Por Geraldo Maia do Nascimento
Toda cidade
tem sua data, e essa data é festejada sonora e festivamente. Mossoró escolheu
como data magna o 30 de setembro, dia em que oficialmente libertou os seus
escravos, cinco anos antes da famosa \"Lei Áurea\". Podia ter
escolhido outra data qualquer mas não quis; podia ter escolhido o 5 de agosto,
em que a provisão para a ereção da Capela de Santa Luzia marca historicamente o
início do Arraial; podia ter escolhido, igualmente, o 24 de janeiro, data da
instalação da sua primeira Câmara Municipal, o que determina o nascimento da
unidade dentro da Província; da mesma forma podia ter escolhido o 15 de março,
data da sua emancipação política ou o 9 de novembro, data em que a vila fora
elevada ao predicamento de Cidade, título máximo do crescimento político da
época; mas não quis. Preferiu escolher sua data entre aquelas que representavam
uma vitória humana contra o egoísmo materialista. O 30 de setembro simboliza
uma luta do povo, festejada não por imposição política, mas por instinto
fraterno. Uma luta em que o povo de Mossoró pode dizer, como disse São Paulo:
\"combati o bom combate\".
Mossoró
foi a primeira cidade do Rio Grande do Norte a fazer campanhas sistemáticas
para libertação dos seus escravos. Não foi uma luta de poucos; foi uma luta que
envolveu, de uma maneira ou de outra, toda a cidade de Mossoró. E por ter sido
uma luta coletiva, pacífica e pioneira no Estado, é comemorada ainda hoje como
sendo a maior festa cívica da cidade.
O
Rio Grande do Norte não chegou a ser um Estado que dependesse da mão de obra
escrava para o seu desenvolvimento. A 1º de setembro de 1848, Casimiro José de
Morais Sarmento, deputado geral pelo Rio Grande do Norte, falava na sessão
daquele dia:
\"Concorda
em que o trabalho do escravo não é necessário. No Rio Grande do Norte há poucos
escravos, e quase toda a agricultura é feita por braços livres. Conhece muitos
senhores de engenho que não têm senão quatro ou cinco escravos, entretanto que
têm 20, 25 e 40 trabalhadores livres, e se não os têm em maior número, é pelo
pequeno salário que lhes pagão. Disto se convenceu o orador quando ali foi
presidente, porque em conseqüência de elevar o salário a 400 reis por dia,
nunca lhe faltarão operários livres para trabalharem na estrada que teve de
fazer\".
Mossoró,
particularmente, nunca foi uma cidade escravocrata. Possuía apenas 153 escravos
em 1862, para uma população livre de 2.493 indivíduos. Estatisticamente o
percentual era insignificante. A cidade não tinha engenhos; cuidava do gado e
para isso não precisava de muitos braços. Mas se o número de cativos era tão
baixo, o que justificou o movimento abolicionista em Mossoró?
1877
foi um ano terrível para os sertões nordestinos. A terra era devastada por uma
aterrorizante seca que se estendeu até 1879. A população faminta abandonava
seus lares em busca do litoral. Mossoró, Macau e Areia Branca, no Rio Grande do
Norte, Aracati e Fortaleza, no Ceará, abrigaram grupos numerosos de flagelados.
Mas não eram só os pobres que sofriam com a seca não. Os ricos fazendeiros,
donos de escravos também sofriam. E para amenizar os prejuízos, esses
fazendeiros mandavam para as cidades litorâneas seus escravos para serem
vendidos, e Mossoró por ser uma das cidades onde o comércio mais florescia,
recebia muitos escravos para esse fim. Desse modo era estabelecido na cidade o
comércio dos escravos. Várias casas comerciais se especializaram nesse tipo de
mercadoria, entre elas a Mossoró&Cia. de propriedade do Barão de Ibiapaba.
Os escravos comprados em Mossoró eram remetidos para Fortaleza e, dali, para as
províncias do sul. Talvez tenha sido esse tipo de comércio que tenha despertado
o sentimento de piedade pelos cativos. A idéia de libertação começou no Ceará
em 1881.
Em
Mossoró, a idéia surgiu por ocasião de uma homenagem prestada na Loja Maçônica
24 de junho ao casal Romualdo Lopes Galvão, líder da política e do comércio.
Presente à homenagem se encontrava o Venerável da Loja Maçônica 24 de junho,
Frederico Antônio de Carvalho, a quem coube a idéia da fundação de uma
sociedade cuja finalidade fosse a liberação dos cativos.
Em
6 de janeiro de 1883 é criada \"A Sociedade Libertadora
Mossoroense\", cuja presidência provisória fica a cargo de Romualdo Lopes
Galvão. Adere ao movimento os melhores elementos da terra. A diretoria definitiva
fica formada por Joaquim Bezerra da Costa Mendes como presidente, Romualdo
Lopes Galvão como vice-presidente, Frederico de Carvalho como primeiro
secretário, o Dr. Paulo Leitão Loureiro de Albuquerque como orador. Nessa
época, Mossoró contava apenas com 86 escravos. A 10 de junho alforria 40 desses
escravos. A Sociedade Libertadora tinha um Código, com um único artigo e sem
parágrafos, onde estava determinado que \"todos os meios são lícitos a fim
de que Mossoró liberte os seus escravos\".
A
idéia empolgava a toda população, de modo que nenhum fez questão alguma de
liberar seus escravos, independente de indenização.
