Por: Rangel Alves
da Costa(*)
FLOR DO CANGAÇO
Qual a mais
bela dentre todas aquelas mulheres que por desejo ou amor, ilusão ou suposta
inocência, um dia acabou tecendo bordados, empunhando armas, inventando
vaidades ou sendo apenas mulher com seus afazeres, no mundo cangaceiro? Qual
aquela que poderia ser chamada exemplo maior da beleza cangaceira?
Muito menos
que os homens, mas foram muitas as mulheres que também enveredaram pelas
veredas catingueiras naqueles tempos de vinditas, perseguições e desassossego.
Algumas saindo de casa ainda meninas, na flor da adolescência; outras já
mocinhas, já sabendo compreender as durezas da vida, mas ainda assim muito
jovens; e ainda outras motivadas pela paixão ao cangaceiro ornado de encanto e
sedução.
E de repente a
bela flor campesina, o doce lírio agrestino, estava deixando ao esquecimento
seus sonhos sertanejos, sua vida em segurança, uma existência sem tantas e tão
desagradáveis surpresas, e seguindo caatinga adiante. Quando já na companhia de
seu companheiro, o laço desfeito até que era compreendido pelos familiares e
conhecidos. Contudo, muitas vezes a pequena flor era arrancada de seu leito
enquanto ainda brotava.
Bela flor saía
de casa e com a mesma feição continuava dia após dia. Verdade que a vida
difícil, o sol queimando a pele, o cansaço e a falta de tempo para maiores
cuidados, logo endurecia a feição, envernizava a seda escondida no rosto
bonito. Mas quem beleza possui assim
continuará, mesmo que o tempo pincele insensivelmente aquele retrato. E
vaidosas como eram, chegadas demais a espelhos, perfumes, penteados e joias,
certamente que as cangaceiras não se afastavam muito da formosura própria que
possuíam.
Mas dentre
elas, em meio a todas que um dia sentiram na face o beijo do sol causticante e
por todo o corpo a carícia do espinho de mandacaru e o afago da urtiga, qual
pode ser considerada a verdadeira flor do cangaço? Qual delas, gestada e
florescente na beira das veredas carrasquentas e em meio a tufos de mataria,
pode ser denominada flor da caatinga?
Maria Bonita
de Lampião, Adília de Canário, Adelaide de Criança, Dadá de Corisco, Enedina de
Cajazeira, Sila de Zé Sereno, Mariquinha de Ângelo Roque, Lídia de Zé Baiano,
Dinda de João Mulatinho, Rosinha de Mariano, Naninha de Gavião, Catarina de
Nevoeiro, Aristéia de Catingueira, Durvinha de Moreno, Dulce de Criança, Maria
de Juriti ou Maria de Pancada? Ou outras e outras e outras?
As opiniões
são diversas. Os estudiosos e pesquisadores diferenciam suas escolhas. Para
uns, indubitavelmente foi Lídia a mais bela e encantadora; outros opinam acerca
da incomparável beleza da descendente
de índios Catarina; muitos apontam a reconhecida formosura de Sila e a morenice
brejeira e fascinante de Adília. Para o saudoso Alcino Alves Costa, inigualável
era a beleza de sua conterrânea Enedina.
Em artigo
intitulado “A beleza da mulher
cangaceira“, Alcino assim defende sua escolha por Enedina, e o faz com base
numa fotografia que, de alguma forma, estava apreciando enquanto escrevia. Mas
alonga seus elogios a muitas outras que com sua beleza arrefeceram as durezas
daqueles dias. Diz Alcino:
“Vejam meus
companheiros o quanto Enedina era bela. Uma menina-moça que carregava em seu
corpo e em seu espírito uma lindeza incomparável. E saber que uma jovem e linda
mulher como Enedina, no fulgor de sua mocidade, perdeu a vida, com a sua cabeça
esbagaçada por uma infeliz bala, na subida de uma das serras de Angico, é um
acontecimento que ainda hoje, após tantos anos, nos deixa tristes e
desconsolados. Olhem devagar e com muito carinho esta foto. O que é que vocês
acharam? Que tal! Aí está a prova do quanto a mulher sertaneja era e é bela,
linda, maravilhosa.
A beleza da
mulher cangaceira era realmente invulgar. Além de Lídia, considerada a mais
bela de todas, não podemos desconhecer a beleza de Maria Bonita, de Maria de
Pancada, de Dulce, a segunda companheira de Criança; de Sila de Zé Sereno, o
jeito trigueiro e belo de Dadá de Corisco e Inacinha de Gato e tantas outras
que com sua beleza e seu fascínio alucinavam os jovens cangaceiros que tinham
naquelas lindas flores campestres, flores em forma de gente, a essência do amor
e do desejo se derramando aos dengos em seus másculos braços, alucinadas de
desejos, dominadas por uma volúpia incontrolável, dando e recebendo quase que
divinais momentos de felicidade e prazer, mesmo que em um ambiente quase que
perene de sofrimento e gravíssimos perigos da própria vida.”
Difícil, pois,
apontar qual delas pode ser considerada a mais bela. Mas não precisaria. Num
alento a todas, mais justo afirmar que cada uma possuía seu jeito próprio de
ser bela. O encanto da face ou do corpo era apenas um aspecto a ser
considerado. Daí que Maria, a Bonita do Capitão, possuía um feitiço próprio que
fazia fervilhar aquele coração cangaceiro. De rosto e de corpo certamente que
não era a mais vistosa. Mas não se pode duvidar de outros encantos.
Todas foram
flores e belas flores. E todas flores do campo, colhidas nos jardins
ressequidos das terras sertanejas. E tão belas foram que nem a guerra
consumindo suas forças teve o poder de murchar a força do sorriso, a magia do
olhar, a beleza da pétala em cada face. Os retratos estão aí e não deixam
mentir.
Houve esse
tempo de jardim catingueiro, de vergel cangaceiro, e canteiros floridos em meio
a uma tempestade sem fim.
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Poeta
e cronista
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