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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

DE UMA SEXTA FEIRA ENSOLARADA

Por: Honório de Medeiros
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O carro parou ao lado da criança. Havia como que um assento de cimento – se é que se pode dizer assim – ao lado da banca de revistas, mas ela não deu muita atenção ao carro, nem mesmo quando seus ocupantes saíram e um deles lhe fez cócegas na cabeça e passou apressado.

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A mãe, sentada, de cabeça baixa, cotovelo cravado nas pernas, tinha os olhos ocultos pela mão direita espalmada e não modificou sua postura para ver o que se passava ao seu redor. De relance se pôde perceber que parecia insensível ao tráfego barulhento, enquanto sua mão esquerda segurava firmemente o pulso da criança.

Entraram na banca. Compraram jornais. Separaram, de comum acordo, um chocolate para ser dado à criança. Saíram. Nada mudara. Ao se aproximarem perceberam as roupas de ambas – singelas, mas compostas. Ofereceram o chocolate sem dizerem qualquer palavra. A mãozinha frágil o pegou, ávida, enquanto um “oba!” despertava a atenção da mãe. Esta, tirando a mão dos olhos e encarando os dois homens que observavam sua filha deixou a descoberto um rosto ainda jovem, banhado em lágrimas.

- “Minha senhora”, perguntaram, “porque está chorando?”

 “Fome!”, respondeu.

A criança, de um louro amarelado que ressaltava sua ascendência negra, magrinha, magrinha, lambia, deliciada, o chocolate totalmente despido. Não se dava conta do que se passava ao seu lado.

- “Fome?”. Perguntaram novamente.

-  “É”. “Não tenho vergonha em dizer”. “Os senhores sabem se tem alguma Casa de Apoio aqui perto?”

- “Tem uma logo naquela rua”, responderam.

- “Está fechada”. “Tem o Albergue”, ela continuou, “na descida da ladeira, mas ele cobra vinte reais para o pernoite e refeições”.

Fez-se um silêncio incômodo, doloroso. Será que ali estava alguém querendo aplicar um golpe, explorando aquela infância comovente que agora brincava de lamber, um a um, os dedinhos sujos de chocolate, eles se perguntaram.

- “Vim do interior no carro da Prefeitura trazer meu marido para o hospital de emergência, mas não posso ficar lá e ele só sai segunda”

Era uma sexta-feira radiante, ensolarada...

- “Eu ia ficar na casa do meu pai. Ele mora aqui, mas se mudou e não mandou seu endereço novo. O carro da Prefeitura só vem na segunda, o que vou fazer para dar de comer a essa criança? Pedir eu não peço. Falei com o motorista da Besta para ele nos levar que eu pagava lá. Ele disse que não fazia fiado”.

Enquanto falava, as lágrimas pingavam uma a uma no regaço do vestido. As mãos torciam uma à outra. A bolsa, preta, de material ordinário, flácida, vazia, separava-a da criança que então olhava, atenta, um pequeno jorro de água que brotava da torneira mal fechada e originava um pequeno córrego a deslizar por entre o capim limitado por pedras de contenção. Os olhos da mãe já há muito não encaravam nada nem ninguém. Estavam perdidos no vazio. O desabafo era para o mundo que a cercava. Eles apenas o desencadearam. Parecia alheada de tudo.

- “Olhe”, disse um deles estendendo a mão que segurava a cédula.

Ela olhou durante algum tempo antes de pegá-la. Abriram as portas do carro.

- “Como é o nome dos senhores?” Levantara-se, puxando a menina.

- “Por quê?”

- “Eu quero rezar pelos senhores”.

Foram-se. Pelo vidro retrovisor era possível perceber a imagem que se distanciava. Continuavam no mesmo lugar, imóveis, as duas, olhando o carro. Mesmo pelo espelho era possível perceber uma mão segurando, firmemente, a cédula, enquanto a outra não largava a criança que dava adeus, em câmara lenta – tão pequena, tão frágil – destacando-se delicadamente contra o cinza da banca de revistas.

Extraído do blog do escritor e pesquisador do cangaço:
Honório de Medeiros



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