o momento de fortalecer o
significado que teve a pessoa na sua passagem terrena.
São belos e
tristes os ritos iniciais desta missa: “Irmãos e irmãs, para quem crê, a morte
é apenas mudança de uma aparência passageira, Jesus Cristo nos garante; a saudade
triste, que hoje nos aflige, traz consigo a esperança de que um dia nos
encontraremos de novo para nunca mais nos separarmos”.
E tal
fortalecimento se dá de maneira simbólica, com a oferta a cada um dos presentes
na missa de um santinho contendo uma fotografia da pessoa falecida, sempre
acompanha de uma mensagem, um poema, uma verdade brotada da mão de um familiar
que, com poucas palavras, procura expressar tudo aquilo que a pessoa
representou para aqueles que compartilharam do seu convívio.
Contudo, penso
eu que os santinhos de sétimo dia possuem uma simbologia ainda maior, mais
contundente, mais permanente. Vejo em cada um deles uma casa, um lar, uma vida
em miniatura. Representando uma existência partida, continuará existindo ao
lado de cada um, reencontrando ali o olhar, a feição, o sorriso, em todo
momento que a saudade chamar.
(*)Poeta e
cronista
e-mail:
rac3478@hotmail.com
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