O
dia 30 de setembro de 1883 foi a data designada para a liberação total dos
escravos; e o objetivo foi alcançado. No dia 29 de setembro, o Presidente da
Libertadora Mossoroense dirige a Câmara Municipal de Mossoró o seguinte Ofício:
\"Ilustríssimos Senhores Presidente e Vereadores da Câmara Municipal.
A Sociedade Libertadora Mossoroense, por seu Presidente abaixo assinado, tem a honra de participar a V. Sªs que, amanhã, 30 de setembro, pela volta do meio-dia, terá lugar a proclamação solene de Liberdade em Mossoró. E, pois, cumpre-me o grato dever de convidar V. Sªs e seus respectivos colegas, representantes do Município, para que se dignem de tomar parte nessa festa patriótica que marcará o dia mais augusto da cidade e do município de Mossoró.
\"Ilustríssimos Senhores Presidente e Vereadores da Câmara Municipal.
A Sociedade Libertadora Mossoroense, por seu Presidente abaixo assinado, tem a honra de participar a V. Sªs que, amanhã, 30 de setembro, pela volta do meio-dia, terá lugar a proclamação solene de Liberdade em Mossoró. E, pois, cumpre-me o grato dever de convidar V. Sªs e seus respectivos colegas, representantes do Município, para que se dignem de tomar parte nessa festa patriótica que marcará o dia mais augusto da cidade e do município de Mossoró.
A
emancipação mossoroense é obra exclusiva dos filhos do povo; a esmola oficial
não entrou cá.
Sua
Majestade, o Imperador, quando lhe comunicamos a próxima libertação do nosso
território, foi servido de enviar a dizer-nos pelo Senhor Lafayette, Presidente
do Conselho de Ministros, que nos agradecia. A libertação está feita e ninguém
apagará da história a notícia do nosso nome. Os mossoroenses são dignos de ser
olhados com admiração e respeito hoje e daqui a muito tempo, por cima dos
séculos.
A
Sociedade Libertadora mossoroense se congratula com V.Sªs por tão fautoso
acontecimento.
Deus
guarde a V.Sªs Ilustríssimo Senhor Romualdo Lopes Galvão, digno Presidente da
Câmara Municipal desta cidade de Mossoró.
O Presidente Joaquim Bezerra da Costa Mendes.
Sala das Sessões da Sociedade Libertadora Mossoroense, 29 de setembro de mil oitocentos e oitenta e três\".
Foi um dia festivo aquele 30 de setembro. A cidade amanheceu com as ruas todas engalanadas de folhas de carnaubeiras e bandeiras de papel coloridas. A alegria contagiava todos os lares. Ao meio-dia, a Sociedade Libertadora Mossoroense se reunia no 1º andar do prédio da Cadeia Pública, onde funcionava a Câmara Municipal. O Presidente da Sociedade Joaquim Bezerra da Costa Mendes, abre a solene e memorável sessão, lendo em seguida, diversas cartas de alforria dos últimos escravos de Mossoró, e depois de emocionado discurso declara \"livre o município de Mossoró da mancha negra da escravidão\".
O Presidente Joaquim Bezerra da Costa Mendes.
Sala das Sessões da Sociedade Libertadora Mossoroense, 29 de setembro de mil oitocentos e oitenta e três\".
Foi um dia festivo aquele 30 de setembro. A cidade amanheceu com as ruas todas engalanadas de folhas de carnaubeiras e bandeiras de papel coloridas. A alegria contagiava todos os lares. Ao meio-dia, a Sociedade Libertadora Mossoroense se reunia no 1º andar do prédio da Cadeia Pública, onde funcionava a Câmara Municipal. O Presidente da Sociedade Joaquim Bezerra da Costa Mendes, abre a solene e memorável sessão, lendo em seguida, diversas cartas de alforria dos últimos escravos de Mossoró, e depois de emocionado discurso declara \"livre o município de Mossoró da mancha negra da escravidão\".
Além
dos abolicionistas, os salões da Câmara Municipal estavam lotados com
familiares e grande massa da população.
Depois
da sessão, a festa tomou as ruas da cidade. O Dr. Almino Afonso pronunciou
inúmeros discursos, empolgando os auditórios que o aplaudiam delirantemente. E
foi também o Dr. Almino Afonso que criou o \"Clube dos Spartacos\"
composto, na sua maioria, por ex-escravos, tendo sido eleito presidente o
liberto Rafael Mossoroense da Glória. A função desse clube era dar abrigo e
amparo aos ex-excravos, que aqui chegavam por mar ou por terra. Era a tropa de
choque dos abolicionistas. Como território livre, Mossoró passou a ser
procurada por todos os escravos que conseguiam fugir. Sabiam que aqui chegando,
encontravam abrigo. O Clube dos Spartacus sempre conseguia evitar que os
escravos voltassem com os donos. Alguns eram comprados; outros eram mandados
para Fortaleza e nunca mais apareciam. Tudo isso aconteceu cinco anos antes que
a Princesa Isabel assinasse a famosa \"Lei Áurea\", que acabava com a
escravidão em todo território nacional.
O
dia 30 de setembro passou a ser a grande data cívica da cidade. A Lei nº 30, de
13 de setembro de 1913, declara feriado o dia 30 de setembro que até os dias
atuais é comemorado com muito entusiasmo pela cidade de Mossoró.
Geraldo
Maia do Nascimento
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